Do malte ao copo: Francesca Sanci lança guia sobre os caminhos da cerveja
Em 'O livro da cerveja', sua obra recém-lançada, a sommelière traz explicações didáticas para iniciantes e iniciados nos assuntos cervejeiros
“Informação de forma prática, objetiva, direta e sem ‘fru-fru’”, é com essa promessa que a sommelière Francesca Sanci está lançando O livro da cerveja (Intrínseca, R$ 99,90), que se apresenta como um guia para explorar esse universo saboroso, mas também tão complexo. E é com excelência que a carioca cumpre a proposta em sua obra de estreia.
Formada em gastronomia, Francesca teve seu primeiro contato com cervejas especiais durante a faculdade. Entretanto, como boa carioca, foi em um bar da Praça da Bandeira, bairro do Rio de Janeiro, que a paixão pelo assunto aflorou.
“Lembro de duas ocasiões muito específicas de me maravilhar com os aromas e sabores que eu encontrava naquelas cervejas coloridas ao lado de amigos queridos. Foi dali que meu interesse surgiu. Comecei a comprar livros e rótulos em uma loja do meu bairro, na qual eu viria trabalhar dois anos depois”, relembra. Logo depois desse acontecimento, Francesca se formou sommelière de cervejas pelo Instituto Science of Beer, instituição na qual hoje atua como professora.
Assunto de mulher
É fato: além do vinho, as mulheres também têm atuado de forma intensa nos setores que envolvem a cerveja. Em uma pesquisa do início de 2022 feita pela empresa de dados Kantar, foi apontado que as mulheres das classes A e B, de 40 a 49 anos, foram as principais responsáveis pela alta de 27% no número de consumidores da bebida no terceiro trimestre de 2021 no Brasil, em comparação ao mesmo período de 2019.
Por outro lado, os homens que fazem parte das mesmas faixa etária e classe social foram responsáveis pela queda na frequência, que caiu 42%.
“Esse interesse e trabalho feminino no mercado cervejeiro surgiu bem antes de mim. Hoje temos grandes nomes da cerveja que influenciaram diversas mulheres, como eu e também profissionais como a Amanda Reitenbach, Cilene Saorin, Kathia Zanatta e Kátia Jorge”, cita Francesca.
“Na minha turma de sommelier, em 2015, havia apenas cinco mulheres – isso em uma turma de 30 pessoas. Hoje, as turmas dos cursos conseguem ter pelo menos 30% do público feminino, que ainda é pouco, mas um movimento que tende a aumentar. Existe uma união feminina pelas redes sociais para fortalecer o trabalho de mulheres que desejam adentrar e crescer no mercado”, pontua com otimismo.
O livro da cerveja
Foram dois anos de pesquisas até chegar ao momento da publicação da obra. Uma das principais preocupações da autora era apresentar um livro de abordagem mais prática e descomplicada. “Sempre pensei em escrever um livro, mas não imaginava que seria tão cedo”, conta a jovem de 28 anos. “Temos no mercado diversas publicações muito boas sobre cerveja, de escritores nacionais e internacionais reconhecidos, mas são todos muito longos e, muitas vezes, com linguagem complexa. Escrever um livro que tivesse uma abordagem lúdica foi algo que me deixou bem feliz, visto que não temos nada do gênero referente a cerveja no mercado hoje.”
Ao longo de 272 páginas, Francesca discorre sobre todos os tópicos necessários para entender a bebida, desde a cevada até o momento da harmonização. Além das explicações detalhadas, o guia facilita o entendimento ao apresentar um texto acompanhado por ilustrações e infográficos coloridos, assinados pelos designers Alexandre Lucas e Renata Steffen.
“O guia de estilos, por exemplo, apresenta as características bases de cada um e é separado por cor. Digamos que você deseja conhecer mais sobre cervejas claras, mas gostaria de algo mais alcoólico e complexo. Basta fazer uma busca no guia e procurar através do ABV (teor alcoólico) e roda de aromas e corpo. Se gostaria de conhecer cervejas escuras e mais adocicadas, basta comparar dulçor, amargor e acidez”, exemplifica sobre alguns dos gráficos apresentados no livro.
