Chef Bruna Martins renova a culinária mineira, mas mantendo sua essência
Com sutileza, a chef do Birosca concretiza a missão de dar uma nova roupagem para os sabores de Belo Horizonte
Visitar os sabores do Birosca é a comprovação de que a alma sempre estará acima das tendências ou conceitos na gastronomia. Quem comanda as panelas do restaurante mineiro, situado em Belo Horizonte, é a chef Bruna Martins, que abriu as portas da casa em 2013, num desejo impulsivo de realizar seu sonho.
No início, foi a arte que despertou sua vontade de empreender. Bruna estudava saxofone na Universidade Federal de Minas Gerais e se especializou em música brasileira. “Aqui, temos acesso aos maiores ídolos da música mineira e meu professor era Beto Lopes, guitarrista do Milton Nascimento. Nas aulas, apreciávamos suas letras e era algo que me trazia muita inspiração”, conta.
Esse elo com a musicalidade foi o ponto-chave para a escolha de Santa Tereza para estabelecer o Birosca. “É um bairro com uma energia diferente. Como beagá é uma cidade sem acesso a elementos naturais, tipo praia ou rio, essa cultura boêmia é muito forte, e é nos bares que os músicos têm acesso ao ganha-pão. Mas me incomodava que a qualidade da comida não acompanhasse a musical: o que estava na mesa era sempre uma porção de fritas na chapa”, argumenta a chef.
Apesar de estudar música, as experiências de Bruna sempre estiveram ligadas à gastronomia: estagiou em restaurantes desde os 15 anos e até vendeu sanduíches na faculdade para pagar as contas. Já não tão satisfeita com sua área de formação, ela encontrou na comida a justificativa para mudar de rumo.
Circulando por Santa Tereza, Bruna encontrou uma charmosa casa disponível para aluguel — ali, decidiu que era hora de ter seu próprio negócio. “Não é nem que fui corajosa, foi falta de noção mesmo. Não sabia muito sobre alta gastronomia e que as pessoas passam por vários setores da cozinha antes de terem seu restaurante. Foi algo genuíno: ‘quero abrir um lugar, bora!’. Algo de alguém bem inexperiente”, confessa.
Seu amadurecimento pessoal se deu junto ao da sua culinária, que passou por diferentes fases até chegar ao menu atual. Intitulado Bodas de Fubá, o cardápio atual celebra os 10 anos da casa e representa a reconexão da chef com a cultura mineira, quando finalmente entendeu seu espaço na gastronomia.
Até conquistar esse lugar de certezas, Bruna enfrentou muitas provações, inclusive algumas que a fizeram questionar seu próprio talento.
“Passei por uma baixa autoestima em relação ao mercado de gastronomia. Meu restaurante sempre estava cheio, mas não era convidada para eventos e achava que o problema era a minha comida. Ainda não enxergava o machismo que existia nessa área, em que homens têm relevância e eu não era vista como uma chef”, relata ela, que, logo no início da empreitada, decidiu eleger um time exclusivamente de mulheres na cozinha.
“Todo mundo fala em comida afetiva. Mas, de fato, quem faz? Ter relevância, para mim, vai ser o dia em que eu conseguir colocar minha cultura como pilar e parar de inventar moda.”
Chef Bruna Martins
Na busca por tentar agradar e repensar seu trabalho, Bruna recorreu a receitas de estilo contemporâneo, que, segundo ela, não refletiam sua essência. “Comecei a me perder”, define. O resgate de seus valores veio com a descoberta da pesquisa. “Encontrei o lugar que era da cozinha doméstica, e passei a entender a questão da invisibilidade da mulher, o tanto que era um trabalho compulsório e o quanto isso era perpetuado na culinária brasileira”, explica a chef, mãe de Inácio, de 3 anos.
Bruna se aprofundou nesses estudos e criou, à época, um menu inspirado em pratos clássicos da cozinha regional e receitas que aprendeu com a avó: bife à rolê, suflê de chuchu, sardinha e torta de liquidificador eram alguns dos sucessos da casa.
“Depois, entendi que precisava de outro caminho para conquistar um lugar relevante, que representasse a minha história. Foi aí que me reconectei com a cultura do meu Estado, dentro de uma linguagem que mostrasse uma Bruna que amadureceu na gastronomia, o que não se resume à comida mineira tradicional”, define.
As receitas do novo menu refletem essa homenagem às raízes, mas com uma roupagem própria. A broa de fubá com creme de milho chega ao prato com uma finalização delicada e leva tartar de pupunha, requeijão de raspa e parmesão d’Alagoa.
Irresistível como belisco, a pimenta-de-cheiro é recheada com carne de porco moída, bacon e linguiça caipira, envolta em massa de tempura. A receita é finalizada com caramelo de pequi e maionese feita dessa mesma fruta, que também é estrela de um dos drinques da casa.
A empada ribeirinha, uma torta com pirão de cascudo e creme de limão, é um prato autoral que representa suas recentes pesquisas sobre os peixes de rio, buscando valorizá-los.
“Já o empadãozinho de pato traduz essa história de fazer uma culinária mais doméstica. Trouxe uma nova cara com as peras imersas no vinho de jabuticaba, vindo de um produtor mineiro”, conta a chef sobre uma de suas receitas favoritas.
A rotina de reinvenções e provações que uma cozinha exige é árdua, mas visivelmente serviu de combustível para a chef, que é fonte de admiração não só para mulheres, mas também para o filho.
“Meu puerpério aconteceu durante o isolamento e foi extremamente difícil, cheguei a amamentar chorando. Hoje em dia, equilibro tudo muito bem, minhas amigas até falam que me admiram como mãe por eu não ficar falando loucamente sobre maternidade (me desculpe as pessoas que fazem isso), mas foi algo natural para mim. Só quero que meu filho seja feliz e crio ele sem histerias. Simplesmente deixo as coisas acontecerem…”, pontua a chef, numa fala que revela como o esforço do plantio só pode resultar numa farta colheita.
Aqui, a chef ensina algumas de suas receitas servidas no Birosca:
- Broa com creme de milho e tartar de pupunha
- Pimenta-de-cheiro com pequi e recheio de porco
- Canudinho de mousse de cocada preta
- Drinque Pequi Sour