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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Quando erradicaremos o vírus do negacionismo?

"Contra dados e registros históricos, não há opinião que prevaleça", a colunista Juliana Borges fala sobre aqueles que negam fatos reais

Por Juliana Borges
Atualizado em 14 jun 2020, 10h37 - Publicado em 13 jun 2020, 20h47

São Paulo, 13 de junho de 2020

Um amigo me enviou o link para uma matéria que me chocou. Eu não queria acreditar no que lia. Mas contra fatos, não há crença que desconstrua. Contra dados e registros históricos, não há opinião que prevaleça.

O site Opera Mundi produziu uma matéria incrível sobre o negacionismo nas terras tupiniquins desde o império. Bom, eu poderia até expandir essa percepção, já que acredito que o negacionismo é coisa que funda esse país, a partir da ideia de negar que povos africanos e indígenas sejam pessoas. Ou seja, estavam vendo, na frente deles, que se tratavam de gente, mas decidiram negar um fato e usar disso para exercer um projeto de dominação e impor seus interesses. Quer coisa mais negacionista?

Mas, vamos à matéria. Segundo o site, que se baseou em arquivos do Senado Federal, a chegada da febre amarela no Brasil, por volta de 1849, causou não apenas muitas mortes, como impulsionou uma onda desagradável e que nos acompanha até hoje: políticos negaram a realidade e diminuam a gravidade daquela doença. Há o dado das “coincidências” do destino, do então senador Bernardo Pereira de Vasconcellos, de Minas Gerais, que fez um discurso emocionado no Palácio Conde dos Arcos, em 1850, defendendo que a febre amarela não era perigosa. Duas semanas após o discurso, o senador morreu de… febre amarela.

Muitas expressões utilizadas por ele chamam atenção, mas duas nos remetem a figuras contemporâneas quando o assunto é coronavírus: “escarcéu” e “epidemia não é tão danosa assim”. Outro ponto de conexão entre os negacionistas do passado e os negacionistas atuais – ou serão que são viajantes do tempo? – foi o questionamento sobre as estatísticas dos óbitos, dizendo que eram baixas à época. Te lembra alguém, lá por março, abril de 2020?

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Mas a pérola das pérolas, que atravessou séculos e se fez presente tanto na epidemia de 1849/1850 quanto na pandemia de 2020, é a de que as medidas adotadas pelo governo à época, como quarentenas e isolamento… prejudicariam a economia. Olha, eu não sei você, mas conforme eu lia a matéria mais dúvidas sobre o espaço-tempo eu tinha. Ou esses caras são viajantes do tempo ou estamos regredindo ao invés de progredir – sim, há muita gente que questiona a ideia de progresso, mas duvido que com a intenção de que a gente volte à baixa Idade Média.

Apesar das diversas medidas adotadas pelo governo imperial, no período o Brasil não dispunha de algo muito importante hoje chamado Sistema Único de Saúde”. Aliás, sequer um sistema público existia e o que o governo fazia era aumentar o repasse de recursos para as Santas Casas de Misericórdia para atender pessoas pobres.

O negacionismo parece se alastrar tanto quanto o vírus. Uma doença que se atrela à ignorância – e digo em ambos os sentidos, tanto como falta de estudos e de negar o desconhecido, tanto pelos oportunistas que utilizam disso para seus interesses e efeitos nefastos. O negacionismo é uma escolha, e isso é importante que fique evidente, de negar um dado da realidade em uma vã tentativa de escapar de algo que causa desconforto, em que não se quer crer.

A brutalidade de uma pandemia como a que estamos vivendo, e de todo o micro-organismo que muitas vezes não podemos ver, mas que nos desmonta e nos faz desaparecer, pode ter esses efeitos. Ou seja, além de uma faceta pela ignorância, há a faceta da psique humana. Do ponto de vista dos oportunistas, se esconde esse processo de negar coisas, mesmo quando são verificáveis, quando tem em seus interesses a anticiência e o anticonhecimento científico. Esses fatores trazem como consequência um sentimento cético que se alastra, fortalecendo descrenças nas instituições e o enfraquecimento da democracia, não só do ponto de vista institucional, mas também das relações humanas.

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Ao contrário do novo coronavírus, o vírus do negacionismo nada tem de novo e não surgiu do nada. Ele sempre esteve aí, como mostra a matéria sobre a epidemia da febre amarela. Por um momento, chegamos a crer que ele estava vencido, mas ele retorna nesse ambiente de pessoas que, por uma suposta liberdade, coloca em risco o todo social. A febre amarela se tornou endêmica, e foram enfrentadas muitas novas ondas até que fosse contida. Já dizem que podemos viver um período de ondas do novo coronavírus também, com pequenas aberturas e novos isolamentos. Mas creio que, a despeito de muita coisa, uma vacina surgirá – apesar de meu sentimento ser de desejo que mudássemos nossos hábitos, repactuando o que entendemos por civilização.

O que me intriga mesmo é como venceremos o vírus da negação, que precisa não apenas da ciência para erradicá-lo, mas demanda de nós muitas outras discussões, muitos outros posicionamentos em relação a como vivemos e ao mundo, a como construímos nossas sociedades, a como compreendemos, defendemos e garantimos direitos. Me pergunto: quantos verões para que erradiquemos o mortal da ignorância?

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