Physical: 8 motivos para você assistir a série da Apple TV+
Protagonizada por Rose Byrne, produção original é ambientada nos anos 1980 com todo o glam-gym que você pode imaginar
Cada vez mais, a Apple TV+ tem se destacado com produções originais de cair o queixo. E com a nova temporada de Physical no ar, não poderíamos deixar de falar sobre suas inúmeras camadas ao retratar a vida de uma mulher, antes dona de casa, que sonha em ser a maior estrela dos vídeos de aeróbica dos Estados Unidos. Ambientada na Califórnia de 1980, cheia de mudanças sociais acontecendo, a série mostra diversas questões importantes sobre saúde mental e controle do corpo feminino, com uma protagonista que sofre com distúrbios alimentares e de imagem. A seguir, listamos 8 motivos para você não perder mais tempo e dar o play:
Atuação
Rose Byrne entrega tudo de si ao papel de Sheila Rubin e todas as complexidades que essa personagem exige. Ela transita entre a mãe apaixonada pela criança, com seu senso de proteção que tem origem em um trauma de infância, a dona de casa que quer se emancipar financeiramente do marido para fazer o que deseja — logo, é bastante ambiciosa na carreira — e suas escolhas nem tão éticas para fazer tudo dar certo. É muito interessante como a atriz mostra as dificuldades internas nos momentos mais duros da sua saúde mental e também a alegria e disposição de estar ali, pulando, dançando, ministrando aulas de aeróbica. São muitos contextos e moods diferentes de analisar na interpretação da protagonista nada óbvia.
Transtornos alimentares e saúde mental
Um aviso em branco toma a tela preta da série antes de qualquer episódio começar. Ele alerta sobre o conteúdo sensível acerca dos transtornos alimentares e de saúde mental que estão intrínsecos ao roteiro e uma indicação de onde procurar ajuda. Claro, porque os assuntos que rondam a mente de Sheila são, sim, preocupantes e devem ser tratados com seriedade. A grande sacada da série foi introduzir as temáticas de um jeito que elas não definissem a história, e nem por isso tiram a importância de discutir sobre elas. A protagonista é bulímica há mais de 20 anos, consequência do ambiente opressor familiar e do cenário de balé clássico ao qual esteve inserida desde criança — o que é muito comum de acontecer, aliás. A pressão pela perfeição e a busca pelo controle a fazem ter esses momentos de “prazer instantâneos” e “perda de controle”. Tudo, claro, perpassado pela pressão estética que sempre rondou o corpo da mulher.
Apesar dos momentos que mostram essa compulsão alimentar, Physical não é sobre isso, vai muito além disso. Essa é uma história de uma mulher, empreendedora, que tem um sonho, uma família, uma paixão pela dança, traumas familiares, desejos incompreendidos, sobrecarga mental-física-espiritual, um casamento complicado, amizades conflituosas, pressão psicológica…. Ela também não é uma pessoa íntegra, 100% boazinha, porque, como Mary Gaitskill bem disse em uma entrevista à CLAUDIA, não é porque a personagem é feminina que ela vai ser boa. As complexidades humanas existem, e a série capta bem isso. O assunto da bulimia é tratado com o respeito e a profundidade que ele pede.
Política e meio ambiente
Além de tudo isso comentado acima, Physical é ambientada na Califórnia dos anos 1980, com todas as pautas sustentáveis borbulhando entre os jovens hippies e as famílias preocupadas com o meio ambiente. E isso é colocado dentro da história por meio da corrida política que acontece na primeira temporada para saber quem seria o próximo prefeito da cidade: um homem com características neoliberais, vindo de uma família de políticos-religiosos ou o marido de Sheila, Danny Rubin (Rory Scovel), professor que tem uma perspectiva mais ambientalista da pauta socioambiental. Assim, viramos ouvintes das pautas, das promessas de mudanças (ou não) e dos acordos que precisam ser feitos para, no fim, alguém sair vitorioso. Intrigas de gente grande, check!
Figurino
Saindo um pouco do papo cabeça que a série apresenta aos espectadores, Physical, obviamente, é um show de figurinos lindos e desejáveis com a estética glam-gym que amamos revisitar de vez em quando. Pense em bodies cintilantes, polainas fofinhas, faixas de cabelo listradas, tênis brancos e meias-calças coloridas. É uma profusão de boas ideias para tirar o lookinho fitness do lugar comum.
