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Os pontos de vista que abraçamos agora irão contar a história de 2020

Neste ano de ruptura, a transformação é obrigatória, ainda que você sinta que só está esperando o tempo passar enquanto encara a tela do celular

Por Letícia Paiva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
17 jul 2020, 09h00

Eu sou a Julie do futuro, de daqui três meses, mas, por causa do efeito borboleta, eu só posso dar alguns detalhes soltos sobre o que acontece”, diz a atriz e roteirista canadense Julie Nolke em um vídeo de seu canal no YouTube. A gravação foi vista mais de 10 milhões de vezes desde abril. O que ela está fazendo é tentar explicar à versão mais jovem dela própria o que encontraria pela frente – sem spoilers, para não contaminar o curso dos fatos. O que aconteceu na vida de Julie e de todo o planeta não é novidade. Uma pandemia sem precedentes se tornou a maior ameaça do século e embaralhou o modo como levávamos a vida. Mas quem dera fosse só essa notícia a contar. “Em momentos como este, a comédia pode ser muito poderosa para endereçar temas importantes ou mesmo oferecer conforto”, afirma Julie, que produz para seu canal desde 2016 e viu o número de inscritos se multiplicar ao falar sobre questões da quarentena, comuns à audiência.

Mas como você explicaria 2020? Rebobina para a virada do ano. Certamente, você não imaginava que veria o mais próximo do que interpretamos como um apocalipse – embora os cientistas apontem que esta pandemia está longe de ser capaz de colocar fim à nossa espécie. Se alguém dissesse que você passaria dias sentada em seu sofá, acompanhando reprises de partidas de futebol de décadas passadas ou reality shows exóticos via streaming e, principalmente, cada atualização das suas redes sociais, você jamais acreditaria. Porém, ainda que nos vejamos como meros figurantes da história que está sendo escrita agora, o que fazemos em casa e nas nossas bolhas é que irá documentá-la. Esses registros estão, claro, na internet. Explico. Há algum tempo a linha entre estar online ou off deixou de existir, mas agora ela se intensificou. Durante o isolamento social, houve alta de ao menos 40% no uso da rede no Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

O comportamento que mantemos em nossas interações digitais são o atestado destes tempos, sintetiza nossas questões como grupos sociais. Quando parecemos estar sozinhas em nossas angústias, somos desmentidas por postagens que tiram palavras de nossa boca. “Eu não aguento mais não aguentar mais e mesmo assim continuar aguentando sem previsão de deixar de aguentar mais”, publicou o perfil @rauqmp3 no Twitter em abril. O post foi compartilhado milhares de vezes. O desabafo é o mesmo desde abril para a maioria de nós, brasileiros. O país ainda não superou as fases mais delicadas da pandemia e somaram-se a ela as crises econômica e política (com idas e vindas dignas de roteiro de seriado), além de problemas anteriores que persistem, como frequentes casos de racismo e violência. Para usar mais uma das gírias recentes da internet: “É cansativo pensar sobre tudo isso, né, minha filha?”.

(Lasca Studio/CLAUDIA)
Por razões óbvias, sair de casa à toa não é recomendável. Portanto, as reflexões, queixas e protestos encontram seu lugar nas redes. Mas, ao mesmo tempo que o que é publicado é efêmero, por causa da velocidade do nascimento de novos conteúdos, permanece armazenado para sempre. Uma das principais expressões disso são os memes. “Eles nos ajudam a dar conta, no ambiente digital, dos acontecimentos e acabam criando um imaginário sobre determinado tema. Assim, compõem uma expressão de memória. No caso brasileiro, como temos um humor que brinca com a própria desgraça, o engajamento costuma crescer em momentos como este”, diz Viktor Chagas, criador do Museu dos Memes na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde leciona. Assim, os memes não só constituem uma linguagem que deixa nossa vida mais leve como contextualizam pensamentos complexos.

Nas mídias digitais, ocorrem também as disputas de narrativas que moldarão a história sobre o que estamos vivendo. Criadoras do canal no YouTube Nunca vi 1 cientista, as biólogas Ana Bonassa e Laura de Freitas, pesquisadoras de pós-doutorado na Universidade de São Paulo, gastam várias horas rebatendo fake news e informações pouco respaldadas em dados sobre a pandemia. “Percebemos que muitos dos questionamentos são fruto da falta de entendimento sobre como funciona o método científico. Os divulgadores da ciência agora ganham espaço por facilitar essa compreensão”, diz Ana. Em março, as duas tiveram de parar os experimentos que realizavam em laboratório por causa das medidas de distanciamento social. “Aconteceu justamente quando eu cheguei a uma conclusão determinante, e precisei jogar tudo fora”, lamenta Laura.

(Lasca Studio/CLAUDIA)

A interrupção no curso da vida representada pela pandemia impacta cada um de nós à sua maneira, com eventuais consequências coletivas. Desde que é capaz de se lembrar, cair na piscina faz parte da rotina da nadadora da seleção brasileira Luisa Borges, que esperava garantir uma vaga para as Olimpíadas de Tóquio no dueto de nado sincronizado – elas foram adiadas para o ano que vem, assim como milhares de outros grandes eventos. “Em isolamento, consigo me preparar fisicamente e planejar a coreografia, mas cada dia a mais que perdemos, sem o abrandamento da pandemia, é precioso”, diz Luisa, que compartilha seus treinos fora da piscina em seu perfil no Instagram
(@luisanpborges).

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“Um dos principais atributos da nossa mente é se autorremodelar. Por isso, já superamos todo tipo de mudanças dramáticas”

Miguel Nicolelis, neurocientista

Não deixar que esse tempo de pausa na vida seja motivo de desesperança para o futuro é a proposta da escritora americana Suleika Jaouad com o projeto The Isolation Journals (Diários do Isolamento, em português). Desde abril, ela propõe desafios de criatividade diários – ao final de 100 dias, os compartilhamentos de pessoas do mundo todo estarão reunidos em um site como forma de documentar as questões individuais do momento. Ela se inspirou na grande interrupção que ela própria enfrentou, aos 22 anos, ao ser diagnosticada com leucemia e precisar se afastar das pessoas queridas durante o tratamento. “Na época, passei muito tempo sozinha e aprendi a me manter conectada à minha família por meio dos diários. Isso me fez bem. Entendi que aquele tempo não era inútil”, lembra Suleika. Depois de curada e de ter lutado muito por isso, ela encontrou dificuldade em compreender o que significava “voltar a viver”, retomar o que era considerado habitual.

Embora a sensação seja de que nossa vida se encontra em suspenso, este ano não está sendo perdido e não podemos simplesmente subtrair o que estamos passando na ânsia de retornar à normalidade. “Um dos principais atributos da mente humana é a plasticidade, isto é, se autorremodelar continuamente a cada evento da vida. Por isso, já superamos todo tipo de mudança dramática”, afirma o neurocientista Miguel Nicolelis, autor do recém-lançado O Verdadeiro Criador de Tudo – Como o Cérebro Humano Esculpiu o Universo Como Nós o Conhecemos (Planeta). No livro, ele defende que nosso entorno só existe da forma como o conhecemos por causa da interpretação feita pela mente. Em mais esta situação drástica, nos adaptaremos e veremos o mundo sob outros prismas. Nas reportagens a seguir, vamos aprofundar a discussão sobre a vida pré e pós-pandemia para ajudar você a digerir toda esta realidade, que às vezes se assemelha à fantasia – parece que se passaram 84 anos, mas faz só alguns meses que tudo começou.

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