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Feminismo: a diversidade de militantes e causas do movimento

A luta que conquistou direitos fundamentais para as mulheres ganha novas faces no contexto atual

Por Bruna Carolina Carvalho
Atualizado em 30 mar 2018, 11h07 - Publicado em 30 mar 2018, 11h07

É bastante provável que você tenha sido bombardeada centenas de vezes pela palavra feminismo no último ano. O termo apareceu na TV, na web, nas premiações de cinema, nas campanhas contra o assédio no Carnaval… Bom sinal.

“Embora isso não signifique que o movimento seja maior do que foi historicamente, mostra que estamos mais conectadas, temos acesso a ações globais e às menores, o que dá essa sensação de um grande agito”, diz a paulistana Bianca Santana, cientista social e autora de Quando Me Descobri Negra (Sesi-SP).

O feminismo continua sendo muito necessário, mas permanece em uma zona nebulosa. Em um questionário elaborado pela área de Pesquisa e Inteligência Abril em parceria com a MindMiners, respondido por 1,5 mil mulheres, 25% declararam não se identificar com o movimento em nenhum momento e 42% ainda acreditam que feminismo é o oposto de machismo.

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Há muito trabalho a ser feito. Isso quer dizer promover mais diálogos, derrubar mitos e diminuir a recusa de algumas mulheres em participar.

Vivemos uma fase propícia, a chamada quarta onda. Iniciada nesta década, ela é definida pela retomada do espaço público para a discussão dos direitos das mulheres, pela chegada de meninas à liderança de coletivos feministas, pelo uso de redes sociais para ampliar o alcance das temáticas e, mais importante, pelo caráter múltiplo que assumiu.

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“O feminismo não pode ser falado no singular. A principal característica é a sua pluralidade. Nem toda feminista pensa igual ou defende as mesmas ideias”, pontua Carla Rodrigues, professora de ética do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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(PRISCILA_BARBOSA/CLAUDIA)

ONDA DE INCLUSÃO

A mensagem continua a mesma: as mulheres querem ser ouvidas e tratadas como iguais. Para isso, desejam consolidar o que hoje virou uma expressão popular – “seu lugar de fala”. Querem elas mesmas contar as próprias histórias em vez de aceitar as versões dos homens, como aconteceu no passado.

“Não abandonamos as antigas demandas, mas ocorreu um amadurecimento histórico. Hoje você olha para cada mulher e sua luta específica”, explica Nana Queiroz, escritora e organizadora do livro Você Já É Feminista: Abra Este Livro e Descubra o Porquê (Pólen e Revista AzMinas).

“O feminismo ficou mais acolhedor, identifica uma variedade de vozes, as diferenças de classe, raça, identidade sexual. E essas camadas podem se acumular, causando interseções”, continua.

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Mais grupos se manifestam em suas especificidades e necessidades, criando uma pauta quase customizada. Há críticas a essa estrutura. Acusam a atual fase do feminismo de pulverizar a força do coletivo, com risco de ele acabar se perdendo. Mais dividiria que contribuiria.

“Discordo. Acho isso enriquecedor, porque juntamos conhecimentos de cada um desses grupos”, opina a feminista negra e quilombola Isabela da Cruz, de Curitiba. “Ouvindo a outra, adquirimos sabedoria e juntamos esforços por um bem comum”, justifica. “É uma maneira também de conservar tradições, como costumes indígenas ou valores das famílias dos quilombos, dos matriarcados.”

Essa visão encampa um conceito do feminismo atual, o da sororidade, que preconiza a solidariedade entre mulheres. Ele estimula desenvolver a empatia, a entender a dificuldade e a luta da outra sem olhar enviesado nem julgar.

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“Feminismo não é vingança, não é ressentimento, não é guerra. Trata-se de querer um mundo onde não haja desigualdade entre homens e mulheres pelo simples fato de eles serem homens e nós mulheres”, resume Antonia Pellegrino, feminista e realizadora do documentário Primavera das Mulheres, de 2016.

(Brunna Mancuso/CLAUDIA)

A dor das negras

A discussão da sororidade inspirou Vilma Piedade, feminista preta e antirracista, na criação do termo “dororidade” e na produção do livro homônimo, lançado no ano passado pela editora Nós.

Durante uma reunião do movimento #partidA Rio, ela percebeu que o termo não era suficiente para explicar a pressão e a opressão do racismo que se acumulam sobre a mulher negra. “A dororidade contém a sororidade, mas une todas as mulheres pela dor, que é agravada pelo racismo. A mulher preta é marcada na escala inferior da sociedade devido à ausência histórica de espaço para ela”, afirma.

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Só a partir dos anos 1980 é que as mulheres negras passaram a falar sobre pautas próprias, já que a maioria dos movimentos feministas não as contemplava. De lá para cá, as ações cresceram e culminaram, em 2015, na Marcha Nacional das Mulheres Negras, que reuniu mais de 50 mil pessoas em Brasília.

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Na época, foi revelada uma pesquisa chocante: em dez anos, o homicídio de brasileiras negras havia aumentado 54%, enquanto entre as brancas caíra 9,8% , chamando a atenção para a vulnerabilidade do grupo.

Outro movimento desafia o feminismo hegemônico a repensar suas considerações e suas propostas. O transfeminismo abre um debate a respeito da autonomia sobre a própria identidade sem estar atrelada a características físicas.

