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O que é fadiga pandêmica: sobrecarga das mulheres é real e só deve piorar

Levante a mão quem não suspirou nem disse uma vez sequer durante a pandemia: “Estou cansada!”. Especialistas explicam por que nos sentimos assim

Por Sílvia Lisboa e Pedro Nakamura
16 out 2020, 19h00

Levante a mão quem não suspirou nem disse uma vez sequer durante a pandemia: “Estou cansada!”. A sobrecarga é real e pode piorar ainda mais. Especialistas explicam por que nos sentimos assim, qual o impacto no cérebro e o que fazer para minimizar a sensação de não dar conta

 

No começo do ano, Nicole Pereira Citton, 33 anos, estava se adaptando à volta ao escritório após a licença-maternidade quando recebeu uma desejada promoção para líder de produção na multinacional onde trabalha. Menos de uma semana depois, em função das medidas impostas para controlar a pandemia do novo coronavírus em Porto Alegre, ela se viu em home office, tendo de encerrar ligações ou reuniões por videoconferência para acudir seu filho, Max, então com 7 meses.

A carga de trabalho e a responsabilidade haviam dobrado na empresa e dentro de casa, em uma dupla jornada que passou a ocorrer simultaneamente no mesmo espaço. “A impressão que tenho é de que a gente não vence nunca e o relacionamento fica prejudicado porque não podemos sair para curtir momentos a dois”, desabafa. A frase mais repetida por Nicole durante a entrevista foi: “Estou muito cansada”.

A sensação é familiar a várias pessoas no momento. Especialistas cunharam até um termo para batizá-la, fadiga pandêmica. A consequência de tamanha exaustão é uma explosão nos índices de transtornos mentais. “Já se fala em uma segunda pandemia, a de questões de saúde mental”, diz o psicólogo Wagner de Lara, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Um levantamento da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) mostrou que metade dos profissionais informou aumento no número de atendimentos e 89% relataram uma piora no quadro dos pacientes.

Essa exaustão tem origem, em parte, exatamente no que Nicole descreveu como sendo sua nova rotina, esse engajamento em múltiplas atividades simultaneamente. Para o cérebro, a chamada atenção parcial contínua o deixa sobrecarregado pelo excesso de informações.

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Não é difícil imaginar o porquê. Entre uma reunião online importante e um bebê em apuros, a mente entra em um estado de hiperfoco para dar conta de interpretar diferentes estímulos relevantes. “A separação física do trabalho e da casa impunha divisões importantes.

Você saía do escritório, pegava trânsito, escutava uma música e ia desligando até chegar em casa. Agora, a pessoa troca a tela por outro compromisso quase que imediatamente. A longo prazo, isso causa um estado de fadiga crônico”, explica Wagner. “Outra questão estafante é a pressão para seguir as normas de segurança, às quais não estávamos habituados. Isso gera uma sobrecarga cognitiva de atenção”, completa.

O ambiente da reunião por videoconferência é mais um problema para nossa cognição. O desgaste, nomeado Zoom fatigue, ou fadiga de Zoom, ocorre porque boa parcela da comunicação humana se baseia em pistas não verbais, como gestos, posturas e expressões, que nos ajudam a entender se um interlocutor concorda ou discorda de nós – e se ele está prestando atenção.

Pelos aplicativos, no entanto, essas deixas se dispersam, e nosso cérebro precisa se esforçar muito mais na parte verbal para decodificar uma tela com diversos rostos e diferentes reações ou com delay por falhas na conexão.

Nosso cérebro é mais exigido agora não só pelo trabalho remoto ou pela preocupação com a saúde mas também emocionalmente. Afinal, desenvolvemos ansiedade pelo receio de perder o emprego, pela incerteza do futuro.

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“Para o cérebro, não há separação entre razão e emoção. O medo e a angústia, por exemplo, roubam nossa energia cognitiva, e isso torna mais custoso se concentrar nas tarefas”, explica o neurocientista Augusto Buchweitz, pesquisador do Instituto do Cérebro (Inscer) do Rio Grande do Sul.

Ele estudou os efeitos no cérebro de crianças expostas à violência e traça paralelos com os causados pela pandemia. Embora sejam problemas distintos, ambos elevam os níveis de cortisol, conhecido como o hormônio do estresse, que funciona como um alarme.

