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Estas mulheres resolveram recomeçar a vida em Portugal

Não para de crescer o número de brasileiros que resolvem fazer o caminho contrário dos descobridores

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 13 mar 2018, 12h36 - Publicado em 13 mar 2018, 11h15

Seis mil vistos para Portugal foram emitidos somente de janeiro a agosto do ano passado nos 13 pontos consulares que o país possui no Brasil. O volume corresponde a um aumento de 46% em relação ao mesmo período em 2016. Lá, já somos maioria entre os imigrantes, com mais de 81 mil brasileiros residentes. E esse número tende a crescer.

Tanto a crise econômica e o desemprego quanto a falta de segurança por aqui são os principais fatores citados como motivação para se arriscar. Do outro lado do oceano, o ponto alto é a qualidade de vida, que inclui bons serviços públicos e caminhadas sem medo pelas ruas. Além disso, o fato de a língua ser a mesma é uma facilidade.

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Para completar, o governo vem distribuindo incentivos para atrair mão de obra e o inverno é menos rigoroso do que em outros países europeus. Tudo isso foi decisivo para Regiane Mendes fazer as malas e se mudar para Portugal, há dez meses, com o marido e a filha, de 4 anos.

A família já tinha tentado a Irlanda, mas não se adaptou ao frio e aos preços elevados. “Também não havia atividades para a Larissa”, conta Regiane. Hoje, em Mem Martins, pertinho de Lisboa, acredita que encontrou seu porto seguro.

(Julia Rodrigues/CLAUDIA)

A onda tem sido boa para quem vai, mas melhor ainda para os anfitriões. Portugal, como outras nações europeias, vinha apresentando queda no número de pessoas em idade produtiva – a taxa de natalidade é baixa e a de aposentados alta. Os jovens evadiram-se quando o país enfrentou instabilidade econômica, de 2010 a 2014.

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O cenário agora é outro. Grandes investimentos, acordos internacionais e o empenho de quem ficou transformaram Portugal em uma terra de oportunidades. Por tabela, virou o novo sonho do brasileiro, o nosso destino-oásis oficial (posto que já foi de Miami).

O país ainda acena com uma variedade de vistos, aumentando as chances de aprovação. Como se não bastasse, em novembro anunciou que facilitará a permanência de quem tiver interesse em ficar. Além de Regiane, CLAUDIA ouviu outras brasileiras que fizeram a travessia e estão bem instaladas por lá. Constatou que há contratempos, claro, mas não achou quem se arrependa.

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A comprometida Kamila Hage

(Julia Rodrigues/CLAUDIA)

Aos 18 anos, movida pelo entusiasmo, a então moradora da Zona Oeste de São Paulo Kamila Hage foi correndo tirar a carteira de habilitação. Com o documento em mãos, no entanto, ela ficou mais de uma década sem pegar em carro. Hoje, aos 29, Kamila é considerada uma das melhores motoristas de tuk-tuk em Lisboa.

Segundo ela, a ideia de usar os charmosos veículos compactos para transportar turistas, importada dos países asiáticos, encaixou-se perfeitamente com as ruas estreitas da capital portuguesa. “O meu ainda é elétrico. Não faz barulho nem polui, o que atrai quem tem mais consciência ecológica”, afirma Kamila sobre o microcarro branco, com proteção plástica nas janelas – e cobertor – para dias frios.

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Quando saiu do Brasil, em 2015, embarcou munida de visto de estudante e outros planos. Formada em jornalismo, estava inscrita em uma pós-graduação em cinema e TV. O curso não lhe agradou e, quatro meses depois de abandoná-lo, enxergou uma nova oportunidade de carreira e de vida ao conversar com o dono de uma empresa turística especializada em tuk-tuk.

“Esse homem, o Hugo, foi praticamente um pai. Conseguiu um contrato para mim e, então, pude voltar ao Brasil e tirar um visto de trabalho.” O contato cotidiano com pessoas de diversos países que a ocupação lhe permite já rendeu frutos – Kamila aprendeu a falar francês e espanhol e aperfeiçoou o inglês.

Uma vitória da qual se orgulha é a de ter conquistado o respeito dos colegas. “As pessoas ligam essa função a homens e, no começo, eu me sentia minoria”, conta. “Os outros motoristas duvidavam de mim; fui até ameaçada. Com paciência, mostrei que era concorrente como qualquer um deles.”

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Hoje, ela é muito procurada por grupos de mulheres e cativa famílias com sua simpatia e o diferencial de, durante o percurso, contar curiosidades dos lugares.

