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Crônicas de Mãe Por Ana Carolina Coelho. Feminista, mãe, escritora, poeta, dançarina, plantadora de árvores, pesquisadora e professora universitária
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A perda de uma gestação desejada é a morte de um universo

Falar sobre a perda nem sempre ajuda imediatamente. Durante muitos anos, eu sufocava sequer ao pensar em usar palavras para descrevê-la

Por Ana Carolina Coelho
Atualizado em 4 dez 2020, 11h34 - Publicado em 4 dez 2020, 11h30
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  • Em minha última crônica eu terminei fazendo um convite para as pessoas escreverem para o e-mail aberto especialmente como um canal de comunicação com o “Crônicas de Mãe”. Então: vamos conversar?

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    Um dos temas delicados que surgiu, talvez motivado pela repercussão da fala de Megan Markle, foi o pedido para que eu escrevesse sobre como lidar com uma perda gestacional. Eu não sou psicóloga, mas infelizmente, esse é um tema sobre o qual eu posso falar por experiência própria: eu perdi um bebê de uma gravidez desejada em um aborto espontâneo há vários anos atrás. E preciso logo te dizer uma coisa: a dor nunca passa. Nunca. Ela se torna, aos poucos, uma companheira que visita nossas lembranças sem pedir autorização, uma não amizade forjada em uma ferida que, de tempos em tempos, sangra novamente.

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    Eu sinto muito não ter palavras alegres de conforto e tampouco acredito que haja algo que amenize essa dor. Essa ferida te remete à finitude e falta de controle total. O mesmo sangue que era o alimento e alicerce da vida que eu gestava fluiu de mim sem que eu nada pudesse fazer. Eu era uma nascente impotente de uma cachoeira vermelha de desesperança. Nas águas turvas e rubras, parte de mim esvaiu sem retorno. Não pretendo aqui tecer uma narrativa clínica dos detalhes dessa saga. Sei que milhares de mulheres têm histórias semelhantes e recordam de cada detalhe sombrio em suas vidas. Quero aqui lembrar que cheguei em casa do hospital e deitei no chão, sem forças. Lembro que o telefone tocou, mas eu parecia estar dentro de um túnel acústico e aquele som era algo distante. Tempo não fazia sentido e recordo de ver o rosto da minha mãe – que usou a chave-reserva para entrar na minha casa – e de repente, estar na cama coberta. Durante vários dias, eu tenho apenas duas memórias nítidas: os pêlos da minha matilha, que diligentemente deitou-se ao meu redor em silêncio, numa vigília silenciosa e constante e da presença de pessoas amorosas trazendo comida e carinho.

    Algumas pequenas/grandes coisas fizeram e fazem toda a diferença e todas elas se resumem a uma pequena frase, que pode parecer piegas, e assim mesmo, é repleta de significado: o entendimento prático de que existe amor além da dor. Meu corpo continua a existir, portanto, o que eu precisava tentar recuperar era a alma alquebrada e incompleta que o habitava. A presença silente dos cães e gatos mostrou um respeito pela dor que, nem sempre, encontrei entre humanos.

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    Saber que existem pessoas que me amam e se importam comigo foi essencial. Algumas amigas falavam muito. As frases de consolo pouco ajudavam, mas o fato de que as pessoas queriam me ajudar importou demais. Eu entendi o sentido: não eram as palavras, eram os gestos de atenção. Outros amigos e amigas não me falaram nada, mas me trouxeram sopa e chocolate. Essa minha pequena família – forjada pela biologia e pelos fortuitos encontros da vida – ao seu jeito, se manteve por perto. Aos poucos foi ficando menos pesado respirar um dia de cada vez. Porque é exatamente isso: uma sensação de que não existe mais ar. A perda de uma gestação desejada é a morte de um universo. Mesmo que milhares de estrelas e planetas sejam gerados depois, aquele mundo nunca irá existir. Esse é o tamanho do luto de uma perda gestacional.

    Falar sobre a perda nem sempre ajuda imediatamente. Durante muitos anos, eu sufocava sequer ao pensar em usar palavras para descrevê-la. No entanto, saber que existem mulheres unidas no entendimento sobre essa dor me fez perceber vínculos muito maiores entre as mulheres no mundo todo. História de dores únicas. Ao contar minha experiência ouvi relatos de mulheres cujas perdas ultrapassavam décadas e, assim mesmo, lágrimas eram rios de saudades durante as falas. Soube de datas de aniversários nunca comemoradas e idades contabilizadas de existências extraviadas pelo destino. Ao longo dos anos, percebi que todas essas mulheres, mães ou não, foram marcadas com as cicatrizes do vazio. E eu, lentamente, comecei a não apenas ouvir, mas a falar também. “Somos diferentes e iguais e minha perda é a sua perda”, parece ser o enredo de todas nós.

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