Em situações de perigo, ele avisa o corpo de que é necessário se preparar para uma emergência. Esse alerta é fundamental para a sobrevivência dos homens desde o tempo das cavernas, quando nossos ancestrais precisavam estar espertos para não ser devorados por bichos.

Na nossa rotina, porém, as ameaças que disparam o cortisol são tão frequentes que o aviso não desliga. O corpo distribui menos energia para a manutenção celular ou para o sistema imunológico, e assim deixa de combater uma infecção boba e fica mais predisposto a doenças crônicas. É por isso que o estresse está na raiz de tantos problemas de saúde.

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Para as crianças e os adolescentes, o sentimento de solidão pode ser a principal fonte de angústia mesmo em uma era hiperconectada. “Apesar da possibilidade de falar pela internet, eles reportam se sentir sozinhos, sensação que é um fator de risco importante para o desenvolvimento cognitivo”, diz o psiquiatra Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e da adolescência na Universidade de São Paulo, que está desenvolvendo uma pesquisa com mais de 9 mil jovens.

Mais fôlego

Após três meses enclausurada em casa com o marido e o filho a líder de produção Nicole decidiu pedir ajuda. Levou seu laptop para a casa do pai e conseguiu ter algumas horas de foco exclusivo no trabalho enquanto ele cuidava de Max.

Como o cansaço persistia, ela e o marido mudaram as combinações mais uma vez. Agora, Nicole vai algumas tardes ao escritório, enquanto o marido toma conta do pequeno, que já está com 1 ano e 2 meses e ensaia os primeiros passos. “À medida que Max foi crescendo, ficou mais difícil conciliar a atenção com ele e as oito horas de trabalho”, relata.

A psicanalista paulistana Maria Homem acredita que a pandemia fortaleceu o debate sempre adiado sobre a divisão (quase sempre injusta) do trabalho doméstico. “As mulheres mantinham a lógica patriarcal com a ajuda de outras mulheres, babás e faxineiras, igualmente sobrecarregadas e muitas vezes mal remuneradas”, observa a autora de Lupa da Alma (Todavia) sobre o desvelamento das estruturas proporcionado pela quarentena.

Com a impossibilidade de recorrer ao suporte externo em função das medidas de isolamento, restou aos casais encararem, sem medidas paliativas, a distribuição de tarefas.

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Um grupo de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e de Campinas produziu cartilhas para esclarecer a população sobre como não cair nas armadilhas da mente em tempos de Covid-19, como querer controlar o incontrolável e subestimar os riscos da doença.

O primeiro exemplo pode aumentar o medo e a ansiedade, levando, em casos extremos, ao pânico. Já o segundo coloca sua vida e a de sua família em perigo. A lógica do “não é pra tanto” ou “quanta histeria” vem de um mecanismo de defesa natural do ser humano em situações de crise. Ocorre quando deixamos de dimensionar a realidade tal qual ela se apresenta e nos negamos a mudar. Para o cérebro, isso traz conforto. Só que não vai resolver o cansaço a longo prazo.

Para ajustar nossas emoções, Wagner sugere adotar os recursos estudados pela psicologia positiva para construir resiliência. “Um deles é cultivar emoções positivas. Reserve todos os dias um momento para realizar alguma atividade que distraia você e lhe faça bem, como escutar música”, diz ele.

Outra recomendação é valorizar o período, que, embora difícil em muitos aspectos, trará irremediavelmente autoconhecimento. Segundo ele, vamos conhecer nossa pior versão, o que auxiliará a termos uma visão complexa de nós mesmos. “Uma pessoa que saía de manhã e voltava à noite do trabalho agora tem que ajudar o filho com o dever de casa, ir para a cozinha. Há múltiplos entendimentos dela mesma. Não deve haver frustração ou ressentimento ao se reconhecer nessas possibilidades. É uma boa hora para exercitar a autocompaixão ou se abrir a outros jeitos de ser”, diz.

Experiências religiosas e filosóficas também servem para controlar a angústia, além de terapia, claro, para elaborar tanta mudança sem sucumbir.

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Escapar da fadiga causada pela simultaneidade das tarefas domésticas e laborais exige disciplina. Os especialistas indicam pausas de 15 minutos, de preferência ao ar livre, para descansar nossa atenção em transe com o trabalho remoto. E a dica mais difícil de todas: na hora de fazer reuniões online, planeje-se para ser breve. Parece impossível, mas sua mente agradecerá.

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