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Amara Moira, travesti e autora do livro E Se Eu Fosse Puta (Hoo Editora), afirma-se uma mulher de pênis, pois, segundo ela, não são os órgãos genitais que definem nossas identidades, sejam elas cis ou trans. “Quero também considerar legítimo o corpo que eu tenho”, explica.

Mais de três anos se passaram desde que Amara, doutora em teoria literária pela Unicamp, abandonou seus trajes masculinos e optou por ser identificada como mulher. “Fiquei impressionada, pois meu corpo se tornou público. Como homem, nunca tinha sido tocada sem meu consentimento.”

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No país que lidera o ranking de assassinatos de travestis e mulheres trans – foram 868 homicídios de 2008 a 2016, segundo a ONG Transgender Europe, o triplo do segundo colocado, o México –, esse tipo de depoimento infelizmente não surpreende.

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(Ilustração Camila Rosa/CLAUDIA)

Crença X culpa

“É essencial que o feminismo penetre as áreas relativas à fé”, argumenta Maria José Rosado Nunes, doutora em sociologia e uma das coordenadoras da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, organização feminista criada em 1993 que defende, entre outras pautas, o estado laico.

E também o direito de uma mulher escolher o que fazer com uma gravidez indesejada que ela não pode levar até o fim. “A religião é um elemento cultural forte. Subjetivamente, conta muito. Trabalhar essa temática é fundamental, colabora para que as mulheres brasileiras sejam mais livres, mais felizes, mais autônomas”, reforça.

O desejo de encontrar um feminismo que não culpabilize e seja mais cabível levou a publicitária Thayô Amaral a criar, há quatro anos, a página Feministas Cristãs no Facebook.

Ela e uma amiga participavam de um fórum de discussão feminista na internet quando alguém se posicionou contra o cristianismo afirmando que toda religião era opressora. “Na hora, eu pensei: ‘Nem todo cristão concorda com práticas fundamentalistas’.”

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Para informar e evitar generalizações, ela promove discussões com 4 mil integrantes na página online. Entram nas conversas temas como a liberdade sexual da mulher, namoros entre cristãos e não cristãos, homossexualidade e até alguns mais sensíveis, como a descriminalização do aborto.

“Não estamos procurando unanimidade, mas permitindo que as pessoas manifestem diversos pontos de vista”, afirma ela, que se considera cristã pós-denominacional, que não se associa a uma determinada religião ou igreja, mas crê em Jesus.

Filha de nordestinos, nascida na periferia, a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira frequentava com a família a Igreja Batista em Piracicaba, no interior de São Paulo, quando ouviu, aos 12 anos, o pastor falar que mulheres que trabalhavam provocavam a desestruturação da família.

“A maioria ali era empregada doméstica. Eu me revoltei, disse que queria trabalhar, e o pastor me advertiu. Ele garantiu que eu não casaria”, rememora.

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Pesquisadora do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, Jacqueline compara o movimento feminista aos atos de Jesus. “Mesmo sendo homem, ele representava essa proposta de pensar nas pessoas e nas opressões sobre elas. Isso toca o feminismo, como movimento que questiona a ordem, o poder estabelecido.”

Divergências

A atual fase do feminismo também é crivada por controvérsias. “A consciência pode ter aumentado, mas, na prática, há poucas mudanças. Por exemplo, o feminismo negro ganhou espaço, porém ainda existem muitas mulheres brancas que se dizem feministas e têm empregadas domésticas negras. Isso é questionável”, diz Bianca Santana.

O debate igualmente se incendeia se o tema é a participação dos homens na luta feminista. Na pesquisa citada anteriormente, 73% das entrevistadas responderam que os homens podem, sim, defender as bandeiras levantadas pelas mulheres.

O movimento Eles Por Elas (He For She), desenvolvido pela ONU Mulheres no mundo inteiro – e que inspirou a revista a criar uma categoria no Prêmio CLAUDIA para valorizar a parceria masculina –, também entende que uma nova sociedade, mais justa e igualitária, deve ser construída por ambos os sexos.

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“É necessário trazer a outra metade da humanidade para o lado das mulheres”, explica Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil. “Ninguém pode falar por nós, assim como nós, mulheres brancas, não vamos falar pelas negras nem pelas indígenas, mas é de nosso interesse que as outras pessoas apoiem nossas lutas”, argumenta.

Algumas correntes entendem a participação dos homens como potencialmente arriscada. Por muito tempo, a voz hegemônica foi masculina. Em um movimento feminino, eles não deveriam ocupar apenas o lugar de escuta?

“Eu entendo as críticas, mas acho que o mais importante é que haja uma sensibilização dos homens em relação a seus mecanismos de dominação”, pontua Carla Rodrigues.

A expectativa de quem defende a inclusão é de que, sem compreender os impactos negativos sobre as mulheres, eles não consigam quebrar padrões machistas de comportamento.

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Mais uma polêmica diz respeito à importância de atitudes muito radicais. Grupos considerados extremistas – que, na maioria, são contra a participação masculina, inclusive – não enxergam a possibilidade de negociação e chegam até a desprezar movimentos mais brandos.

Há quem advogue pelo endurecimento em apenas alguns momentos. “Quando fomos às ruas contra o Projeto de Lei 5.069, do então deputado federal Eduardo Cunha, não havia meio-termo”, explica Nana Queiroz.

“Tinha que dizer ‘não’ à proposta que dificultava o aborto legal em caso de estupro e o acesso à pílula do dia seguinte.” Entretanto, ela afirma que ser radical o tempo todo não é nada eficiente. “Melhor pensar em uma boa estratégia e saber balancear as coisas.”

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