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Renata Brosina é jornalista, host de podcast e editora de moda com foco em luxo e sustentabilidade. Com 15 anos de carreira e alguns títulos internacionais no currículo, ela é curiosa, gosta de entrevistar e vestir pessoas, e analisar as transformações que vêm acontecendo no mercado.
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Se vão as musas – e como fica a moda nacional?

Mesmo com uma fonte inesgotável de inspiração, estilistas brasileiros seguem importando referências que nem sempre fazem sentido por aqui

Por Renata Brosina
13 nov 2022, 08h30

A perda de um dos maiores nomes da música popular brasileira, a divina maravilhosa Gal Costa, na última semana serviu de gatilho para trazer uma pauta que tem me incomodado há alguns anos. Isso porque, volta e meia, é questionável o porquê da moda nacional não valorizar seus próprios ícones. O Brasil tem fonte inesgotável de referências, mas mantém sua alma cada vez mais distante da sua essência. Obviamente, não é uma generalização e não posso descartar o trabalho sério de diversas marcas que fizeram seu dever de casa, mas é evidente que, se lá fora a indústria utiliza do seu arsenal cultural como ferramenta para alimentar a moda, aqui parece bonito reproduzir o que foi visto na passarela gringa e, se for hit de vendas, melhor ainda.

Quando falo sobre Gal, penso no quanto já vi Cher, Jane Birkin, Françoise Hardy e Monica Vitti, por exemplo, serem homenageadas inúmeras vezes por seus ares revolucionários por diversas grifes. Por aqui, pouco me lembro de ter visto tal movimento feito para exaltar a sex symbol da Tropicália e imagem que serviu de inspiração para mulheres das seguintes gerações.

Certa vez, lendo o Manifesto Antropofágico, criado em 1928 por Oswald de Andrade, tentei fazer uma relação entre o que acontece hoje na moda sem muito sucesso. Existe uma base conceitual na ideia do escritor que destaca a forma como nos alimentamos da cultura internacional para adaptá-la ao Brasil. Definitivamente, a moda tem essa relação global, com o que acontece fora do nosso território, mas a última etapa (e a mais importante) não tem sido executada com muita frequência.

Nós seguimos importando, não só a roupa, mas as musas que vêm de solo europeu e norte-americano. Quando menciono Gal, também gosto de falar sobre Rita Lee. As duas, que viveram a Tropicália na segunda metade da década de 1960, tinham maneiras distintas de se vestir, mas ainda dentro de um espírito livre e ousado. Na época, o zeitgeist era exatamente esse. Em um mesmo espaço de tempo, o Swinging London acontecia na Inglaterra e, com toda a sua efervescência jovem, lançava seus ícones da música e encurtava as roupas. Aqui também. Enquanto Gal estava belíssima com seu cabelo volumoso, batom vermelho e boa parte da pele à mostra, Rita Lee tinha uma irreverência mais brilhante com seus cabelos escorridos longos. As duas eram complementares e importantíssimas. 

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Livro
A relação entre a moda e a arte na vida de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade no livro “O Guarda-Roupa Modernista“. (Divulgação/Divulgação)

Assim como as musas da música, há também outros nomes que foram revolucionários em outras áreas. A pintora Tarsila do Amaral, que já foi homenageada pela Osklen em 2017, se mantém lembrada como presença da moda cinco anos atrás. Enquanto isso, Maria Grazia Chiuri requenta as artistas italianas nas suas coleções da Dior, assim como Kim Jones, um apaixonado pela literatura, traz Virginia Woolf para suas temporadas nas duas marcas onde é diretor criativo. Se no seu debut de Alta Costura para a Fendi, ele trouxe o livro Orlando, de 1928, como base para sua criação, Kim explorou a atmosfera da Charleston Farmhouse, casa da artista Vanessa Bell, irmã de Virginia Woolf, para o cenário de Verão 2023 da Dior Men. No imaginário do estilista, é evidente o quanto as referências são profundas e fazem parte do seu cenário criativo.

As musas da moda
(Celine/Divulgação)

Na fase de Phoebe Philo na Celine, a escritora norte-americana Joan Didion foi fotografada por Juergen Teller para a campanha de Verão 2015. O contexto? As criações de Phoebe eram ricas em elementos dos anos setenta, desde saias de linha A até uma espiritualidade vagamente New Age. Como gancho, a estilista resgatou o espírito do tempo de quando Joan lançou os livros Rastejando até Belém, em 1968, e o Álbum Branco, em 1979. É evidente que, talvez a escritora seja a musa inspiradora de Phoebe Philo há tempos, mas, nesta coleção, fica evidente o quanto a mente brilhante e criativa de Joan transcende completamente as páginas das suas publicações e foi parar em um pôster de divulgação da marca. Por aqui, temos a imortal Hilda Hilst, que ainda não foi homenageada por uma marca brasileira.

A pobreza de referência é o que desanima na moda nacional. Parece que os olhos brilham mais quando uma grife de sapatos copia a estampa de limões sicilianos da Dolce & Gabbana ou o conceito de um desfile inteiro da Louis Vuitton, mas, neste caso, no line-up da SPFW. Ou quando um estilista, que se intitula de vanguarda, resolve reproduzir o que recém foi apresentado pela Vetements. Uso exemplos de um passado, porque os recentes cansam demais.

O Brasil tem tanto a inspirar, mas seguimos nas distantes inspirações, nada coerentes com a essência daqui. É assim que perdemos nossas musas, nossos talentos e nossa história. É uma pena que o ato de devorar o externo e reelaborar adaptando ao nacional ainda não seja uma realidade. E olha que Oswald de Andrade fala isso desde 1928.

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