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O desafio de construir a vida em outro país com a família

Em busca de melhor qualidade de vida e boas oportunidades, muitas famílias decidem deixar o Brasil. A adaptação das crianças é a questão mais delicada

Por Bruna Nicolielo
25 ago 2017, 16h07
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  • Em tempos de economia em crise e instabilidade política, tentar a vida fora do país é um dos desejos de muitas famílias brasileiras – e vem se tornando realidade para um número crescente de pessoas. Segundo dados da Receita Federal, entre 2014 e 2016 foram entregues 55 402 Declarações de Saída Definitiva do País – 80% maior do que nos três anos anteriores. É possível que o contingente ultrapasse esse índice, pois nem todos registram a mudança se ela estiver em fase experimental.

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    Qual é o perfil desses emigrantes? Na maioria, são pessoas de classe média, qualificadas, que buscam novos empregos ou mesmo transferência dentro da própria organização – caso de Valeria Fachetti, 47 anos. Ela é responsável pelo marketing para a América Latina de uma empresa americana de softwares. Pesou na decisão o fato de o marido estar desempregado.

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    Eles se mudaram com os dois filhos, de 10 e 15 anos, para Miami, nos Estados Unidos, em fevereiro de 2016. Propiciar uma vivência internacional aos meninos e estar mais próxima de clientes do México levou a essa opção. Mais de um ano depois, a rotina corre nos trilhos.

    Porém, os três primeiros meses foram de muitas batalhas. “Tudo era novo para nós, desde encontrar e alugar uma casa até entender o funcionamento da escola”, conta Valeria, que dominava o inglês do mundo dos negócios, mas se viu em apuros para resolver problemas do cotidiano por falta de vocabulário.

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    Leia mais: Filhos que não aceitam uma mudança para o exterior: deixá-los com os avós é a solução?

    O filho menor também sofreu. “Mesmo depois de fazer um curso intensivo no Brasil, ele não se sentia confiante para se comunicar em inglês. Pouco interagia na escola, se fechava e dizia não entender nada.” As coisas começaram a se ajeitar com a ajuda das professoras, que falavam espanhol. “Agora a nossa preocupação é fazer com que ele não esqueça o português.”

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    O mais velho já tinha um bom nível no idioma. O que o intimidou foi o tamanho da escola, muito maior, e sua organização, com disciplinas optativas e constante troca de ambientes – o aluno vai à sala do professor, não o contrário. “No Brasil, ele estava acostumado a ter um contato mais próximo com os professores. Aqui, há um distanciamento, que, para nós, parece descuido e frieza.”

    Ela garante que, além da imersão em uma nova cultura, os meninos desenvolveram outras habilidades. “Eles amadureceram; aprenderam a se virar.”

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    Valeria escolheu morar com a família nos Estados Unidos (Acervo Pessoal/CLAUDIA)

    Para a psicóloga clínica Bettina Schaefer, uma adaptação completa à vida no exterior leva cerca de um ano. “Vivenciar as quatro estações é imprescindível para se ambientar ao novo país, clima, amigos, alimentação e escola”, explica ela, que já auxiliou famílias em processo de mudança para a Áustria e a Alemanha.

    Ainda de acordo com a especialista, é importante ajudar as crianças a criar repertório emocional para lidar com a transferência. “Mudanças implicam deixar algo que é conhecido e seguro para se lançar ao desconhecido. Isso naturalmente levanta sentimentos de insegurança e recusa. Quando os pais estão convencidos de que a movimentação será positiva, os filhos se adaptam mais facilmente”, explica.

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    A língua também foi o maior desafio do filho mais novo de Sylvia Bachiegga, 39 anos, que vive com a família em Toronto, no Canadá, desde fevereiro de 2016. O menino, de 12 anos, não falava inglês. Ao buscá-lo no primeiro dia de aula, a mãe encontrou o filho soluçando de tanto chorar. O motivo: tinha esquecido a lancheira na sala e não sabia como falar com a professora.

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    “Os primeiros dois meses foram bem angustiantes”, lembra ela. A turbulência passou e deixou uma surpresa agradável: os meninos se apaixonaram pela nova escola. No Brasil, frequentavam uma instituição católica, com cobranças e ênfase no vestibular. Por lá, o currículo é mais enxuto e diversificado, com esportes e aulas de teatro. “É um sistema que respeita o tempo da criança”, diz.

    Sylvia, que trabalha com treinamento e desenvolvimento de pessoal, foi beneficiada por uma política do governo canadense de estímulo à imigração de profissionais, que atrai cada vez mais brasileiros.

    Leia mais: Canada Day: inspire-se na festividade para conhecer mais o Canadá

    De acordo com a Immigration and Citizenchip (CIC), agência canadense de imigração, refúgio e cidadania, 92,4 mil brasileiros pediram permissão para residir temporariamente no país entre janeiro e setembro de 2016, e quase 90% das solicitações foram aprovadas. O número é 10% maior do que o registrado no ano anterior.

