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Diário De Uma Quarentener Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Não fosse Gilberto Gil, sabe-se lá que nome eu teria

Nossa colunista Juliana Borges conta a sua história de vida com o aniversariante desta sexta-feira, o grande Gilberto Gil

Por Juliana Borges
26 jun 2020, 21h33
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  • São Paulo, 26 de junho de 2020

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    “Juliana, era você que estava na roda com João?”, era assim que meu bisavô me recebia e cumprimentava quando nos víamos. Eu não entendia muito bem quando pequena, até que, lá pelos meus 8 anos, escutei Domingo no parque. Em um primeiro momento, fiquei surpresa. “Uma música com o meu nome!”, depois fiquei intrigada com a história. Não me contentei em escutar apenas uma vez. Foram duas, três, quatro, cinco vezes. Dancei pelo quarto, ri porque a música tinha o nome do meu bisavô, João, e do meu tio-avô, que eu tanto amava, José. A música só podia ser sobre nós. “Puxa, o moço escreveu para mim e para meu biso e vô Zeca!”.

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    Devo ter ficado alguns dias escutando aquela música todos os dias. Quase riscando o LP, que minha mãe sempre pedia para eu tomar cuidado. Queria saber mais que voz era aquela, que já gostava tanto de escutar. “Mãe, a música é por causa do meu biso, do vô Zeca e de mim?”, perguntei toda orgulhosa. “É o contrário. Seu nome é esse por causa da música. E por causa de uma abelhinha em um comercial, que sua avó gostava muito e chamava Juliana”. “Então, eu chamo Juliana por causa desse moço cantando?”, “Por causa do Gilberto Gil”. “Quê?”, perguntei. “O nome dele é Gilberto Gil”. Eu lembro que ri do “Gil”, achei graça em nome tão pequeno de sobrenome.

    “Foi no parque que ele avistou/ Juliana foi que ele viu/ Foi que ele viu!/ Juliana na roda com João/ Uma rosa e um sorvete na mão/ Juliana seu sonho, uma ilusão/ Juliana e o amigo João”. Daí eu entendi o porquê da pergunta constante de meu biso. E passei a sorrir entendendo a poesia da pergunta. Mas só lá para os 15 que eu fui entender toda a história contada na música. Em uma aula de Artes, na qual fizemos um trabalho sobre Música Popular Brasileira. A professora introduziu a aula falando sobre a ditadura militar no Brasil, sobre ter escapado por pouco de ser presa, já que seus pais se anteciparam e esconderam todos os seus livros, considerados subversivos pela repressão, e a enviado para o interior do estado. Me lembro até hoje do silêncio na sala de aula. A professora que achávamos tão fofinha, com suas roupas em tons pasteis, voz calma e sorriso de conforto, tinha sido considerada uma subversiva. Após nos dividir em grupos e explicar como cada um estudaria um aspecto e período da música brasileira, fomos ao sorteio. Meu grupo, que era sempre formado pelos mesmos amigos e amigas, torceu como nunca para ter sorteado o período dos anos de 1960. E que sorte demos. Acho que esse foi um dos trabalhos escolares que mais me motivaram. O segundo foi um sobre partidos políticos no Brasil, lá pelo antigo segundo colegial.

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    A professora selecionou algumas questões para as quais deveríamos nos debruçar mais sobre o período, indicou textos e discos para escutar. Ficamos uma semana ocupando o grêmio estudantil, escutando aquelas canções várias e várias vezes, buscando analisá-las, aprendendo sobre processo de composição, sobre ritmo, verso, rima. E ali, eu entendi toda a complexa teia que envolvia a canção que, até então, só era a motivação para o meu nome. O marco que significava a gravação, junto aos Mutantes, com guitarras – em um momento de questionamentos do uso da guitarra elétrica na música brasileira –, o berimbau, o erudito, a rima, o verso, a história e o impacto na música popular brasileira. E com 15 anos, eu decidi mergulhar pelo universo de Gilberto Gil, que acabou se tornando um dos compositores e pensadores que eu mais amo na música brasileira.

    Com Questão de ordem dei o primeiro beijo em um garoto que eu gostava, no grêmio da escola, em um espacinho de tempo que a turma foi comprar lanches, enquanto preparávamos a nossa apresentação para o trabalho. Eu sempre choro com Drão, não importa o quão ensolarado possa estar o dia; e eu sempre fico confusa entre sentir felicidade e ficar reflexiva quando escuto Aquele abraço, já que Gil a compôs em um período de perseguição. Back in Bahia sempre me faz transcender e Realce me faz querer dançar. “Não adianta nem me abandonar/ Porque mistério sempre há de pintar por aí…” e acho que Esotérico me define, e talvez muitos amigos concordem comigo. Punk da periferia era a música que eu e meus amigos sempre escutávamos quando encontrávamos um outro amigo, morador da Freguesia do Ó. Eu já fiquei um mês inteiro escutando apenas o acústico para a MTV gravado por Gil e se, hoje, eu gosto de ouvir reggae vez ou outra e conheço Bob Marley, foi graças ao Seu Gilberto. E com Tempo rei eu aprendi, e reaprendo, que viver é contínua transformação.

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    Com Gilberto Gil também aprendo sobre a importância da cultura como espaço do saber, da reflexão e da produção intelectual, de uma outra proposta de mundo que pode ser gestada nesse espaço; que a gente pode fazer uma super reflexão, mas perceber, no meio da fala, que tudo pode não ser e dar a oportunidade para que o outro não concorde e que se expresse. E tudo bem. Só agradecimento por essa genialidade entre nós.

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    Vida longa a Gilberto Gil!

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