Ana Hikari: “A obrigação dos atores não são as redes sociais”
A atriz fala sobre sua carreira, o levante de artistas amarelos e a participação de influenciadores nas novelas
Nos últimos anos, Ana Hikari tem se destacado em trabalhos que mostram sua versatilidade. Após ganhar reconhecimento com a personagem Tina em Malhação: Viva a Diferença, a atriz acaba de entregar sua primeira vilã, Mila, em Família é Tudo. Agora, está prestes a dar vida a Julia na série Amor da Minha Vida, que estreia na Disney+ em 22 de novembro.
Sua atuação sensível e intensa trouxe um novo nível de profundidade aos papéis, conquistando o público e a crítica. Além do sucesso na televisão, Ana expandiu sua carreira para as plataformas digitais, como o Instagram e o podcast Clube do Erro – sempre buscando projetos que promovem a representatividade e abordam questões de relevância social.
Esse trabalho multiplataforma reforça o compromisso de usar sua visibilidade para amplificar vozes. Em dezembro, a estrela completa 30 anos com o desejo de se aprofundar no cinema nacional. “Seria a grande realização de um sonho poder trabalhar com grandes cineastas brasileiros”, diz a CLAUDIA.
Abaixo, confira a entrevista completa:
Esse ano você interpretou Mila, sua primeira vilã. Como foi a experiência?
O grande desafio do vilão geralmente é entender as motivações dele e encontrar seu carisma. É como foi com Félix, em Amor à Vida. O vilão fala coisas horríveis – e eu discordava completamente com a Mila. Mas ele precisa cativar o público, por mais que esteja dizendo atrocidades.
O ator é a profissão mais empática do mundo. A gente tem que entender e se colocar, literalmente, na pele de alguém que não concordamos para conseguir trazer honestidade na interpretação.
Na série “Amor da Minha Vida”, você encara Julia. Como ela é?
Diferente dos outros papéis, ela é muito romântica. A série trata de desilusões amorosas, então todas as personagens sofrem um pouco. A Júlia vai representar a desilusão do primeiro amor. Isso é bonito porque falar de amor para uma geração que vive romances fluidos, que vem e vão, é muito legal.
O que significa amor para você?
Recentemente me compararam com a Charlotte, da série Sex and the City. Eu fiquei ofendidíssima porque, para mim, ela é a mais careta – tem toda essa relação com o casamento e com a monogamia que eu não tenho. Mas depois fiquei em paz com essa observação porque ela é a que mais acredita no amor.
E, ao contrário do que as pessoas pensam, eu acredito muito no amor – ainda que a não-monogamia seja a minha maneira, hoje, de ver as estruturas de relações. Quanto mais afeto, respeito, diálogo, e honestidade, melhor é.
Além de atriz, você também apresenta um podcast. Como você percebe esses novos jeitos de comunicação?
Uma grande virada de chavinha na minha carreira foi entender que eu era uma das poucas atrizes racializadas da televisão. E que isso, infelizmente, significava que as pessoas olhariam para mim com um certo preconceito. Minha maneira de responder e tomar a narrativa para mim foi a partir da ampliação da minha voz, de dizer quem eu era – negando tudo aquilo que eles esperariam que eu fosse a partir desses estigmas raciais.
Quando entendi a potência disso, comecei a utilizar cada vez mais as redes sociais. Agora cheguei no podcast e tem sido uma grande descoberta. A gente cria uma relação muito íntima com os ouvintes. É uma forma de eu me tornar uma pessoa única e das pessoas lembrarem de mim não só pelos meus personagens.
Estamos vivendo uma discussão sobre artistas precisarem de seguidores e influencers serem uma escolha no meio da televisão e do entretenimento. Como você percebe esse tema?
Entendo que a minha plataforma é uma potência de comunicação com o meu público para me trazer subjetividade e que as redes sociais simplificam diálogos e debates sobre questões que, para mim, são muito caras, como a pauta feminista, os direitos das mulheres, questões LGBTQIA + e debates raciais. Hoje, tenho um milhão de seguidores no Instagram por conta do meu trabalho na televisão aberta. E aí acho um desperdício não utilizar essa plataforma para disseminar meus conhecimentos. Mas é super válido pontuar que a obrigação dos atores não são as redes sociais. Nosso ofício não é a rede social.
Meu ofício é decupar o texto, anotar emoções, colar figuras e imagens de referência para a minha personagem e anotar músicas que ajudem a me emocionar em uma cena. É isso que a gente tem que respeitar, honrar e seguir fazendo, independente do que aconteça. O que estamos fazendo é provocar os produtores e os diretores a seguir escolhendo qualidade, e não quantidade.
Esse ano tivemos um “levante” de atores asiáticos. A pauta ficou muito em alta e se refletiu em grandes produções internacionais. Como isso começou?
Os movimentos sociais raciais têm se mobilizado profundamente. Desde 2020, vimos uma crescente por causa da Covid 19, que deixou explícito o quanto essa violência existia. Eu, por exemplo, fui verbalmente agredida no meio do Carnaval, outra pessoa que conheço passou por uma situação de terem jogado álcool em gel no rosto dentro do trabalho, por ela ser asiática. Pessoas asiáticas também eram obrigadas a subir no elevador separadamente.
A violência pode ter se agravado naquela época, mas há registros históricos marcados da década de 30. Na Constituinte, deputados tentaram argumentar a favor da proibição da imigração negra e amarela com o argumento de que eles eram esteticamente desagradáveis para o país.
Quais foram os resultados dessa discussão?
Viemos de uma sequência de premiações muito lindas. Desde Parasita, passando por Tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Com prêmios para melhor atriz e melhor ator no ano passado, ambos amarelos. Também tivemos o curta Amarela, em Cannes, e Shogun, uma produção com investimento altíssimo. Isso é fruto da globalização, da necessidade do mercado de entender que o mundo é diverso e da mobilização social.
Eu acho que uma das coisas mais próximas de mim que eu digo que me deixa feliz dentro desse movimento é eu ter passado o bastão da novela 19h como a única personagem amarela fixa no elenco para uma novela como Volta Por Cima, com personagens asiáticos diversos que estão colocando discussões que são super pertinentes para nós. É daí para mais!
No fim de 2024 você completa 30 anos! Qual é seu principal desejo?
O meu grande desejo é, profissionalmente, entrar para o de cinema nacional e internacional. Esse sempre foi um objetivo porque cresci com Walter Salles, Anna Muylaert, entre outros diretores incríveis. Eles são minha referência desde pequenininha – meu pai me levava para festivais de cinema no bebê conforto. Seria a grande realização de um sonho poder trabalhar com esses grandes cineastas.
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