Mães, a conta não fecha
Como encaixar as funções da rotina com as necessidades da criança, mais tempo livre, os cuidados da casa e o dinheiro?
Outro dia, ousei fazer uma conta na qual precisava entender quantas horas “produtivas” eram necessárias para fazer tudo caber em 24 horas. Comecei a lista: preparar o café da manhã, lavar a louça, ajudar o filho a fazer a tarefa da escola, arrumar a mochila, levar ao médico, passar na farmácia, preparar o almoço, lavar a louça, levar à escola, fazer supermercado. Ó, me esqueci da casa. Segue: colocar tudo em ordem, limpar, lavar roupa, passar roupa, regar as plantas. Ó, me esqueci de mim. Segue: fazer atividade física, terapia, meditação e skincare; ler, assistir série e estudar, não me esquecer do orçamento financeiro, dar aquele pulinho nas redes sociais.
E para pagar as contas e assegurar todo esse ciclo e tudo o que ele demanda é necessário financiá-lo. Vai direto para a lista: trabalhar! Mesmo que uma mulher tenha uma rede de apoio para parte dessas tarefas, é preciso dinheiro para sustentar a estrutura que permite o ócio, ops, cumprir as obrigações.
Bom, se qualquer adulto precisa dormir entre 7 e 9 horas por noite, segundo a OMS, restariam 15 horas do dia para tarefas. Isso, apenas para tarefas. Se o trabalho “oficial” exige ao menos oito, restam sete. Se o filho necessita de quatro horas de manhã e outras duas à noite, sobra uma. Se a casa demanda ao menos duas horas, falta uma. Ok, não tem tempo!
Por isso, é cada vez mais frequente ouvir das mães “a conta não fecha”. Não à toa, memes se proliferam e arrancam gargalhadas, no melhor clima “rir para não chorar”. Claro, muitas camadas não entraram nessa narrativa até aqui. Destaco apenas uma: o Brasil tem mais de 11 milhões de mães que criam os filhos sozinhas.* Na última década, o país ganhou 1,7 milhão de mães com a responsabilidade de filhos sem a ajuda do pai (90% são negras).
Só no primeiro ano da pandemia de Covid-19, quase 8,5 milhões de mulheres perderam seus empregos, fazendo com que o país atingisse o número mais baixo de participação feminina no mercado de trabalho em três décadas. Uma pesquisa promovida pelo Instituto Locomotiva mostrou que, nesse período, 35% das mães solteiras não tiveram renda suficiente para comprar alimentos.
Ainda somos confrontadas por um sistema que não inclui o trabalho doméstico na economia
Paola Carvalho
Outra camada: baixa remuneração. O relatório Women in Work Index, da consultoria global PwC, sobre a desigualdade de gênero no trabalho nos 33 países da OCDE, aponta o que chamaram de “a penalização pela maternidade”. Segundo o estudo, a perda de ganhos vitalícios por mulheres que criam filhos tornou-se o fator mais importante da disparidade salarial entre homens e mulheres. Essa desigualdade é constatada pela queda de 60% nos ganhos das mães comparados aos dos pais nos 10 anos após o nascimento do primeiro filho.
É possível ainda observar a questão ao verificar os saldos mais baixos das pensões e da poupança para a aposentadoria que as mulheres recebem ao fim de suas vidas profissionais. “Se a recuperação da pandemia de Covid-19 nos ensinou alguma coisa é que não podemos confiar apenas no crescimento econômico para produzir igualdade de gênero. Devemos projetar e desenvolver soluções políticas que abordem ativamente as causas subjacentes da desigualdade que existe hoje”, afirmou Larice Stielow, economista sênior da PwC.
Se a conta não fecha, não há autonomia financeira. É nesse dilema invisível para quem não o vive que podemos encontrar a interseção entre o pulsar do feminismo e as engrenagens do capitalismo. Embora tenhamos ganhado novas perspectivas para a maternidade e a carreira profissional, ainda somos confrontadas por um sistema que não inclui o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos na economia, relegando-os a um papel sem valor algum.
Assim, estamos sendo submetidas a uma jornada exaustiva, e o dinheiro que nos é negado ganha outros destinos. Nos afastamos de nós mesmas na luta por um equilíbrio que parece inalcançável.
A conta precisa fechar.