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Patriarcado financeiro: as desigualdades promovidas pelo sistema

O sistema econômico também promove desequilíbrios gigantes para as mulheres e precisamos falar sobre isso com urgência

Por Paola Carvalho
Atualizado em 19 jun 2023, 10h52 - Publicado em 19 jun 2023, 10h51
Patriarcado financeiro
Segundo pesquisa da Oxfam, a disparidade de gênero levaria mais de 268 anos para ser completamente erradicada (Getty Images/Getty Images)
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Ganhei o pequenino livro com o clássico ensaio A Morte da Mariposa, de Virginia Woolf. Nele, a escritora britânica narra os esforços de um inseto em um “quadrado de vidraça” para sustentar a vida. A resistência, os voos curtos e as quedas naquele pedacinho da janela comovem. “Havia nela qualquer coisa ao mesmo tempo maravilhosa e patética.”

Woolf escreveu o texto em meio à Segunda Guerra. Outros tempos. E chegou a mim no momento em que eu vinha refletindo sobre o patriarcado financeiro, tema que perpassa outros livros na cabeceira, de Nancy Fraser, Silvia Federici e Byung-Chul Han.

Um trecho específico foi o responsável pela conexão: “Além do mais, uma vez que não havia ninguém para se importar com ele ou testemunhá-lo, aquele esforço descomunal por parte de uma mariposinha insignificante em conservar algo que ninguém mais valorizava ou desejava manter, contra uma força de tal magnitude, era estranhamente comovedor”.

Além de mim mesma, não consigo calcular quantas mariposas me vieram à mente, e isso me comoveu. Uma amiga que perdeu o emprego, a outra em transição de carreira, mais uma sem dinheiro para pagar as contas, a mãe solo, a filha que cuida dos pais, a que abandonou os estudos para trabalhar, a que se aposentou e nunca mais pôde viajar…

Somos mariposas, ora maravilhosas, ora patéticas. Isso, patética, aquela que não tem capacidade de provocar comoção emocional, gerando um sentimento de piedade, pesar ou tragédia.

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“A opressão se manifesta na desigualdade salarial, mas também fantasiada de novas soluções”

Paola Carvalho, jornalista

E não há um único culpado para essa falta de comoção (e ação). Mas o patriarcado financeiro pode ser um deles. Diante da luta em nossos quadrados de vidro, deixamos de enxergar para onde podemos voar. Quem olha, só vê um inseto, como a natureza é, como “sempre foi”.

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O termo patriarcado financeiro vem sendo utilizado para descrever como o sistema econômico, assim como outros aspectos da sociedade, é influenciado pela desigualdade de gênero. O patriarcado (a estrutura social, cultural e econômica que favorece os homens em detrimento das mulheres) afeta a forma como o dinheiro é distribuído no mundo e como nós, mulheres, somos tratadas.

Essa opressão se manifesta de várias maneiras, como a desigualdade salarial, a baixa participação em cargos de liderança, a dificuldade de acesso a crédito e a exclusão das mulheres do mercado corporativo. Se manifesta também fantasiada de soluções ou processos, como meritocracia e novas formas mais produtivas de trabalho.

“Não nos oferecem apenas o direito de trabalhar, e sim o direito de trabalhar mais, ou seja, o direito de sermos mais exploradas”, escreveu Federici, no livro O Patriarcado do Salário. Italiana nascida em 1942, a escritora, professora e militante feminista chama a atenção, entre vários importantes pontos, para o que, no Brasil, atribuímos à Economia do Cuidado.

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“O trabalho doméstico, na verdade, é muito mais do que a limpeza da casa. É servir à mão de obra assalariada em termos físicos, emocionais e sexuais, prepará-la para batalhar dia após dia por um salário. É cuidar de nossas crianças, ajudá-las desde o nascimento e ao longo de seus anos escolares, e garantir que elas também atuem da maneira como o capitalismo espera delas.”

Jornalista economista Paola Carvalho
Paola Carvalho (@paolajardimcarvalho) é jornalista especializada em economia e finanças pessoais. (|Ilustração: Luiza Paternez/CLAUDIA)

Há um tempo eu entrevistei Maíra Liguori, diretora da ONG brasileira Think Olga, sobre o assunto. Ela vem reforçando a pesquisa da organização internacional Oxfam, que mediu as horas não remuneradas de trabalho doméstico de meninas e mulheres ao redor do mundo, algo como US$ 10,8 trilhões — se fosse o PIB de um país, seria o quarto mais rico do mundo. A disparidade de gênero levaria mais de 268 anos para ser completamente erradicada.*

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Há muito mais para além do “quadrado da vidraça”. É preciso estar atenta, reconhecer como o patriarcado financeiro opera e te afeta, pedir apoio, reivindicar mudanças em casa, no trabalho, no governo. Para, enfim, tomar fôlego e voar.

*Relatório do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), divulgado em 2022.

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