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Bruxismo aumenta durante pandemia e pode estar ligado à depressão

A ansiedade agravada durante a pandemia se reflete também na boca, com desgaste e quebra de dentes – além de muita dor de cabeça e até de ouvido

Por Fernanda Wenzel e Sílvia Lisboa
Atualizado em 21 nov 2022, 10h28 - Publicado em 23 Maio 2021, 16h00
Bruxismo
Apesar de atingir igualmente homens e mulheres, 80% das pessoas que chegam aos consultórios dos dentistas com sintomas de bruxismo são do sexo feminino (| Foto: Getty Images/CLAUDIA)
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Por semanas, Adelina Maracaba Chaves, 73 anos, sentiu pontadas em um dente da arcada inferior. A dor vinha quando ela mastigava algo mais duro ou bebia algo gelado. Mas, assim como aparecia, sumia.

No íntimo, Adelina torcia para que não fosse nada mais grave, assim evitaria enfrentar uma emergência em Maceió durante um pico de casos de Covid-19. Porém, em um sábado ensolarado de abril, a dor se instalou e não foi embora. De tão aguda, causou um inchaço instantâneo no queixo e não houve saída a não ser correr para uma emergência odontológica.

O dentista de plantão detectou uma infecção purulenta e receitou anti-inflamatório e antibiótico. Três dias depois, já sem dor, Adelina voltou para ver o que havia causado tamanho estrago. Descobriu que, de tanto apertar os dentes, provavelmente durante o sono, causou um trauma grave em dois molares. A pressão desgastou a camada protetora formada pelo esmalte e expôs o tecido que forma o corpo do dente, a dentina, sensível à dor. A infecção alcançou a raiz, levando ao temido tratamento de canal. O diagnóstico: bruxismo severo.

“A dentista disse que havia traumatizado dois canais”, recorda. Era a segunda vez que a Adelina havia sido alertada da sua tendência por ranger os dentes. Ali, teve a resposta exata de onde ela armazenara as tensões da pandemia. “Em 73 anos de vida, nunca achei que passaria por algo semelhante”, disse, ao se referir à possível causa do agravamento do bruxismo no último ano.

O caso de Adelina exemplifica uma tendência observada por cientistas no último ano: casos de bruxismo tiveram um aumento significativo atestado por pesquisas e pelo crescimento de pacientes com dentes quebrados e dor na mandíbula nos consultórios.

“Encontramos uma correlação grande entre o bruxismo do sono e questões como depressão, ansiedade e estresse. todos esses fatores atrapalham o sono”

Um estudo, capitaneado pelos programas de pós-graduação em Odontologia e Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), constatou que a prevalência do ranger de dentes do sono mais do que triplicou durante a pandemia, passando de 8% para 28%. Já a ocorrência do bruxismo em vigília, que ocorre quando estamos acordados, dobrou, saltando de 6% para 12%. Nesta primeira etapa, a pesquisa avaliou 50 alunos da universidade.

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Os resultados são semelhantes aos encontrados pelo mundo. Em outubro, cientistas de Israel e da Polônia publicaram no Journal of Clinical Medicine dados levantados junto às populações dos dois países um mês após o início das primeiras medidas de isolamento. Após avaliar as respostas de quase 2 mil indivíduos, concluíram que os efeitos emocionais da pandemia aumentaram significativamente a gravidade dos sintomas de bruxismo.

Líder do estudo brasileiro, o professor Márcio Lima Grossi explica que o bruxismo não é uma doença. Aliás, todos nós temos bruxismo noturno. Isso porque o ato de apertar ou ranger os dentes enquanto dormimos é uma reação normal do corpo humano: serve para facilitar a respiração e evitar o ressecamento da boca durante a noite.

Bruxismo - saúde dos dentes
(| Foto: Getty Images/CLAUDIA)

“Quando dormimos, relaxamos os músculos do rosto e a mandíbula cai para trás, por causa da gravidade. Isso reduz o espaço para a passagem de ar. Quando o nível de oxigênio no sangue cai, o organismo cria uma espécie de microdespertar que contrai os músculos da mandíbula e a move para frente, aumentando a passagem do ar e estimulando a produção de saliva. Ocorre em episódios curtos, de cerca de 20 segundos, que, somados ao longo da noite, dão em torno de 5 minutos”, explica.

Se não pressionamos os dentes porque estamos estressados, mas por uma reação natural do corpo, por que os casos aumentaram durante a pandemia? Esses microdespertares só acontecem no sono leve e, em condições normais, não causam nenhum incômodo. O problema é que, quando estamos muito ansiosos, a qualidade do sono diminui e passamos mais tempo em sono leve, então o mecanismo do bruxismo é ativado com mais frequência do que deveria.

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O indivíduo começa a ter sintomas logo ao despertar, como dor de cabeça, sensibilidade nos dentes e, às vezes, até travamento na articulação ou dificuldade de abrir a boca. “Encontramos uma correlação grande entre o bruxismo do sono e questões como depressão, ansiedade e estresse. Sabíamos que haveria uma relação, porque todos esses fatores atrapalham o sono, e distúrbios no sono agravam o bruxismo”, explica Grossi.

No bruxismo em vigília, menos comum, as dores surgem no final da tarde, após um dia inteiro de pressão sobre os dentes. “Ainda há poucos estudos sobre o bruxismo em vigília, mas há um certo consenso de que também está associado ao estresse. É um mecanismo de descarga emocional, da mesma maneira como às vezes mordemos uma caneta, um lápis ou mascamos chiclete”, explica o professor universitário.

Vice-presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), o dentista Gustavo Gomes de Oliveira, que viu crescer os casos no próprio consultório, ressalta também o fato de estarmos mais parados. “Ficamos inativos e acabamos descontando a energia nos dentes”, disse.