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Um passeio pode custar 70 euros. A motorista recebe uma porcentagem de cada corrida e faz o próprio horário. Com sua renda, paga o aluguel do apartamento que divide com uma amiga, dois gatos e um cachorro. Ainda sai para jantar com frequência e viaja para outros países da Europa.

“Não é que sou rica, mas tudo parece mais acessível em Portugal. A classe média aqui tem grande poder de compra. A desigualdade é menor. Por exemplo, o salário de um engenheiro não é muito diferente do de alguém que trabalha em um café.”

Quem vê Kamila hoje não faz ideia de como o começo da jornada foi sacrificado. “Quando cheguei, choveu por duas semanas seguidas. Fiquei deprimida, a ponto de querer desistir e voltar para casa”, conta. Hoje, Kamila não tem a mínima vontade de ir embora.

Em Lisboa, encontrou a segurança e a paz que faltam em São Paulo. “Ando na rua à noite com celular na mão. E pego táxi sem medo de abuso.”

A impulsiva Paula Bustamante

(Julia Rodrigues/CLAUDIA)

Seu plano era passar só uma semana em Lisboa, cenário do batizado de sua única afilhada. Isso foi em setembro de 2017. A publicitária Paula Bustamante, 28 anos, chegou à cidade com apenas uma mala pequena recheada de roupas de verão, aproveitando a onda de calor que tomava Portugal.

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Em uma virada inesperada, ela desistiu de voltar ao Brasil após ser convidada, por meio de networking, a fazer trabalhos como freelancer para uma agência de propaganda local. Como Paula não tinha emprego com carteira assinada em seu país nem vislumbrava muitas perspectivas profissionais, preferiu ficar lá e continuar a trabalhar, como autônoma, em sua área.

Ela começou morando com uma amiga brasileira. Depois, alugou quarto no apartamento de um conhecido e, por fim, uma quitinete para morar sozinha. Já se foram quatro meses e, cumprida uma série de autenticações e remessas de documentos, Paula venceu a burocracia e se estabeleceu como manda o figurino. Mas nada foi fácil.

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Ela perdeu, por exemplo, metade das poucas roupas que levou ao secá-las na máquina. Ao retirá-las, percebeu que haviam encolhido e até queimado. Ok, com o inverno se aproximando, ela ia precisar mesmo comprar mais itens. “Além disso, estava disposta a encarar desafios. Então, nada foi desestimulante a ponto de me fazer ir embora”, afirma a paulista de São José dos Campos.

O desafio foi alugar um apartamento só para ela. Em alta, Lisboa anda disputada. “Aceitei pagar um pouco mais para garantir morar em um bairro central bacana”, conta. No mês passado, veio ao Brasil para resolver pendências, vender carro e buscar pertences. A saudade maior é do namorado, que a visitou no período.

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Costuma ouvir dele palavras de estímulo e encorajamento. “Não pretendo ficar longe do meu país para sempre. Mas me surpreendi com a experiência superpositiva. Aprendi muito com outra cultura e vi que me faltava o frescor de mudar a perspectiva.”

A sonhadora Regiane Mendes

(Julia Rodrigues/CLAUDIA)

Faltava um empurrãozinho para a professora de educação física paulistana Regiane Mendes, 30 anos, convencer o marido, Paulo, 36, a se mudar para o exterior. Ela já sonhava com isso havia algum tempo, mas ele gostava do seu emprego na área de tecnologia e resistia. Essa sensação de estabilidade sofreu abalos quando, em uma conversa, o chefe de Paulo sugeriu que devia aproveitar para acumular experiências.

Em um ano, o casal vendeu carro e apartamento, arrumou as malas e partiu com a filha, Larissa, 4 anos, para a Irlanda. A proposta era praticar inglês, mas os dois não contavam com os efeitos adversos. “Era muito frio, não havia atividades para a Larissa e o custo de vida era altíssimo”, lembra Regiane.

Como ambos tinham cidadania portuguesa, foi fácil escolher outro destino. Não conseguiram emprego logo. Começaram vendendo salgados e doces feitos na nova casa, em Mem Martins, distrito a 30 quilômetros de Lisboa. O negócio ia bem. Compraram até carro para as entregas. “Mas não havia desespero. Tínhamos levado dinheiro para nos sustentar por três anos, caso nada desse certo”, conta ela.

Na escola de Larissa, a família foi bem recebida. “Outros pais deram dicas e ofereceram-se para fazer as vezes de babá quando preciso.” Um deles indicou Paulo para uma vaga – ele conseguiu trabalho em tecnologia há cinco meses.

Regiane conseguiu a revalidação de seu diploma, mas, antes, deu aulas de zumba, atividade que aprendeu em um curso profissionalizante que fez em Portugal.

