Tantra para casais: uma experiência de afeto e respeito
Um relato de quem passou dois dias imersa nos ensinamentos da filosofia tântrica com o parceiro afetivo e companheiro de vida
É comum buscarmos nas linhas de autoconhecimento ferramentas para nos ajudar no dia a dia, seja no trabalho, na saúde, no relacionamento. Muitas vezes, porém, deixamos para quando a situação está por um fio (ou quase) para tomar essa atitude. Não foi o que aconteceu comigo e com meu companheiro quando, juntos, topamos a ideia de vivenciar uma experiência de tantra para casais.
No começo, estava um pouco nervosa, preocupada com o que ele acharia do curso. Eu já tinha feito outros retiros com a mesma mestra, então estava mais do que familiarizada com a didática. Nós dois, inclusive, também tínhamos feito exercícios em casa, de meditação e respiração conjunta, a partir do meu conhecimento do assunto. No fim, não seria nada tããão desconhecido para ele, mas, de qualquer forma, fiquei com frio na barriga a semana inteira.
O curso de dois dias, ministrado em uma escola de ioga próxima ao metrô Praça da Árvore, começou na sexta à noite, 19h. No hall de espera, os casais iam se juntando aos poucos, uns mais simpáticos, outros mais introspectivos. A aula atrasou para começar por conta das chuvas torrenciais de verão. Tomamos chá, comemos bolinhos veganos, entreolhamos uns aos outros de forma discreta, quase como se a gente escondesse um segredo: estamos todos aqui para fazer a mesma coisa — mas o que será essa “coisa”?
Finalmente, Carol Teixeira, a sacerdotisa tântrica que conduziria a experiência, nos convidou a subir para o segundo andar. Luz baixa, música, cheiro acolhedor, ela sentada ao fundo em uma cadeira exuberante rodeada de imagens sagradas hindus e flores das mais diversas. Nos acomodamos de forma livre, atentos aos ensinamentos dela. O primeiro dia era reservado para o básico do tantra enquanto filosofia de vida e algumas meditações.
Depois de ouvi-la, ficamos frente a frente com o nosso par. Olho meu companheiro nos olhos, não falamos nada. Só observamos um ao outro, sentimos um a presença do outro, ali. Nunca tivemos nenhum problema nesse ato tão singelo que é encarar alguém de frente. Inevitavelmente, começo a chorar. Penso em todas as coisas que vivemos juntos, e tudo aquilo que planejamos para o futuro. Demora um pouco, mas ele também chora. Fico ainda mais emocionada. Nossa presença é tudo o que importa.
Como de costume, Carol faz a gente perder a vergonha e se conectar com os outros ali presentes em um caminhar livre pela sala, olhando nos olhos de quem cruza o caminho. Soltamos nosso par e rodamos em círculos desajustados, imperfeitos. Olhamos, olhamos, olhamos, e, com o comando dela, paramos na frente de um completo desconhecido — isso acontece por três vezes. Nas três, pude olhar mulheres já entregues à proposta da vivência. Nossos olhos lacrimejantes se conectam e se reverenciam também num lugar do feminino. Como se fosse possível entender e respeitar quem é a outra a partir da nossa vivência.
Mais alguns ensinamentos de Carol, observações sobre a vida cotidiana, o quanto estamos desconectados de nossos corpos, de nossa essência, e nem percebemos. E o tantra, enfim, é uma ferramenta para mudar essa (falta de) percepção. Meditações a partir de respirações nos conduzem para o restante da aula, de volta aos nossos pares. A intenção, agora, é ativar os chakras com visualizações de cores e formas, e gestuais — em união, claro. Esse é um exercício bastante intenso, caloroso, que desperta mesmo. Sendo um também físico, alguns presentes se soltam em gritos, uivos e lágrimas. Já eu e ele, vamos dançando em comunhão nesse ritmo que ditamos entre nós dois. Sempre.
A narração pode dar um tom de pressa, mas tudo é feito com calma e seriedade.
O segundo grande exercício da noite é feito a partir de uma demonstração: Carol convida o próprio companheiro para o centro da roda que organizamos e pede que ele se deite. Antes, porém, precisa tirar algumas peças de roupa e, para cada uma, falar algo que ainda não superou, alguma tristeza, algum trauma. É um gesto bonito, de entrega. Ao deitar-se, ela nos ensina a potência do toque sutil. Com apenas as pontinhas dos dedos, acaricia o corpo dele, fazendo movimentos intuitivos de vai-e-vem, começando pelos pés indo em direção à cabeça. Tudo, num, ritmo, muito, lento. “Se você achar que está devagar, tenta deixar mais ainda”, diz.
É nossa vez. Cada casal organiza seu espaço, com os materiais trazidos de casa. Abrimos a canga comprada na última viagem para a praia, e eu sou a primeira a receber a massagem. De olhos fechados, fico curiosa para saber quais direções ele vai tomar nesse corpo que já conhece há tanto tempo. É apressado no começo, mas depois ele desacelera. Entrega seu amor a cada deslize sobre a minha pele, posso sentir. Na sequência, é a minha vez de retribuir. Coloco a mesma intenção de afeto e cuidado, tomo todo o tempo do mundo para fazê-lo sentir a pessoa especial que ele é para mim.
