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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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O que você comeu hoje?

Há três meses que resolvi por minha escolha pelo vegetarianismo. Não foi uma escolha repentina

Por Juliana Borges
30 abr 2020, 21h42

São Paulo, 30 de abril de 2020

Há três meses que resolvi por minha escolha pelo vegetarianismo. Não foi uma escolha repentina, apesar de ter assim parecido para muitos amigos. Há pelo menos quatro anos, se não mais, que eu exercia a “segunda-feira sem carne”, um movimento que propõe que as pessoas reduzam o consumo de carne em suas dietas. Disso, comecei a perceber que, do ponto de vista da saúde, meu organismo respondia melhor com a diminuição da carne. Mas foi nos últimos dois anos que passei a, de fato, buscar leituras sobre o vegetarianismo. Até que decidi por aderir a este outro modelo de alimentação.

Uma das frases que mais gosto dentre as pessoas que decidem por se “desalienar” sobre o que comem, e muito repetida por Bela Gil, é “Comer é um ato político”. Já deixamos o momento em que comida era apenas comida. Quando pensamos em um mundo com diversas corporações e de cadeias produtivas globais de alimentos, estamos falando de uma série de processos os quais nós não podemos abrir mão de conhecer. O que comemos ou deixamos de comer não pode ser definido por pequenos grupos, que tem realizado padronizações, modelos exploratórios e predatórios que destroem a diversidade dos recursos e fontes alimentares que temos no mundo. Esses modelos têm devastado o planeta e, apesar de poucos pensarem nisso, tido impactos diretos na produção de epidemias, pandemias e desenvolvimento de diversas doenças.

Ao afirmarmos o nosso direito de escolha sobre o que comemos, estamos optando pela sustentabilidade e pela qualidade de vida de mais pessoas, por geração de renda e emprego locais, em redes comunitárias mais presentes, em que se pode acompanhar o cultivo dos alimentos, sem a utilização de agrotóxicos. Nosso país é o que mais faz uso de agrotóxicos, sendo o principal destino destes produtos que são barrados no exterior, muitas vezes. Quais os impactos disso na saúde de nossa população?

Os modelos de produção das cadeias alimentícias globais e de massa têm sido responsáveis pelo desmatamento, por um procedimento monocultural de plantio, devastando o solo, métodos indignos e violentos em relação aos animais. E não estão nem um pouco interessados em pôr fim à fome, mas de atingir lucros exorbitantes. Essas foram as principais reflexões que fiz para decidir por me tornar vegetariana.

Uma das afirmações da filósofa Angela Davis, que poucas pessoas sabem que é vegana, me chama atenção, quando ela diz que “nós não percebemos a extensão em que estamos implicados em todo o processo do capitalismo ao participarmos acriticamente das políticas oferecidas pelas grandes corporações alimentícias”. Ou seja, quando não buscamos saber, ou somos impedidos de saber – e por isso é importante fortalecer o movimento pela rotulação e informações de tudo que compõe a produção de um alimento industrializado – o que estamos comendo e se estamos corroborando com modelos exploratórios. Precisamos pensar no sofrimento que bilhões de animais suportam todos os dias só para se tornarem comida para seres humanos. Ou mesmo, seguindo a questão de Angela Davis, do quanto “não pensamos nas relações que os objetos incorporam e que foram importantes para a produção do objetivo”, como se tudo fosse simples mercadoria, deixando de relacionar que o bife que se come foi um animal, por exemplo. Será que não interessa saber como essa produção acontece? Acredito ser fundamental.

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Mesmo em tão pouco tempo, já passei por experiências de “diálogos” com perguntas bem absurdas, quando as pessoas sabiam que eu havia me tornado vegetariana. Primeiro, sobre a proteína. Me lembro sempre de um documentário que assisti, em que um nutricionista aponta que nunca havia recebido crianças com deficiência de proteína, já que as fontes de proteínas são inúmeras. A segunda foi sobre a plantação de soja. Querendo imputar ao vegetarianismo um incentivo à produção em larga escala de soja, o que denota uma imensa falta de informação. O consumo acrítico não é sobre o que se come, mas também sobre como os outros comem. A imensa maioria da produção de soja é para alimentar os animais que se tornarão comida para onívoros (pessoas que consomem todo tipo de alimento).

E, por fim, passei há pouco por duas experiências de pessoas que me falaram de “cadeia alimentar” para embasar o consumo de carne pelos humanos. E eu confesso que, tanto na segunda quanto na terceira perguntas, não tive, nem quero ter, a menor paciência para a resposta. Porque não quero crer que, em pleno século XXI, a gente ainda ache que pode se comparar a um leão que caça o estrito para se alimentar e ao seu bando. Não produzindo, armazenando em larga escala. Ou que não pensemos que nós, humanos, compomos diversas cadeias alimentares, que não significam superioridade ou relação hierárquica, mas cíclica. O que significa dizer que todos somos parte. Muito menos podemos acreditar que haja uma predisposição da Natureza para que nós comamos determinadas coisas ou não, quando isso é fruto de processos de racionalização humana.

Mas penso que um post sobre “argumentos para não usar com um vegetariano” pode ficar para outro dia. Hoje, quis mais dar um passo a mais em um diálogo com vocês sobre essa escolha política alimentícia que fiz, que já começamos lá no texto sobre a relação do que comemos com as pandemias. E muitos outros virão.

Já parou para pensar no que você comeu hoje?

Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:

01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”

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02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener

03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa

06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?

07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia

08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia

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09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos

10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!

11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19

12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos

13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!

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14/04- E aí, quais são as lives da semana?

15/04 – Como praticar autocuidado radical?

16/04 – #TBT da saudade do mar 

17/04 – Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres

18/04 – Mulheres na política fazem a diferença também no combate à pandemia

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19/04 – Quem cuida de quem cuida?

20/04 – Tempos difíceis

21/04 – Viva Hilda Hilst!

22/04 – Dia da Terra e o futuro da humanidade

23/04 – Dia do Livro e a menina que amava livros

24/04 – O País está de  ponta-cabeça

25/04 – A louca da cozinha

27/04 – Diário de uma “Cristinder”

28/04 – A saudade que o BBB vai deixar

29/04 – E daí? O que você vai fazer com esse desdém?

Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva:

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