Larissa estuda na rede pública. Eles ficaram impressionados com as boas instalações e o ensino qualificado. O sistema público de saúde também foi aprovado. “Tem espera, mas o atendimento é ótimo. Fazem todos os exames. Saí de lá com remédio.” Para as crianças, é grátis. Adultos pagam uma taxa simbólica de 10 a 15 euros. “Não viemos para juntar dinheiro, mas pela qualidade de vida. Queremos que a Larissa cresça com segurança e tranquilidade”, diz a mãe.

A exploradora Izabel Matos

(Julia Rodrigues/CLAUDIA)

“Meus dois filhos já eram adultos; um deles até morava em Londres. Fazia nove anos que eu tinha ficado viúva e sentia que era hora de escrever um novo capítulo da minha vida. Para completar, nessa época, uma viagem confirmou minha paixão por Portugal.” Foi essa sucessão de fatores que levou a paulistana Izabel Matos, 51 anos, a fechar a agência de turismo que tinha no Brasil e atravessar o Atlântico, há cinco anos.

Filha de portugueses, já possuía dupla cidadania e havia visitado a terra dos pais algumas vezes para investigar a história dos antepassados. A cada viagem, ela ficava mais tentada a experimentar outro estilo de vida em terras lusitanas. “Sentia que era hora de ruptura”, diz. “Via que minha rotina em São Paulo não combinava mais comigo e queria desacelerar sem deixar de trabalhar.”

No início, o mais difícil foi o exercício de desapego. “Vim sozinha, deixei casa, empresa, carro, amigos. Dava saudade, mas, aos poucos, fui acostumando. Precisa vir com o coração aberto e disposição para experimentar.”

O sentimento de ser uma estranha no ninho não durou muito. Izabel se fixou em Cascais, distante 30 quilômetros de Lisboa. A recessão econômica enfrentada pelo país ainda era forte, mas o mercado do turismo oferecia oportunidades. Izabel foi trabalhar como guia. Também fez consultoria para criação de roteiros.

Até que, há três anos, foi convidada pela operadora de turismo CVC para auxiliar na expansão internacional. Hoje, ela supervisiona hotéis parceiros e fornecedores de transporte e de passeios, garantindo a qualidade prometida pela empresa. E fica de olho em opções inéditas para que as viagens da CVC não percam em inovação. Outra de suas funções é ajudar passageiros que enfrentam maus bocados em Portugal, como roubo de cartão ou perda de passaporte.

No fim do ano, o primogênito foi convencido a se mudar para Lisboa com a mulher e duas crianças, de 3 e 7 anos. O caçula já tinha trocado a Inglaterra por Portugal. Izabel vê cada vez menos motivos para voltar ao Brasil. “Aqui as pessoas não vivem em ritmo frenético. Elas desligam os celulares depois do trabalho e se sentam em mesas na calçada com amigos para comer e beber. Aos domingos, almoçam com a família. São valores que perdemos em São Paulo.”

Seu carro só sai da garagem em ocasiões especiais. No dia a dia, ela prefere usar o trem que a leva de Cascais até Lisboa em 27 minutos. Izabel gosta de percorrer as ruas do centro da cidade a pé ou de bonde. Acha o metrô bem conservado, mas diz que exige certa adaptação dos brasileiros.

“Os trens passam a cada dez ou 12 minutos, intervalo absurdo para quem sai de São Paulo (onde o tempo médio é de até três minutos).” Uma coisa a incomodou mais do que a espera pelo metrô. “No Brasil, é normal convidar em cima da hora. ‘Topa pegar um cinema agora?’ Aqui não tem isso, tudo é planejado. Para encontrar uma amiga, marcamos com 15 dias de antecedência”, afirma. “Mas nada que não dê para se acostumar.”

Elas indicam

  • Izabel: “Vinhos portugueses são deliciosos e considero imperdível visitar uma vinícola, com direito a degustação. Pertinho de Lisboa, Sintra é boa pedida para esse tipo de passeio.”
  • Regiane: ”Em Coimbra, cidade na região central do país, existe a Portugal dos Pequenitos, que reproduz locações e monumentos famosos em tamanho menor, para atrair as crianças.”
  • Paula: ”A comida portuguesa é bem gostosa. Adoro tomar brunch com waffle, avocado e ovos mexidos. Nesse caso, meu endereço preferido em Lisboa é o Heim Café, no bairro de Santos.”
  • Kamila: ”Lisboa é linda vista do alto e tem muitos mirantes. Os meus favoritos são o de São Pedro de Alcântara e o da Graça. Gosto de assistir ao pôr do sol lá de cima tomando cerveja.”
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