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Renata Brosina é jornalista, host de podcast e editora de moda com foco em luxo e sustentabilidade. Com 15 anos de carreira e alguns títulos internacionais no currículo, ela é curiosa, gosta de entrevistar e vestir pessoas, e analisar as transformações que vêm acontecendo no mercado.
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Qual é o peso político de uma etiqueta de moda?

Mesmo com a forte superficialização da indústria do luxo, a moda é e sempre será reflexo da sociedade dos nossos tempos

Por Renata Brosina
5 nov 2022, 14h23

Foi no dia seguinte ao segundo turno das eleições para a presidência da República que me deparei com uma situação que me deixou inquieta. A moda no Brasil vive dias tão nebulosos que a gente, que estuda e vive desse mercado, se depara com o inacreditável. Isso, para mim, é pauta constante de terapia, mas vejo como grande parte do consumidor de luxo nacional tem o prazer em voltar dez casas no tabuleiro quando, do fundo do coração, a gente tem a breve expectativa de querer avançar um pouco nesse jogo. Digo isso porque, voltando à inquietação desta segunda-feira, uma seguidora me mandou a seguinte pergunta: “Você acha coerente falar de moda e luxo e, ainda assim, votar em um candidato de esquerda?”. O questionamento foi uma bola quicando, ainda mais prazerosa de responder quando ela mencionou, de forma brilhante ao meu ver, minha musa (desde os 17 anos) Miuccia Prada. “Você acha que ela teria coragem de votar no Lula?“. Aqui, senti que era uma marcação de pênalti para um jogo sem goleiro.

Se o nome mencionado não fosse da Sra. Prada, mas de Hedi Slimane ou Raf Simons, que são bons diretores criativos e que admiro, talvez eu ficasse na definição mais didática do que é a moda, todo seu reflexo social e a mensagem que ela funciona como uma espécie de registro do tempo que estamos vivendo. Mas Miuccia é um caso à parte. Mesmo sendo herdeira da marca criada pelo avô, Mario Prada, e seu irmão Martino, na época Fratelli Prada, a diretora criativa é conhecida, principalmente, por ser engajada nas manifestações políticas e femininas desde a década de 1960 na Itália. Seu avô uma vez mencionou que uma mulher jamais seria capaz de levar uma empresa para frente. Miuccia, obviamente, já não gostava deste tom. De família católica e conservadora, ela já se posicionava contra esse movimento, seja quando foi uma das primeiras hippies da escola, quando passou a manifestar seu posicionamento feminista ou decidiu se filiar ao Partido Comunista Italiano. Em uma entrevista dada ao Document Journal, em 2015, ela, que assumiu a marca, na época de bolsas e acessórios em couro, no final da década de 1970, disse que ser de esquerda era muito comum entre os jovens vagamente inteligentes na época. E, “se você não fosse tão estúpido, você enxergaria uma necessidade de mudar o mundo”. Ainda nesta entrevista, Miuccia menciona que gostava tanto de moda, que essa paixão prevaleceu sobre seus sentimentos negativos sobre fazer isso como um trabalho. E ela encontrou uma forma de executá-lo. Desde a sua primeira coleção feminina em 1988, quando a Prada começou a apresentar seu prêt-à-porter, a estilista traz mensagens que exploram o universo feminino, com mensagens fortes que representam lutas diárias das mulheres. Nem tudo é tão didático. Se em uma coleção ela optará por estampas de quadrinhos feitas por um time de artistas mulheres, como para o Inverno 2018, em outro ela trará um cenário composto por reproduções de quartos, que representam o local onde as garotas buscam força para suas frustrações na descoberta pelo seu papel na sociedade, como fez para Inverno 2017. A reflexão e a manifestação dela sempre estará na sua passarela – e em todas as grifes que comanda. Na Miu Miu, por exemplo, ela criou o Miu Miu Women’s Tales, em 2011, dando carta branca a diretoras de cinema para criar seus curta-metragens utilizando suas roupas. A cada ano são dois nomes femininos eleitos para o desafio de criar uma narrativa em torno do que é ser mulher.

Uma modelo durante o desfile da coleção Prada Outono/Inverno 2017/2018.
(Getty/Getty Images)

Há outros nomes além dela na moda? Alguns fortes. Assim como ela, Maria Grazia Chiuri segue levantando seus questionamentos feministas em torno do hoje a cada coleção da Dior. Antes dela, Mary Quant também levou a minissaia para a geração do Swinging London como forma de representar a ousadia e liberdade feminina. Fora do discurso feminista, na Gucci, Alessandro Michele é conhecido por reivindicar o conservadorismo de gênero e seus preconceitos em um maximalismo encantador e que atinge diferentes patamares da sociedade. Ainda em solo italiano, Brunello Cucinelli, que não tem cargo político, dá suporte à comunidade de Solomeo, berço da sua marca, e levanta a bandeira do capitalismo humano, valorizando a cultura, a sustentabilidade e o respeito com o ser humano. Na França, quem grita mais alto para expressar sua insatisfação é Demna Gvasalia. Por mais que eu não admire a estética trabalhada por ele, o papel dele como profissional de moda é impecável. As ideias, as pequenas revoluções que ele quer fazer na cabeça das pessoas e todo o seu sentimento, de ex-refugiado e gay que venceu muitos desafios, estão ali. Você (e eu, no caso) gostando ou não da camisa rasgada ou da calça coberta de lama (porque não duvido que ele venda várias assim) não pode fingir que ele não usa a moda, a roupa, o acessório e todo o cenário que ele construiu em nome de uma maison francesa de forma correta.

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Independente da cor da etiqueta que está no sapato ou pregado na roupa que você usa, lembre-se disso: a moda é política. Ela pede mudanças e vibra com essas vitórias. Você querendo ou não se posicionar, seu look, cada peça que você veste, representa uma mensagem. A moda é viva, falante e expressa muito sobre seus valores. Aliás, os criadores das roupas sabem disso. Quem gosta de moda também. Mas quem gosta do puro prazer do consumo, da compreensão rasa e vazia do que a moda é, que não entende que ela não é e nunca será definida por um simples vídeo viral na internet, continuará cada vez mais distante entendê-la. E a gente sabe que é esse mesmo público, tão deitado no conformismo conservador, que prefere ficar sentado no seu sofá admirando livros e mais livros grifados nas suas estantes – mas que nunca os abriu, porque ficam melhor como decoração. Ali mesmo, parados.

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