Devo congelar óvulos? Tudo o que você precisa saber para decidir
Cada vez mais mulheres procuram frear o relógio biológico para conseguirem pensar melhor a respeito da gravidez e maternidade
Mayara Azevedo não sabe se quer ser mãe, mas tem certeza que não quer que a sua idade decida por ela. Por isso, aos 29 anos, optou por congelar os óvulos. “Sou uma pessoa controladora, a possibilidade de ter um problema para engravidar no futuro me tirava o sono. Principalmente porque acompanhei uma amiga mais nova que teve que retirar os dois ovários e uma tia de 40 anos que teve problemas sérios para gerar o filho. Essas situações mexeram muito comigo”, conta, aos 32.
“Queria viver minha vida, focar na minha carreira. Antes do procedimento, tinha ansiedade em relação a casamento, construir uma família… Hoje, tirei essa pressão sobre o futuro, vivo de forma mais leve”, continua.
Cada vez mais mulheres fazem a mesma escolha no Brasil. Nos últimos dois anos, as principais clínicas de reprodução assistida do país registraram aumento de entre 15% e 20% no congelamento de óvulos. A ginecologista Sofia Andrade, delegada do Nordeste na Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, diz que tem crescido a procura não só pelo procedimento em si, mas também pelo conhecimento a respeito.
“É sobre planejamento de vida, as mulheres não querem ficar presas à limitação biológica, porque o modo de vida é outro, mas o relógio biológico é o mesmo. Os próprios profissionais da saúde ficaram mais conscientes sobre o tema e têm conversado sobre as alternativas com as pacientes”, comenta. Da parte prática, Sofia explica que as mulheres nascem com todos os óvulos e vão perdendo eles ao longo da vida. Durante o ciclo menstrual, nosso organismo seleciona apenas um, e os outros são descartados. No total, perdemos cerca de mil óvulos por mês.
Como funciona o congelamento de óvulos?
O primeiro passo é fazer o exame Anti-Mulleriano, que faz a contagem da reserva ovariana, oferecendo uma estimativa do potencial reprodutivo da paciente. Depois, vem o tratamento hormonal, com aplicações diárias na barriga, por meio de “canetas”. “Elas geralmente começam no segundo dia da menstruação e seguem por 10 ou 12 dias. Depois disso, a paciente chega no período fértil. Espera-se, então, entre 36 e 48 horas para fazer a coleta dos óvulos, num centro cirúrgico, com uma agulha”, explica Sofia. No total, tudo dura, em média, duas semanas.
A ginecologista diz que, apesar de envolver exames pré-operatórios e anestesia, o tratamento é pouco invasivo, pois são hormônios que o corpo já produz, em doses maiores.
“Uma paciente que tenha uma boa reserva ovariana, por exemplo, não precisará de uma dosagem alta.”
Os efeitos são similares aos de um ciclo menstrual intenso, com alteração de humor, retenção de líquidos e inchaço. “Minha barriga ficou enorme e eu chorava até com desenho animado”, lembra Mayara. O mais chato para ela, no entanto, foi o acompanhamento médico a cada dois dias, com exames de sangue e ultrassonografias, para identificar o melhor momento para a coleta.
Os médicos também recomendam que não se realize atividades físicas durante o tratamento. Eles afirmam que a taxa de sucesso de uma gravidez futura é de 70% a 75%. E a paciente pode repetir o tratamento quantas vezes quiser. “É possível que ela faça outra coleta já no mês seguinte e vá acumulando óvulos congelados. Não há limite, mas bom senso, porque chega um ponto em que a chance de êxito não vai aumentar”, pondera Sofia.
Quanto custa congelar óvulos?
De acordo com a pesquisa feita por CLAUDIA, o custo médio do congelamento de óvulos em clínicas da região Sudeste do país fica entre R$ 10 mil e R$ 20 mil, no Nordeste é de R$ 8 mil a R$ 15 mil. Em São Paulo, há serviços entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Além disso, há uma taxa anual de manutenção dos óvulos congelados no laboratório, que é de cerca de R$ 1,5 mil.