A jornalista Clarissa Barreto, 41 anos, percebeu que a rotina de home office tem culpa. “Frequentemente percebo que estou apertando os dentes. Aí abro bem a boca, para alongar o maxilar, levanto da cadeira, vou tomar uma água”, disse. “Voltei também a fazer exercício para ver se baixa a ansiedade.”

A força da mordida

Quando pressionamos os dentes, estamos colocando em ação dois músculos da cabeça bem diferentes entre si. Um deles é o masseter (abaixo da orelha), responsável pelo movimento de fechar a boca. Esse músculo produz uma pressão equivalente a um peso de 50 quilos entre os dentes nas mulheres e 75 quilos nos homens. Em casos de pessoas com o masseter muito desenvolvido, pode chegar a 150 quilos, o equivalente a três sacos de cimento.

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Isso explica porque, se não tratado, o bruxismo pode levar ao desgaste dos dentes – chegando a lascar ou quebrar, em situações mais graves. Outras vezes, acontece como foi com Adelina, a força na mordida rompe o esmalte, a camada mais superficial, e expõe a mais sensível, a dentina.

O outro músculo envolvido no bruxismo é o temporal, que fica nas laterais da cabeça, logo acima das orelhas. Ao contrário do masseter, é frágil. “Se a pressão do bruxismo for muito forte, acaba inflamando e a pessoa começa a sentir dor de cabeça”, explica Grossi.

80% das pessoas que chegam aos consultórios dos dentistas com sintomas de bruxismo são do sexo feminino

 

 

Apesar de atingir igualmente homens e mulheres, 80% das pessoas que chegam aos consultórios dos dentistas com sintomas de bruxismo são do sexo feminino. Segundo Grossi, há duas explicações para isso. A primeira é que, por ter uma musculatura mais resistente, o homem demora mais a sentir dor. A segunda é que os homens costumam ser mais descuidados com a própria saúde. “As mulheres normalmente desenvolvem um quadro doloroso mais comum e procuram mais tratamento”, resume.

“Ao contrário da dor de ouvido gerada por uma infecção, que costuma ser forte, a dor de ouvido causada pelo bruxismo é mais arrastada, passa sozinha, depois volta”

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Além das dores de cabeça, na mandíbula e nos dentes, o bruxismo também pode gerar desconforto no ouvido. O otorrinolaringologista Fábio André Selaimen diz que não é incomum se deparar com esse tipo de caso no seu consultório. “Ao contrário da dor de ouvido gerada por uma infecção, que costuma ser forte, a dor de ouvido causada pelo bruxismo é mais arrastada, passa sozinha, depois volta. Por isso, às vezes, leva meses até o paciente procurar um médico”, detalha Selaimen. “Outro sintoma é a sensação de ouvido cheio, de que há alguma coisa dentro. Acontece muito também o aumento da percepção do zumbido, principalmente se o paciente já tinha zumbido prévio.”

As dores associadas ao bruxismo costumam ser resolvidas com a utilização, durante o sono, de uma placa de acrílico que encaixa nos dentes da arcada superior. Se a pessoa tem bruxismo em vigília e não consegue controlar o aperto da mandíbula acordada, o uso também é aconselhado durante o dia.

“A placa promove um efeito de relaxamento muscular que reduz o bruxismo em cerca de 40%, suficiente para tirar os sintomas”, explica Grossi. Feita sob medida, a placa dura entre três e oito anos, duração muito maior do que a do botox, outra opção de tratamento, que precisa ser reaplicado periodicamente. A toxina botulínica age na junção do músculo com o sistema nervoso e provoca relaxamento muscular. “O botox é um tratamento paliativo nesse caso. Quando o efeito passa, os sintomas voltam.”

A advogada e professora universitária Marina Sanches Wünsch pagou 800 reais pela placa e hoje não consegue viver sem a proteção. “Eu não tive problema algum de adaptação. É outra vida, não consigo mais dormir sem, se não acordo muito mal”, conta a moradora de Porto Alegre.

Em março de 2020, logo que a pandemia explodiu, e a rotina virou de cabeça para baixo, Marina começou a acordar com fortes dores de cabeça. Não teve dúvidas de que o sintoma era relacionado aos sentimentos gerados pela crise sanitária. “A incerteza de não conseguir planejar nada me deixou ansiosa. Também pesou a cobrança por produtividade. Todo mundo dizia: ‘Agora que estamos em casa, vamos aproveitar para fazer um monte de coisas’. Eu não conseguia me organizar, no fim do dia ficava ansiosa porque não havia conseguido fazer nada. No outro dia, acordava mal, com dor de cabeça, e, de novo, não era produtiva. Era um círculo vicioso”, desabafa.

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Encontrar formas de reduzir essa ansiedade também ajuda a diminuir os sintomas do bruxismo – além, é claro, de aumentar a qualidade de vida. Clarissa e Marina, por exemplo, perceberam que o estresse é menor se existe uma rotina de exercícios. “Saio para caminhar ou pedalar, sempre de máscara e em horários que não tem muita gente na rua”, conta Marina. Para Oliveira, a atividade física é uma das principais armas contra o estresse e, por consequência, contra o agravamento do bruxismo. “É fundamental e, de preferência, uma atividade mais intensa.”

Grossi também aconselha adotar hábitos que melhorem o sono. “Tomar café antes de dormir, ficar vendo televisão ou usando o celular até tarde: tudo isso faz com que o cérebro fique ativo, o que dificulta o sono profundo”, alerta. Para domar o bruxismo de vigília, movimente-se. Para amenizar o do sono, a dica é ir, aos poucos, se desconectando do excesso dos estímulos.

Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva:

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