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Mulher negra agredida por policial em SP ainda teme por sua segurança

Para ativistas, apesar da gravidade mostrada em vídeos, foi pequena a mobilização popular pedindo justiça. A vítima deve depor na sexta

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
14 jul 2020, 21h00

Deitada no chão, de bruços, com o rosto colado no asfalto, a mulher negra sente a sola de borracha do sapato do policial sobre seu pescoço. Ele tira o outro pé do chão, jogando sobre ela todo o peso de seu corpo. A imagem aparece em vídeos mostrados pelo Fantástico no último domingo (12).

Em seguida, a mulher algemada é arrastada pelo asfalto até a calçada. Sua perna está quebrada. Ela perde a consciência quatro vezes, como ela mesma conta em depoimento ao jornal. Dali, foi levada ao hospital e, em seguida, mesmo com a fratura, encaminhada até a delegacia, onde passou a noite.

A mulher, que não revelou sua identidade e nem mostrou o rosto, tem 51 anos e é dona de um bar em Parelheiros, extremo sul de São Paulo. Ela alega que, no dia 30 de maio, estava vendendo bebidas no balcão para serem consumidas fora do estabelecimento – como ditavam as regras de isolamento na cidade na época. Um homem parou o carro em frente ao local e ligou o som alto, o que fez com que vizinhos ligassem para a polícia. Quando a viatura chegou, começou a abordagem truculenta. Um dos policiais apontou a arma para um homem, que levantava as mãos, mostrando não estar armado. Outro policial algemava um homem deitado no chão. A dona do bar apareceu para interceder. Segundo ela, o homem no chão era seu amigo. “Eu pedi para o policial parar. O policial me empurrou na grade do bar, me deu três socos. Ele foi me dar uma rasteira para me derrubar e quebrou a minha tíbia”, explicou a comerciante ao Fantástico.

“Ela é mulher, moço”, grita alguém que está vendo a cena. Os policiais não param. Um deles coloca os joelhos sobre o pescoço e a costela da mulher. “Ela está bastante abalada ainda. Tem medo de retaliações e está traumatizada”, revela Felipe Pires Morandini, o advogado da vítima, em entrevista concedida a CLAUDIA hoje (14). “Mesmo assim, quis seguir adiante com as denúncias, porque quer ajudar a conter essa violência excessiva que acontece nas regiões periféricas. É uma atitude bastante corajosa.”

Além das sequelas psicológicas, a mulher ainda lida com a recuperação física. No momento, ela faz fisioterapia. “Ainda não sabemos como será a locomoção dela, se terá alguma dificuldade ao fim do processo. Isso pode prejudicar muito a vida dela, afinal, ela fica muito tempo em pé no bar, trabalhando”, explica Felipe. O bar, uma das fontes de renda da aposentada, está fechado há mais de um mês, causando também prejuízo financeiro para a família. A mulher tem cinco filhos e dois netos.

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Os policiais registraram um boletim de ocorrência contra a comerciante, alegando desacato à autoridade e dizendo que ela os teria ameaçado com uma barra de ferro e um rodo. Ela nega. Nesta sexta (17), a mulher prestará depoimento no 25º distrito policial. Os dois policiais estão afastados durante a investigação. A Secretaria de Segurança Pública alega que os policiais de toda a corporação estão passando por treinamento desde o começo de julho. “Não temos nem sequer certeza que esse treinamento existe, mas, se existe, ele está sendo ineficaz. A polícia militar não dá a devida importância ao caso e mostra isso aplicando um afastamento temporário em vez de uma punição. Isso é secar gelo. Também não propõe uma reforma estrutural da formação policial. Direitos humanos, racismo, esses são temas que deveriam ser debatidos com os policiais para que eles oferecessem um tratamento humanizado à população”, ressalta a ativista e codeputada Erika Hilton (Bancada Ativista-PSOL/SP).

A recusa da mulher em mostrar o rosto e o nome é por medo. “Não estamos tratando de criminosos comuns, mas de policiais. São membros da força de segurança pública que deveriam proteger a população e veio daí a agressão”, acrescentou Felipe. Para a ativista do Movimento da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo, Ana Paula Evangelista Neris, essa reação de medo é resposta ao tratamento diferenciado da polícia na periferia. “Você vê pelas mídias sociais que a abordagem em bairros de elite é outra. Recentemente viralizou um vídeo mostrando isso numa abordagem em um condomínio de luxo. Mas há diversas formas de violência na periferia. Invasão de casas, tiros, cápsulas recolhidas, situações forjadas. Mães ficam perto de filhos porque, se eles estão sozinhos numa batida, são levados e não voltam. Também tivemos um caso recente desses, que o menino apareceu morto no dia seguinte. Só que antes não existia filmagem. Era a nossa palavra contra a deles e aí não prevalece o que fala uma pessoa em vulnerabilidade social. Hoje, com as câmeras, temos provas. E mesmo assim a justiça é seletiva, ou melhor, não existe a justiça. As leis são configuradas para o extermínio das comunidades, que é de maioria negra”, alerta Ana Paula.

Comparação com George Floyd

O caso despertou a atenção de muitas pessoas pela semelhança com o que aconteceu com o americano George Floyd, que morreu asfixiado após um policial ajoelhar-se em seu pescoço. Entretanto, ativistas do movimento negro afirmaram que, dessa vez, a cobertura da mídia e a comoção na internet foram infinitamente menor, mesmo sendo um caso nacional. “A violência policial e o genocídio negro foram naturalizados no Brasil. Passa tanto na TV, nesses programas de crimes com grande audiência, que vira apenas mais um caso, tira a gravidade da situação. Mas é uma tentativa de homicídio, uma ruptura dos direitos humanos e a gente deveria se chocar”, acredita Erika.

Para ela, o movimento no exterior é mais radical e o debate acontece de forma mais qualificada, mas é crucial que assumamos uma posição antirracista que vá além de postar cards nas redes sociais. É preciso dar o devido valor a um acontecimento como este, reconhecer a violência e sua ligação com o racismo estrutural da nossa sociedade. A indignação deve ser grande como a que vimos nos outros países e ela deve inspirar a chamar mais grupos para o debate. “Devemos nos organizar e exigir que a imprensa dê mais espaço de cobertura para esses casos, mesmo eles sendo corriqueiros. Estamos em um momento em que as plataformas digitais são fortes. As pessoas precisam se manifestar na redes, marcar a Polícia Militar, a Secretaria de Segurança Pública, o Governador e exigir respostas. Tem que ser uma ação orquestrada, com volume. Além disso, dá para buscar parlamentares e pedir que eles se envolvam, que eles exijam ações, peçam ofícios com explicações oficiais para as organizações envolvidas no caso. Que eles averiguem esse treinamento que os policiais estão tendo. Quando há endossamento do povo, quando os coletivos se organizam, a pressão contra as instituições ganha mais força”, afirma.

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Todas as mulheres podem (e devem) assumir postura antirracista

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