O canto na cidade: a culinária apaixonada de Wanderson Medeiros
Vindo de uma família que fez história com a produção de carne de sol, o chef paraibano prepara pratos autorais de sabores marcantes
Acompanhar as ideias de Wanderson Medeiros, mais conhecido como Picuí, não é tarefa fácil. Sua mente borbulha com novos projetos a todo momento – para conseguir administrar as tarefas, ele anda pra lá e pra cá pelo salão do Canto do Picuí com um rádio comunicador. Ele próprio se define como uma pessoa centralizadora, e foi exatamente essa característica perfeccionista que o levou a tantos lugares.
Wanderson Medeiros traz elementos alagoanos que despertam a curiosidade. As peças em barro do Seu Léo são feitas manualmente e nunca saem uma igual a outra.O paraibano abriu seu restaurante em São Paulo no final de 2021, mas, antes mesmo do chef nascer, seu destino na cozinha já tinha sido traçado. E a carne de sol sempre foi protagonista dessa história. Seu bisavô, Anacleto, começou a produzir o ingrediente com essa técnica em 1889, dom passado de pai para filho por quatro gerações. “Naquela época, ainda nem era vendida no mercado, ele colocava em malas de couro e saia vendendo numa carroça”, explica Wanderson, 43 anos. Foi a partir disso que a cidade de Picuí, localizada a 234 quilômetros de João Pessoa (PB) e, hoje, com cerca de 20 mil habitantes, ficou conhecida, anos depois, como a capital mundial da carne de sol.
Em 1989, exatos cem anos após o início da história da família Medeiros com a produção da carne, ele se mudou com seus pais para Maceió (AL), onde sua família abriu as portas do Picuí, em homenagem à cidade onde tudo começou. “Aos 11 anos, já trabalhava todos os dias no restaurante. Meus pais comandavam a cozinha e eu era garçom, caixa e todas as funções possíveis”, relembra. “Sempre estive envolvido nesse ambiente de cozinha. Quando era pequeno, minha avó tinha um café [na cidade natal] e ela ficava lá ralando coco para fazer doces. Passava a madrugada com ela fechando pasteizinhos, pincelando doces… Eu amava aquilo.”
‘‘Minha cozinha sempre foi queijo coalho, manteiga de garrafa, rapadura, feijão-verde, macaxeira e, claro, muita carne de sol, pois era o que eu tinha acesso’’
Aos 19, foi estudar administração, mas seguiu envolvido nos negócios da família e logo emendou um curso de auxiliar de cozinha. “Pouco depois, meus pais me entregaram o restaurante e me disseram que só me dariam algum palpite se eu pedisse. Recebi uma equipe de 17 funcionários e, em 2017, devolvi a eles com 65”, conta. Wanderson só retornou o negócio aos pais por uma demanda que tomou conta da sua vida profissional: a organização de casamentos.
Famoso na praia de São Miguel dos Milagres, o chef é responsável por quase 100% das celebrações que acontecem na capela local. Foram desses eventos que surgiram muitos dos pratos servidos no Canto do Picuí – caso da paella, que ganhou o nome de Paella dos Milagres, de tantas vezes que foi servida em panelões para animar os convidados.
“Como não estudei e não estagiei em nenhum lugar, meu entendimento de comida é o que eu gosto de comer e das pesquisas e anotações que faço desde 2002. Comecei a cozinhar com ingredientes regionais, não porque pensei que era um conceito que queria seguir, pelo contrário. Naquela época, a tendência era a cozinha internacional”, pontua ele. “A culinária brasileira virou foco muito mais tarde, com Alex Atala, Helena Rizzo… Eu fazia antes porque era o que eu sabia fazer com os ingredientes aos quais tinha acesso. Como iria cozinhar magret se de onde vim não existia isso? Na minha cidade, o pato é desossado para virar guisado.” Feitas com tanta paixão, as receitas não poderia sair de outro jeito. Essa cozinha, de sabor marcante, tem a capacidade de deixar saudades em quem prova.
PARA APRECIAR
No pequeno espaço em Pinheiros, bairro paulistano que abriga o restaurante, o chef do Picuí busca trazer pedacinhos de sua região para se sentir em casa. Apaixonado pelo trabalho de artesãos alagoanos, ele conta histórias sobre cada um dos cantinhos. As cabeças penduradas nas paredes vêm de Muquém, comunidade remanescente do Quilombo de Palmares, e são feitas por Olério, ou Seu Léo. Já as cerâmicas são de autoria de Andrea Leigue (@andrea.ceramica) e anexadas ao trabalho do Mestre João das Alagoas, artista dos personagens que personalizam as louças. Surpresas à mesa que sempre arrancam um sorriso de quem é servido.
Confira as receitas compartilhadas pelo chef Picuí:
Crostini de banana-da-terra, moedas de grana padano e croquetas de siri
Receita de carne de sol com pirão de queijos sertanejos
Receita de Paella dos Milagres
Receita de croquetas de codorna
Cocada de Colher com Mel
TEXTO Marina Marques | FOTOS Bruno Geraldi | CONCEPÇÃO VISUAL Catarina Moura