“Hoje, o acesso ao tratamento é mais fácil, há maior oferta do serviço, e o custo diminuiu, apesar de ainda ser alto para a maioria da população. Mas muitas clínicas já disponibilizam programas de acesso que barateiam o tratamento”, diz Sofia.
Em todo o país, a medicação hormonal, que é aplicada de 10 a 12 dias, varia entre R$ 3 mil e R$ 8 mil. O custo elevado foi um dos fatores que fez com que Roberta Neri optasse por fazer o congelamento apenas uma vez, aos 37 anos. “Meu companheiro tem baixa produção de esperma, ter filhos não é algo imprescindível para nós. Estamos passando um ano nos Estados Unidos e não queria fazer isso com um bebê, por isso fiz o tratamento. Mas demanda muita energia emocional e financeira. Você vai resolver uma questão de saúde e se depara com uma indústria pouco humanizada e super capitalista, tudo custa mais dinheiro”, lamenta ela, hoje aos 39 e ainda sem filhos.
Quem precisa congelar óvulos?
O congelamento de óvulos surgiu como alternativa para mulheres que passariam por tratamentos de quimio ou radioterapia e ficariam com os ovários estéreis. Depois, passou a ser um método de preservação da fertilidade. Para Milena Serianni, 37, representou tudo em sua vida. Quando ela e o marido decidiram ter filhos, foram fazer exames de rotina e ela descobriu um câncer de mama. Aos 32 anos, retirou os dois seios e, antes de começar o tratamento, congelou os óvulos. “O que me deu forças para enfrentar o câncer foi acreditar que eu seria mãe quando passasse por aquilo”, conta ela, que hoje tem Henrique, de 2 anos.
Nilo Frantz, um dos maiores especialistas em reprodução humana do Brasil, médico de Milena, já realiza pesquisas para dar um passo além: o congelamento de ovários. “Se retira um pedaço do ovário em pequenas lâminas e ele é congelado até quando a paciente quiser engravidar. Esse ovário saudável é reimplantado, vai crescer e gerar óvulos. Até mesmo meninas impúberes poderão passar por isso antes de realizar um tratamento oncológico”, celebra o médico.
Além de pacientes com câncer, só há, de fato, uma indicação por razões médicas para o congelamento de óvulos no caso de quem tem histórico familiar ou problema comprovado de infertilidade. “Se a mãe da paciente entrou na menopausa aos 40 e poucos anos, ela também tem chance de uma menopausa precoce. E se uma mulher já tentou engravidar algumas vezes e não conseguiu, o congelamento também é indicado”, explica Ramon Marcelino, endocrinologista especializado em Medicina do Estilo de Vida.
Ele recomenda que mulheres conversem abertamente com os médicos sobre o desejo reprodutivo sempre, dos 16 aos 50 anos.
Congelar ou não? Eis a questão
Os especialistas consultados por CLAUDIA coincidem que o melhor período para congelar óvulos é entre os 30 e 35 anos. Depois disso, as chances de uma gravidez de sucesso lá na frente vão caindo. Uma mulher que faz o procedimento aos 39 anos, por exemplo, tem uma taxa de êxito de 15%. Ramon reconhece, no entanto, que há uma “grande pressão” e até uma “abordagem cruel” sobre as mulheres na oferta desse serviço.
“A coisa do relógio biológico gera muita ansiedade. Mas nem toda mulher de 35 anos precisa congelar óvulos. Você não é um pedaço de carne com etiqueta de validade no mercado. Tenha paciência, não caia na conversa de quem quer congelar os óvulos de todo mundo”, alerta.
Já a ginecologista Lorrainy Rabelo, que recebe em sua clínica pacientes que antes não queriam uma gestação e passaram a desejá-la quando já era biologicamente tarde, recomenda o tratamento mesmo para quem não tem certeza de que quer ser mãe. “Ainda que essa não seja uma opção com garantia, é a alternativa mais segura para uma maior possibilidade de gestação no futuro com o patrimônio genético dessa paciente”, aconselha a médica.
Passados dois anos desde que fez o tratamento, Mayara Azevedo está segura de que tomou a melhor decisão. “Você não paga o seguro do carro pensando em bater ou ser roubada. O congelamento de óvulos segue a mesma lógica, é o meu back-up caso chegue aos 40 sem engravidar naturalmente”, conclui.