As peças do dia a dia das personagens também são ótimas fontes para entender um pouco mais da personalidade de cada um. Tipo Greta (Dierdre Friel), amiga de Sheila, mãe, esposa, dona de casa com uma condição financeira, digamos, privilegiada. Antes de um momento de virada da personagem (spoilers do bem nos próximos tópicos), ela não estava muito à vontade dentro do seu corpo, não se sentia bonita ou desejada. A partir desse determinado acontecimento, ela vai se descobrindo uma mulher desejante, dona de suas vontades, independente da vida que lhe foi “destinada” enquanto esposa perfeita. E aí seus figurinos também mudam — fique atenta! A “culpa” dessa orquestra toda é dos figurinistas Cameron Lennox (primeira temporada, também fez Pam & Tommy e SMILF) e Ernesto Martinez (segunda temporada, trabalhou em Veep e Vice).
Ambientação
Quando falamos de estética, não podemos deixar de lado a conjunção entre direção de arte, figurino, maquiagem e cenografia. Tudo isso, tecnicamente, fica dentro de um mesmo guarda-chuva, no caso de Physical, comandado pela designer de produção Kate Bunch, que tem um vaaaasto currículo em séries de TV. Aqui, transitamos por ambientes ora requintados ora descolados em uma Califórnia que enfrenta embates políticos (citados acima) e sociais, com a ascensão das causas humanitárias e ambientais — além, claro, de academias e espaços esportivos que refletem no lifestyle californiano até hoje.
Interessante notar a escolha das cores para diferenciar os ambientes em que Sheila frequenta. Sua casa, por exemplo, tem uma paleta bastante escura, com muita madeira, carpete, pouca iluminação, indicando ser um espaço de tristeza e aprisionamento, se considerarmos o que a personagem passa ali. Já nos ambientes esportivos e na casa da amiga, temos tons mais claros, estética solar, vibrante, cheia de vida. Portanto, é no espaço externo (do corpo e da casa) que ela se sente bem. No interno, com as questões do relacionamento e da saúde mental, uma tristeza iminente.
Trilha sonora
Falar de glam-gym, de aeróbica, de polainas e bodies coloridos é falar de músicas eletrizantes que ajudam a manter o clima nas alturas. E a escolha da trilha sonora seria, obviamente, importante para essa narrativa dançante. Assim como em outras produções originais da Apple TV+, Physical é recheada de clássicos: do disco ao pop, do melancólico ao instrumental. Pense num mix perfeito entre Kim Carnes, Natalie Taylor, Tina Turner, David Bowie e mais. Difícil mesmo é não querer sair mexendo o corpinho por aí!
Sexualidade
Apesar de não ser o foco principal da trama, a sexualidade feminina é bastante desenvolvida, principalmente com o arco dramático da amiga, Greta. Spoilers do bem: ela descobre, em uma fita VHS, o fetiche de seu marido, pai de seus filhos, companheiro de vida. Num primeiro momento, uma repulsa, num segundo, a vontade de dialogar com ele sobre esse desejo, nunca antes compartilhado entre o casal. A partir do momento que essa troca acontece, a vida íntima dos dois muda completamente e, por consequência, suas vidas individuais também. Greta fica mais feliz e confiante de si, do seu corpo, da sua existência plena enquanto mulher numa sociedade que renega qualquer autoconhecimento do prazer. A sexualidade, como sabemos, é muito maior do que podemos imaginar — por isso, tantas tentativas de encaixota-la em isso ou aquilo outro —, e aí uma mulher poder não só conversar com seu parceiro sobre suas vontades e fantasias, mas também conseguir se apoderar de tudo isso, é muito bonito de ver.
Papel da mulher
Um contexto macro embala os dilemas de todas as personagens: o que é ser mulher nesse mundo em constante mudanças? Sheila quer se emancipar financeiramente para conseguir, quem sabe, ter sua liberdade afetiva. Mas, para além disso, ela também busca o sucesso de uma carreira em ascensão, num mercado bastante lucrativo (e comandado por homens, nenhuma surpresa), para provar a sua família que tem valor — algo renegado a ela por uma situação bem triste, onde sua voz não foi ouvida. Ela também tem problemas com o marido, que teve relacionamentos extraconjugais com mulheres mais novas, não ajuda na casa até ela começar a trabalhar intensamente nas aulas de aeróbica e trazer o dinheiro para casa. O corpo, claro, fica em evidência como um autocontrole que “garante” algum sucesso: se está magra, significa que, além de tudo o que faz, consegue manter seu corpo nos padrões esperados. Apesar de se passar nos anos 1980, muita coisa ainda não mudou para nós, então a reflexão é mais que válida, é necessária.