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Afeganistão: da esperança às trevas

Karina Manasseh, mestre em ciências políticas, reflete sobre o impacto da volta do grupo Talibã ao poder no Afeganistão

Por Karina Manasseh*
Atualizado em 19 ago 2021, 15h59 - Publicado em 19 ago 2021, 15h00
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  • As imagens que chegam de Cabul são devastadoras, aterrorizantes. No aeroporto, o caos absoluto com civis tentando forçar a entrada em aviões de partida, agarrando-se ao trem de pouso.

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    Nas ruas da cidade, as lojas fechadas, os Talebans cobrem todas as propagandas com mulheres à mostra enquanto guerrilheiros armados patrulham as repartições públicas e a ala diplomática da cidade. No palácio presidencial se instala um regime autocrata, fundamentalista, misógino e feudal.

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    Muito será escrito e discutido quanto à posição americana de deixar o país, sem dúvida ninguém esperava que a queda fosse tão vertiginosamente rápida e que a execução de retirada fosse tão mal gerida.

    Comparações com o Vietnã são abundantes e vão prevalecer. Muitos discutirão os erros de cálculo, as hipóteses inconclusivas.  Outros apontarão os dedos: culpa da corrupção endêmica, da falta de inteligência americana, do governo afegão que abandonou as armas e se entregou, do Trump, do Obama, do Bush e agora o balde chegou ao Biden. Mas, independentemente de tudo isso, o que fica claro, mais do que claro, é que chega ao fim uma era.

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    A volta do Talibã é muito mais do que uma aberração histórica. Ela representa o fim da esperança e do sonho de uma geração de afegãos que por 20 anos acreditou que seria possível viver em paz.

    Representa também o fim da crença de tantas organizações de sociedade civil e agentes humanitários, funcionários de instituições de fomento e desenvolvimento, jornalistas e diplomatas na transformação da sociedade, na importância das instituições de representação e nos direitos humanos e da mulher, direitos estes inalienáveis em pleno século 21.

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    Eu visitei Cabul em 2004. Estive presente na posse de Hamid Karzai, primeiro presidente afegão eleito democraticamente. Como tantos que visitaram o Afeganistão nesta época me apaixonei pelo país, pela beleza insípida das montanhas de Hindu Kush.

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    Fui tomada pela onda de transformações e a rapidez com que o país abraçava o futuro, sem esquecer de seu passado rico e acreditei sim no projeto de reconstrução. Fui muito bem recebida pelos afegãos e sua hospitalidade, aprendi um pouco de sua rica cultura, gastronomia e poesia.

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    Me apaixonei pelos jardins que sobreviveram à Guerra e compartilhei do orgulho que encontrei nos refugiados que voltaram acreditando num futuro melhor. Comprei o sonho, vesti a camisa.

    Acreditei, sim, talvez ingenuamente, que os Estados Unidos e seus parceiros  do Oeste estavam de fato investindo na construção de um país, e que obviamente o investimento seria grande e levaria tempo, mas que não haveria retrocesso.

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    E essa crença foi propagada por três diferentes administrações americanas. Até quando a festa acabou.

    O presidente Biden foi claro. Os objetivos dos Estados Unidos eram desestabilizar a Al Qaeda e encontrar o Osama bin Laden. Ambos objetivos foram atingidos há dez anos.

    Por fim, a dura realidade do Afeganistão prevaleceu. O país está em um dos terrenos mais insólitos do planeta, com montanhas impenetráveis, invernos bruscos, terreno árido. Geograficamente se situa na encruzilhada da Ásia com a Europa numa vizinhança árdua para dizer o mínimo.

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    Suas fronteiras são porosas, o país está, desde sempre, no centro de interesses geopolíticos e sofrendo “guerras por procuração”. O “cemitério de Impérios”, como é conhecido o Afeganistão, mais uma vez se demonstrou inconquistável. O Império Britânico não pode. A União Soviética não pode, os Estados Unidos não puderam.

    Para tantos, como eu, que visitaram o Afeganistão, e acreditaram no sonho possível da construção de uma democracia ocidental, mais difícil do que engolir o Talibã no poder é perceber que acreditamos numa ilusão, na construção de um país que nunca existiu como Estado-nação no sentido clássico – uma unidade política em que a população é homogênea e compartilha um estado soberano.

    É difícil engolir que o Talibã hoje tem o controle de mais território do que há 20 anos, às vésperas do aniversário de 9 de setembro. Difícil engolir as vidas perdidas, os bilhões de dólares gastos e os sonhos dilacerados. Mais difícil ainda aceitar que deixamos tantos civis expostos a retaliações sem ter por onde escapar.

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    Foi tudo em vão? Só o tempo dirá, mas espero fervorosamente que não seja assim e que algumas faíscas de esperança ainda possam acender a chama de um futuro melhor para os que ficaram para trás.

    *Karina Manasseh é jornalista, mestre em estudos latino-americanos e ciências políticas pela Universidade de Georgetown, em Washington, e autora do livro “Entre Cabul e a Dança das Borboletas”

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