“O objetivo do livro é amplo, sendo um guia para iniciantes e iniciados. Minha maior expectativa com ele é ver que pessoas conseguiram ter novas experiências utilizando-o como base para comprar uma boa cerveja e aproveitar com os amigos”
Francesca Sanci
Já para quem tem conhecimento sobre a bebida, a publicação vem com a proposta de ser um livro de consulta, daqueles que você utiliza para relembrar informações, processos e características das cervejas e também descobrir e consultar harmonizações e combinações ideais.
As escolas cervejeiras e o Brasil como parte dos novos movimentos
Em um dos capítulos, Francesca se dedica a abordar os territórios cervejeiros pelo mundo, incluindo as escolas tradicionais e os novos movimentos – lugares onde a bebida foi se popularizando mais tardiamente, como Brasil, Itália e Japão.
Conforme consta na publicação, são chamadas de escolas cervejeiras as principais regiões do mundo que começaram a produzir a bebida, nas quais ela é parte intrínseca da cultura (a exemplo da escola britânica, germânica e belga). Hoje, outras regiões buscam a própria identidade cervejeira, mas as principais escolas continuam tendo grande influência.
“A cerveja não se resume a países específicos. As escolas tradicionais são aquelas que ou têm cerveja como algo histórico e intrínseco na cultura por séculos ou desenvolveram em poucos anos um ‘império’ de tecnologia, cultura e produtos, como é o caso dos Estados Unidos”, exemplifica. “No caso do Brasil, por exemplo, seguimos muito as tendências norte-americanas. Hoje temos mais de mil cervejarias pelo país e, por mais que esse movimento tenha surgido há mais de 20 anos, ainda é considerado recente, pois não conseguimos atingir uma estabilidade em questões produtivas e comerciais”, explica.
Francesca aponta que uma das dificuldades de alavancar o setor da cerveja artesanal por aqui é justamente o preço que o produto chega ao mercado. “É um grande desafio para as micro-cervejarias, que possuem altos custos de produção aliados aos impostos e, consequentemente, para aqueles que gostariam de consumir esse produto.”
O que caracteriza uma boa cerveja?
Segundo a autora, uma boa cerveja é um produto sem os chamados off-flavors (defeitos de produção) e que tenha equilíbrio de acordo com o estilo base. “Quando você compra uma American IPA, você espera uma cerveja com certos aromas e sabores. Uma boa American IPA é aquela que apresenta aquilo que você espera dela. Se a cerveja não tiver um estilo definido, uma boa cerveja continua sendo aquela sem defeitos, mas que tenha equilíbrio e seja agradável ao paladar.”
Aprendendo a degustar uma cerveja especial
Quem busca saber quantos tipos de cervejas existem por aí, Francesca já adianta que esse é um assunto complexo. “O que posso adiantar é que temos mais de 60 estilos diferentes catalogados em guias internacionais, além de diversos outros que não são classificados. Dentro deles, encontramos cervejas que variam de uma cor amarelo palha, âmbar e até preto opaco”, explica.
Outro fato interessante esclarecido pela sommelière, é que a coloração não significa intensidade da bebida. Então, dentro desses estilos é possível encontrar cervejas com corpo baixo, médio ou alto, teor alcoólico de 3% a 12% e aromas muito diversos.
Francesca indica alguns estilos para quem quer começar a se aventurar na degustação de diferentes estilos e explorar variedades, o que ajuda no entendimento de qual tipo de cerveja mais agrada seu paladar:
- German Pils
- Weissbier
- Tripel ou Belgian Strong Golden Ale
- English Pale Ale ou American Pale Ale
- Vienna Lager
- Dry Stout
Como harmonizar cervejas especiais?
Após degustar os estilos sugeridos acima por Francesca, o próximo passo é se aventurar pela gastronomia. Para começar a treinar o paladar, ela indica as seguintes harmonizações:
- Camarão salteado no alho e óleo com German Pils (exemplo de marca: Tarantino Pils)
- Bolinho de Bacalhau com Belgian Strong Golden Ale (exemplo de marca: Duvel)
- Entrecot grelhado com Vienna Lager (exemplo de marca: Eisenbahn Vienna Lager)
- Bolo de cenoura com English Pale Ale (exemplo de marca: Sierra Nevada)
- Romeu e Julieta com Dry Stout (exemplo de marca: Guiness)