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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”

Todos os dias, a escritora irá compartilhar as experiências que teve nas últimas 24 horas do distanciamento social

Por Juliana Borges
Atualizado em 4 abr 2020, 18h05 - Publicado em 1 abr 2020, 19h33

Não vai dar para começar esse diário com “meu querido diário”. Infelizmente, não é um diário de amor adolescente. Ou felizmente. Acontece que eu já estou no meu 18º dia de distanciamento social voluntário. E eu estava travada criativamente até agora. Não que isso tenha mudado muito. Eu confesso que subestimei este momento. Logo pensei: “Poxa, escreverei como nunca porque terei todo tempo do mundo!”; “Nenhum editor reclamará dos meus atrasos devidos ao meu sangrescrever* cotidiano”. Bah! Apagão total. E dezoito dias se passaram, com muitas leituras, com muitas frases por terminar e um cursor piscante e julgador. Ao final, acho que é uma boa começar este diário no décimo oitavo dia. Veja bem, eu já peguei o ritmo da vida distanciada, eu estava perdida, com o verso martelado da Maísa na cabeça “meu mundo caiu”. Mas, me dei conta que, como bem disse um meme, pouca coisa mudou para uma amante de Nietzsche e Schopenhauer quando o exercício é… distanciar. Então, acordei hoje e disse a mim mesma “por que não? Vai passar! E eu preciso escrever sobre tudo isso!”.

No começo, eu chamava de quarentena. Mas, dia desses, uma amiga compartilhou de uma amiga dela que há diferenças entre isolamento, quarentena e distanciamento social. Pela minha breve busca, isolamento ocorre para casos confirmados e é total até que a pessoa se cure e pode ocorrer tanto em casa, para casos leves, quanto o chamado “isolamento hospitalar”, caso os sintomas se agravem; a quarentena estaria sendo utilizada para pessoas que viajaram ou tiveram contato com alguém diagnosticado e devem ficar em casa no período de incubação da doença, tomando várias medidas preventivas; e o distanciamento social seriam as medidas adotadas para diminuir a circulação de pessoas, sendo exercida, principalmente, para que o nosso sistema de saúde não colapse e tenha condições de atender possíveis casos graves e não cheguemos na situação dramática em que vivem Itália e Espanha, por exemplo. E foi ótimo aprender estas diferenciações. Até para ter real compreensão do nosso papel. Estamos vivendo um momento novo. Algo parecido, como citam muitos especialistas, teria acontecido com a gripe espanhola, período em que a maioria de nós não estava aqui. Mas, também os mesmos especialistas alertam que a gente não pode prever ou tentar ser futurólogos diante do que estamos vivendo. O lance é: façamos a nossa parte para que a gente não tenha que viver situações tristes em que médicos e enfermeiros não dão conta de atender todos os casos graves. Se a gente pode ajudar, por que não?

E diante desta explicação, por que, ainda sim, eu mantive o nome “quarentener”? Porque fiz uso da licença poética. Não me entenda mal. A licença poética nada mais é do que um recurso literário, que permite a escritora extrapolar algumas normas. Ou seja, eu me utilizo de expressões, termos, conceitos e situações que não seriam utilizadas no cotidiano. Não daria para usar “diário de uma distanciamentener”. E, depois de farialimers, santacecilers, estamos diante de uma situação que extrapola “condados”, infelizmente. Somos todos quarenteners e estamos reinventando nosso modo de vida.

Daí, então, que resolvi escrever todos os dias. O meu dia, o comentário das notícias do dia, dos temas quentes para quarenters. Afinal, nossos governantes estão ou não fazendo o necessário para conter ou ao menos gestionar a disseminação da doença? Enquanto que muitas pesquisas apontam que a maioria esmagadora da população, principalmente de periferias, apoiam as medidas de distanciamento social, a gente está mesmo seguindo as orientações? Você está conseguindo não tocar o rosto todo tempo? Você está se lembrando de tirar os sapatos antes de entrar em casa? Está passando pano com vinagre ou álcool na casa? Se precisa sair, só na emergência, hein?, você, quando chega, se joga no sofá ou lembra de trocar a roupa, colocar no cesto, tomar um banho e daí sim se jogar no sofá para ver a novela – que saudades de “Amor de mãe”! Você, que pode ser quarentener, tá doando nas várias iniciativas para ajudar as pessoas que até querem ser quarenteners, mas não podem se manter para isso? Já pensou que ser quarentener significa exercer mais a empatia, o exercício coletivo, mesmo a gente estando distante? Louco isso, não é? Quem sai no próximo paredão? Quais são os medos que a gente tem diante disso tudo? O que pode e já está mudando nas nossas vidas com este processo? A gente vai voltar a ser o que éramos no Carnaval quando estivermos em Setembro? É uma pitadinha do que eu quero compartilhar nesse diário.

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*Sangrescrever é palavra que eu acabo de inventar. Eu gosto da poética evaristiana que afirma que “escrever é sangrar”. Amplos são os significados que podemos dar a essa frase e eu a utilizo para definir meu processo criativo: miudinho, quieto, desrascunhado e de muito pensamento, tanto que chega a doer, tanto que chega a sangrar. Ah, Guimarães, como queria sua capacidade de neologismo, mas não tenho. Vou com esse ornitorrinco verbal.

Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

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