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Margaret Thatcher em “The Crown”, Gillian Anderson está irreconhecível

Ela fala a CLAUDIA sobre não se deixar apegar a interpretações anteriores e da relevância de uma mulher no cargo político

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 26 nov 2020, 14h12 - Publicado em 24 nov 2020, 12h30
 (Reprodução/Netflix)
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Entrevistar Gillian Anderson deixaria intimidado qualquer um que, como eu, tivesse acompanhado Arquivo X ou The Fall, séries de sucesso dessa atriz americana nascida em Chicago e criada em Londres. Não bastasse minha ansiedade, o dia da ligação foi marcado por um fato inusitado.

Antes de tudo, talvez seja importante esclarecer como funcionam os bastidores desses eventos de imprensa em tempos de Covid-19, que acontecem pelo Zoom (sim, ele está em todo lugar). Primeiro, jornalistas do mundo inteiro são encaminhados a uma sala virtual, onde recebem instruções do que podem ou não fazer. Depois, um de cada vez é direcionado à sala com a estrela.

O tempo é contado e os avisos são dados pelo chat. Se for imprescindível (só na presença dos rebeldes), eles finalizam a ligação antes mesmo que o profissional se despeça. No meu caso, a experiência, já pouco amigável, piorou quando a empresa municipal de esgoto e água resolveu fazer um conserto na rua em frente à minha casa no exato momento em que Gillian apareceu deslumbrante na tela e disse: “Hello”. Simpática, nos minutos seguintes ela fingiu não se abalar pelo som da britadeira que escapava do meu microfone – depois de muito tentar explicar, aprendi que o nome da máquina em inglês é jackhammer.

Éramos duas mulheres com uma missão, a de conversar sobre o papel de Gillian como Margaret Thatcher na quarta temporada de The Crown, que estreou dia 15 na Netflix. Aliás, é assim mesmo que a primeira-ministra (a primeira mulher a ocupar o cargo), eleita em 1979, é descrita logo na primeira cena em que aparece na série: uma mulher com uma missão.

“American Gods” Press Conference
(Vera Anderson/Getty Images)

Thatcher foi uma vencedora improvável, atacada pelos tradicionalistas pela origem mais simples – nascida em Grantham, pequena cidade a mais de 150 quilômetros de Londres, cresceu ajudando o pai nas duas mercearias da família. Na sociedade machista em que vivia, diziam que o problema dela era ser briguenta e mandona, características que, se atribuídas a um homem, o definiriam como incisivo e determinado.

Thatcher por si só já é uma personagem polêmica. Na série, insiste algumas vezes que, na hora de trabalhar, prefere homens a mulheres. Também faz questão de continuar passando a roupa do marido e de fazer o jantar todas as noites, como se essa função coubesse apenas à esposa.

Gillian está irreconhecível no papel. A transformação inclui perucas variadas com topetes enormes, mas a equipe nega o uso de próteses dentárias ou no rosto, indicando que o queixo protuberante é resultado da atuação detalhada.

Faz sentido, já que, para a atriz, o verdadeiro segredo para convencer as pessoas de que Thatcher está em cena é caprichar na voz. “Ela tinha um timbre e um ritmo de fala muito específicos. Pratiquei até chegar a um ponto em que as pessoas pudessem reconhecer a personagem apenas pela fala, sem o visual estar finalizado”, explicou Gillian. O fato de ter vivido muitos anos em Londres logo na infância e de ter se mudado para lá novamente em 2002 ajudou no sotaque britânico, que é natural para ela.

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Para além da questão física, há outros grandes desafios que a atriz comprou ao assumir o papel. Para começar, a série foi criada por Peter Morgan, seu parceiro desde 2016. Segundo ela, os dois estabeleceram limites bem definidos para que o dia a dia no set desse certo.

Depois vem a questão de Margaret Thatcher ser uma personagem muitíssimo conhecida e real, o que limita, até certo ponto, algumas composições criativas e dramáticas. “Na internet, é possível encontrar registros em vídeos de conferências e entrevistas dela, sem contar a autobiografia fantástica e outros livros. Tive muito material para estudar. Vi, revi, li e reli até acertar o caminhar dela, a forma como posicionava a cabeça ao falar com os outros, seus maneirismos”, lembra Gillian.

Por fim, foi preciso fechar os olhos para atuações anteriores, evitando qualquer impacto em seu trabalho. “Tive que apagar da minha cabeça as versões de atrizes que foram premiadas por essa interpretação”, afirma, rindo, ao se referir a Meryl Streep, que venceu um Oscar por A Dama de Ferro, de 2011.

Gillian diz que nunca teve nenhum tipo de fascínio pela família real e que só foi aprender a fundo sobre eles após The Crown. “Meus pais não estimularam nenhum tipo de adoração por eles, não eram assunto na minha casa. Por isso, pensar se a rainha está vendo ou não também não me aflige. Acho que deve ser mais difícil para os roteiristas, que, apesar de serem muito respeitosos, já devem ter precisado refazer textos”, diz.

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the crown
(Reprodução/Netflix)

Política é outro tema com que Gillian parece não querer se envolver muito. Quando falo sobre só ter sido escolhida uma única mulher primeira-ministra após Thatcher, Theresa May, ela diz que já é um avanço. “Ter tido duas primeiras-ministras, em comparação aos Estados Unidos, por exemplo, que nunca teve uma mulher na Presidência, é uma demonstração de uma caminhada na direção certa”, afirma. “Há um perfil estereotipado dos ministros ingleses. Qualquer um que não seja homem, branco, que não tenha frequentado a escola Eton nem entrado nesse círculo já deve considerar o feito marcante.”

Gillian acredita que, por esse motivo, por se considerar uma exceção, Theresa May compartilhava pouco dos seus planos e estratégias com os colegas, atitude muito criticada nos primeiros meses de governo. “Ainda assim, é muito diferente de Thatcher, que tinha praticamente um fã-clube; alguns colegas comiam em suas mãos. Claro que a oposição era forte, ainda mais para alguém que enfrentava preconceitos simplesmente por ser mulher, mas ela conseguiu encontrar um jeito de lidar”, diz Gillian.

A quarta temporada cobre todo o governo da Dama de Ferro, como era conhecida Thatcher, que durou até 1990. Isso inclui a Guerra das Malvinas, o desaparecimento de seu filho e inúmeras crises econômicas. Há também um embate direto com a rainha, até hoje negado pelo Palácio de Buckingham.

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“Meus pais não estimularam nenhum tipo de adoração pela família real. Pensar se a rainha está vendo ou não também não me aflige”

 

Apesar do protagonismo conquistado em alguns momentos pela personagem, ela não deve retornar em 2022, quando serão disponibilizados os próximos episódios da trama. A demora é por causa da pandemia da Covid-19, que provocou o adiamento das gravações.

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Aliás, a temporada atual escapou por pouco, já que os últimos dias de filmagem coincidiram com o crescimento vertiginoso da doença na Europa, onde a série é gravada. Para Gillian, o encerramento do trabalho e o início da quarentena levaram a uma fase bastante introspectiva, mas não isolada. “Ouvi muitos podcasts para tentar me manter conectada com o que estava acontecendo no mundo. Também dediquei muitas horas aos meus filhos”, conta a mãe de Piper, Oscar e Felix.

Agora, com os espectadores finalmente conhecendo a sua versão de Thatcher, Gillian já pode ficar com o coração mais tranquilo. Afinal, para quem assistir, não restará dúvidas de que a missão dela certamente também foi cumprida.

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