No dia seguinte…
O sábado já começou com outra energia. O grupo estava em sintonia e todos pareciam entender o propósito de estar ali. Os 15 casais presentes começam a manhã mais uma vez caminhando entre si, pescando olhares, se ligando com estranhos que já não tinham mais medo de transpor os sentimentos.
A vivência seria dividida em duas partes: de manhã, iríamos aprender tudo sobre a yoni (nomenclatura em sânscrito que significa portal sagrado, usado para designar a vulva) e, à tarde, sobre o lingam (marco ou sinal, representante do deus Xiva), a partir (claro!) da filosofia tântrica. Antes de começar os exercícios práticos, Carol explica os canais de energia, discorre sobre traumas, travas e o quanto a sociedade ocidental está afastada do contato com o próprio corpo. Tudo isso gera um falso entendimento do que é o prazer de fato.
O primeiro é o ritual de autorização do prazer feminino: uma aluna voluntária (que não estava na turma) deitou no centro da roda, cercada de flores. Ela faz o gesto de tirar a roupa falando algo que ainda não superou, como aprendemos no dia anterior, se deita nua e aprendemos a como tocar uma vulva. A gentileza de Carol reforça que isso é um ato de respeito e reverência ao sagrado do corpo, algo que foi bastante banalizado na sociedade de diversas formas. Eu já tinha vivenciado essa experiência no I Love My Pussy, outro curso que ela oferece — esse, apenas para mulheres —, mas me surpreendi com a reação dos homens ali: alguns choraram, outros entraram em uma sintonia sutil… Me pareceu que entenderam a mensagem.
A massagem tântrica na yoni é feita com óleos naturais, sempre de fora para dentro (da parte externa aos lábios, sendo o clitóris a última coisa a ser estimulada). Os toques sutis, aqueles com as pontas dos dedos, fazem o corpo despertar. Ela sugere movimentos e pede aos homens sempre escutarem as suas parceiras e não se sentirem ofendidos caso elas peçam para “ir mais devagar” ou “fazer tal coisa”. Parece bobagem, mas considerando a falta de educação em sexualidade que tivemos e toda uma geração “pautada” pela pornografia mainstream, a conexão mora nesses pequenos detalhes — fica a dica.
Após a demonstração, é a vez de cada par colocar em prática o que aprendeu. Tem algo divertido e irreverente na ideia de ser masturbada pelo seu companheiro “em público”. Porém, não é nada disso que acontece ali, já que a ideia mora na integração desse casal com o prazer um do outro. Como cada um sente de um jeito, voltamos àquele momento de ouvir gritos, choros, uivos. Tento focar no presente, no meu corpo e abafar essas outras expressões que não me cabem. Sinto tanta paz e amor dentro de mim. Gozo, gozo, gozo. Meu companheiro ri, se diverte, me anima.
Vamos todos cessando as emoções, voltando para a realidade. É como sair de uma longa e profunda meditação. Me sinto acolhida por ele, nos beijamos cheios de afeto e nos derretemos em um abraço eterno até todo mundo ficar na mesma página e sairmos para almoçar. Ali mesmo, um banquete vegano é oferecido nesse intervalo. Como ter orgasmos dá fome, nos deliciamos sob um sol intenso e trocamos ideia com alguns outros alunos.
A segunda parte do dia é tida como o ritual de autorização da potência sutil do masculino. Carol intitula dessa forma porque a proposta para os homens é que eles entrem em contato com os sentimentos, sem rigidez ou preconceitos. No caso das mulheres, é para nos libertarmos de amarras patriarcais diante da nossa sexualidade e, especificamente, da nossa vulva.
O ritual se repete, agora com o companheiro de Carol no centro da roda. Palavras de cuidado, óleos essenciais, toque sutil. Ela mostra como massagear o pênis (ou lingam) — e, acreditem, não há nada que te prepare para isso. Os movimentos só podem ser feitos por uma segunda pessoa (portanto, o homem também jamais teve acesso ao que ela mostra ali). A garantia de prazer extremo é reforçada, e os movimentos também precisam ser dosados de acordo com cada um e combinados entre ritmos mais ou menos intensos.
Na hora de colocar em prática, o desafio se apresenta por não serem jeitos ~tradicionais de tocar um pênis. A mecânica é deixada de lado e algo mais interessante começa a se ajustar no posicionamento das mãos e braços. É extremamente prazeroso dar prazer para o companheiro e vê-lo sentindo prazer (sim, muito prazer, foi proposital). As dicas de Carol não se limitam ao pênis, podendo trazer para a prática também o estímulo do ponto P. E, veja, os homens são muito mais “escandalosos” do que as mulheres. Gemidos altíssimos chegam até desfocar meu parceiro, mas a parte importante a gente entendeu.
E como se entendeu também. Foi realmente um espaço que só confirmou e fortaleceu a relação que já temos, nos permitiu transbordar o afeto e a paixão que sentimos. Nós escrevemos cartas, nos emocionamos, ouvimos os relatos dos outros, o choro e o grito alheio. Demos as mãos (e os corações) e seguimos, nós dois, em frente. Juntos. Não há nada mais bonito que o amor, isso eu garanto.