    Brasileiros são a quarta nacionalidade que mais solicita essa permissão, atrás de chineses, indianos e mexicanos. Os dados incluem pedidos de visto de estudante, permissão de trabalho e residência temporária, um primeiro passo para a mudança definitiva.

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    Depois de cinco meses de um processo complexo e burocrático, que levou em conta o nível de inglês, o histórico profissional e a escolarização de Sylvia, a família recebeu o visto de residência permanente. Em dezembro de 2016, ela conseguiu o primeiro trabalho, em sua área de atuação e com salário compatível ao que recebia no Brasil. No mês seguinte, foi a vez do marido, que aqui tinha restaurante, mas no exterior se redescobriu como marceneiro.

    Nem o inverno abalou o ânimo de recomeçar. “Compramos roupas especiais para a neve e decidimos aproveitar como os locais”, conta Sylvia. Uma verdadeira mudança de mentalidade, que influenciou a família em outros aspectos. Agora, também à maneira dos canadenses, todos se envolvem nas tarefas domésticas.

    No Canadá, como os canadenses: a família de Sylvia curtindo o inverno (Acervo Pessoal/CLAUDIA)

    Pais tranquilos, filhos tranquilos

    Assim como o Canadá, a Austrália tem políticas de atração de profissionais para suprir a demanda por mão de obra. A dentista Raquel Moucachen, 34 anos, viu que a medida poderia beneficiar o marido, engenheiro civil que perdera o emprego em 2015.

    Eles vivem há um ano e meio com os dois filhos, de 3 e 6 anos, em Melbourne. O casal tem visto de estudante e pode exercer atividades remuneradas por até 20 horas semanais. Ambos trabalham em lojas. A adaptação de toda a família foi facilitada pelo grande fluxo de imigrantes e pela recepção amigável dos australianos. Nem o inglês foi problema.

    “Os meninos não sabiam nada, e isso era motivo de apreensão para mim. Hoje em dia, o maior até me corrige no sotaque.” Ele estuda em escola pública, mas a família desembolsa 9 mil dólares por semestre. A gratuidade só é concedida a residentes com visto permanente – o casal aguarda a validação do diploma do marido para solicitar o documento.

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    Se o idioma não foi empecilho, a saudade dos amigos e parentes ainda pesa. E, nesse aspecto, o fuso horário, de 13 horas, não ajuda muito. Outra dificuldade foi encarar o inverno. A Austrália, mais conhecida pelas praias ensolaradas da Costa Dourada, tem temperatura muito variável devido à extensão de seu território. Melbourne, em especial, apresenta clima instável. “O primeiro inverno foi um choque. É preciso estar disposto a se adaptar”, diz Raquel.

    Leia mais: Quem tem filhos vive por mais tempo, mostra pesquisa

    Na cidade portuária de Fremantle, também na Austrália, a psicóloga Fernanda Kanczuk, 35 anos, tira de letra as incertezas e dúvidas envolvidas no processo de imigração depois de dois anos e meio fora do Brasil – e de duas experiências de mudança.

    Após uma temporada no Canadá, chegou ao país com duas meninas, na época com 6 meses e 2 anos, e com o marido, anestesista – uma das atividades requisitadas pelo governo australiano. No caso da medicina, é preciso atuar por dois anos numa espécie de residência e fazer uma prova antes de se candidatar à função permanente.

    “Foi impossível evitar que o próprio stress afetasse toda a dinâmica familiar. Emagreci 5 quilos no primeiro mês. E isso refletiu diretamente nas crianças, pois eu não conseguia dar a elas a atenção a que estavam acostumadas, cuidar da casa e dar suporte para meu marido, que penava tentando se adaptar ao novo trabalho.”

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    No Brasil, Fernanda contava com babá, faxineira quatro vezes por semana e tios e avós presentes. Na Austrália, o casal começou a compartilhar as tarefas domésticas. “Passamos a ter uma vida em família, coisa que não acontecia no nosso país, com toda a ajuda disponível. A adaptação das meninas sempre esteve diretamente relacionada à nossa.”

    No entanto, eles acabam de saber que talvez tenham de se mudar, pois, na região em que estão, a anestesiologia saiu da lista de atividades requisitadas. “Nossa situação é incerta, o que gera stress, mas não nos abala.”

    Fernanda, marido e filhas em passeio no parque, na Austrália (Acervo Pessoal/CLAUDIA)

    O importante é ter em mente que mudanças fazem parte da vida. “Vivenciar tudo isso ajuda a enfrentar adversidades e frustrações e a fazer adaptações. É uma grande lição que os pais podem ensinar aos seus filhos”, conclui Bettina.


    ”Uma mudança implica deixar o conhecido para lançar-se ao desconhecido. Quando os pais estão convencidos de que ela é positiva, as crianças se adaptam mais facilmente” — Bettina Schaefer, psicóloga


    Mais fácil assim

    Dicas simples que ajudam a família toda na hora de mudar de país

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