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A ascensão e queda de Flordelis, em série documental

Mariana Jaspe, roteirista e diretora de 'Flordelis: Questiona ou Adora' conta como acompanhou os desdobramentos do crime que marcou a família da pastora

Por Joana Oliveira
7 dez 2022, 08h59
Flordelis em imagem da série documental da Globoplay.
Flordelis em imagem da série documental da Globoplay. (Reprodução/Divulgação)
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Mãe de 55 filhos. Pastora evangélica que arrastou uma multidão de fiéis. Deputada estadual do Rio de Janeiro, eleita com quase 200 mil votos. Condenada a 50 anos de prisão por mandar matar o próprio marido. Essa é parte da biografia de Flordelis dos Santos, cuja sentença no tribunal do juri chegou no dia 13 de novembro e encerrou, pelo menos juridicamente, o caso do assassinato do pastor Anderson do Carmo, que ocorreu na casa deles, no dia 16 de junho de 2009.

Antes que chegasse o veredito, a Globoplay lançou Flordelis: Questiona ou Adora, uma série documental que narra como surgiu essa grande família, como a mulher negra e periférica ascendeu socialmente e chegou ao poder institucional e religioso e como seu império pessoal ruiu, a partir do homicídio de Anderson (a HBO Max também prepara uma série sobre o caso). “É mais do que uma série de trume crime”, alerta Mariana Jaspe, roteirista e diretora da série. “A ideia não é contar a história de um crime, mas a história dessa mulher e de sua família”, continua.

Para isso, Mariana volta até o início dos anos 1990, na Favela do Jacarezinho, zona norte do Rio, onde Flordelis nasceu e cresceu. Foi ali que ela, que já tinha três filhos biológicos —Simone, Flávio e Adriano começou a abrigar crianças e adolescentes desamparados tendo relatado acolher 37 deles em apenas uma noite. Anderson, então com 14 anos, foi um deles. Apesar de ter pais vivos e presentes, o adolescente, que virou líder do grupo de jovens da igreja que Flordelis e a mãe tocavam na comunidade, decidiu ir morar com a mulher por quem se apaixonou e com quem, anos depois, viria a casar. Ele tornou-se, então, figura paterna dos 55 filhos, entre biológicos, adotados (legalmente) e afetivos de Flordelis.

Em 1994, quando sai com a família numerosa do Jacarezinho e se muda para São Gonçalo (também no Rio), a então missionária fica conhecida na imprensa, com várias reportagens exaltando sua abnegação e imenso amor materno. A partir de então, sua fama só cresceria. Flordelis fundaria um ministério pentecostal com seu nome, tornando-se uma das mais importantes pastoras do Brasil, até que sua influência religiosa e capacidade de arrastar multidões a catapultasse à política institucional. “Quando ela surgiu como essa grande mãe de todos, a imprensa não fez questionamentos na época, porque a história vendia”, comenta Mariana. De fato, nas primeiras matérias protagonizadas por Flordelis, sobrava emoção, mas faltava um olhar mais atento e rigoroso. Só soube-se depois, por exemplo, da situação irregular da maioria das crianças acolhidas por ela: indocumentadas, sem registro de adoção formal.

“Essa coisa de querer dar ao público o que ele quer”, comenta Mariana, perpetuou-se durante a cobertura do assassinato de Anderson e o avanço das investigações sobre o crime. O Ministério Público acusou Flordelis de ser mandante do homicídio, com base, principalmente, em mensagens de celular trocadas entre ela e seus filhos, nas quais, entre outras coisas, queixavam-se da presença controladora de Anderson, responsável por administrar os negócios familiares. Flávio Santos Rodrigues, filho biológico da pastora, foi condenado por atirar contra o padastro, matando-o, e sentenciado a 33 anos de prisão. Além dele e da mãe, outras seis pessoas da família foram condenadas por participação no crime, e três foram absolvidas. Os celulares foram peças-chave na investigação, que também apurou o suposto envenenamento gradual de Anderson durante as refeições em casa e outras tentativas de assassiná-lo, bem como acusações de que ele assediava Simone, filha biológica de sua esposa.

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“As matérias sobre envenenamento ou assédio sexual davam muito mais cliques do que aquelas sobre adoção. Isso ajudou no sensacionalismo do caso”, afirma Mariana Jaspe. “Não é uma historinha fechada. Todos naquela família compartilhavam uma narrativa muito heroica da trajetória deles e controlavam muito bem essa narrativa, até que o crime aconteceu”, acrescenta. Sua série documental mostra é que, após o homicídio, houve uma divisão na família, entre os que suspeitavam ou diretamente acusavam Flordelis e aqueles que a apoiavam. Como não houve confissões detalhadas, os próprios investigadores responsáveis pelo caso admitem que provavelmente “ninguém vai saber o que aconteceu de fato” naquela casa, no dia do homicídio.

Por isso, a série documental de Mariana apresenta o crime sem apontar o dedo para culpados. Ela apresenta Flordelis e Anderson quase como personagens esterilizados, dispostos ali, com suas respectivas narrativas, para que o público lance seu próprio veredito ou levante as próprias dúvidas. “Flordelis é uma grande personagem. Como mulher negra e periférica que ascendeu socialmente, ela tem uma curva dramática que vende. Ela foi aprendendo a jogar o jogo da fama e acabou acusada de matar o marido, pai de suas dezenas de filhos. É praticamente uma novela de Walcyr Carrasco. Poderia ser uma super obra de ficção, mas é uma tragédia da vida real”, lamenta a diretora e roteirista.

Nessa exposição da história para além do crime, ela mergulha na complexa dinâmica familiar da família de Anderson e Flordelis, que funcionava quase como um organismo autossuficiente, com cada indivíduo desempenhando papéis bem marcados na vida doméstica e nos negócios. Todos trabalhavam na igreja ou em empresas e serviços que gravitavam ao redor do Ministério Flordelis. A obra de Mariana mostra como, depois da tragédia, alguns membros conseguiram se afastar “de forma mais saudável” do caos e reconstruir as próprias vidas, enquanto outros enfrentam dificuldade até mesmo de encontrar um trabalho simples. Pesa sobre eles o estigma de ser da família de 55 filhos da pastora que mandou assassinar o marido, com a participação de parte da prole. Mais uma faceta dessa história emaranhada, que, como diz a diretora, vai além do true crime para fazer mais um retrato social do país.

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