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O que foi o burnout pra mim?

Executiva relata situações abusivas, como ser chamada de vaca, e sintomas como dor no peito, sonolência, diarreia e "brancos"

Por Cláudia Campos
Atualizado em 29 jul 2019, 20h04 - Publicado em 29 jul 2019, 20h02
Burnout
 (nadia_bormotova/Getty Images)
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“O burnout foi a situação mais próxima da morte que passei ao longo da vida. Dois anos em um estado parecido com coma, mesmo falando, interagindo. A maioria das vezes estava totalmente anestesiada.

Tudo começou com um apagão.

Vivia regulamente passando no ambulatório da empresa. Cada dia era uma queixa diferente. Na minha última consulta, pedi ao médico da empresa que me fizesse um checkup, pois havia alguma coisa muita errada com meu organismo. Nada funcionava direito. Estava havia quatro meses com diarreia. Uma fotofobia insuportável. Não aguentava ficar na claridade. Depois do almoço, trabalhava numa salinha no escuro. Toda hora tinha dificuldade para respirar, muita dor no peito. Sono incontrolável, a cabeça pesava, e as pálpebras então? Brancos vexatórios. Para acompanhar as reuniões, precisava escrever o que queria perguntar, pois num segundo esquecia.

Estava ali, diante do médico, relatando tudo para que ele pudesse pedir exames adequados. Ele falou que eu precisava ser afastada, que o meu caso era um quadro de stress, mas que para tal licença eu precisava ir ao meu médico particular.

Não entendi muito bem esse procedimento. Também não deu tempo. No dia seguinte, desmaiei dentro de uma salinha da empresa. E voltamos ao começo da narrativa.

Foram vários momentos de altos e baixos. Percebia as pessoas à minha volta, mas não acordava, não me mexia por horas. Quando recebia uma visita, percebia a cara de espanto, falava com a voz arrastada “tá tudo bem” e virava pro outro lado e dormia. Lembro do meu marido me apertando o pulso e vendo se eu estava respirando. Sentia tudo, mas não conseguia me mexer ou abrir os olhos. Mais de uma vez, fui encontrada desmaiada. Numa dessas fui acordar na banheira, com meu filho dentro. Dei muitos sustos e muito trabalho.

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Fui internada. Passei por vários exames. E o resultado foi esse tal de burnout.

Minha família foi guerreira e os médicos que passaram a me tratar depois da internação também foram muito dedicados. Não sossegaram enquanto não me colocaram de pé. Passei por várias fases. Primeiro, o objetivo era que eu conseguisse sair do quarto. Depois, que eu passasse um dia inteiro acordada. Demorou, mas conseguimos. E vibramos por isso. E como vibramos. É impressionante como é difícil reaprender coisas simples, que já faziam parte do meu piloto automático.

Recebia mensagens de WhatsApp e não conseguia enxergar o que estava escrito. Até a luz do celular me incomodava. Telefone, não queria atender. Faltava força pra falar. Perdia totalmente a respiração e também não tinha vontade de interagir com ninguém. Minha filha, que mora em outro estado, teve que vir pessoalmente, pois não havia quem me fizesse atender o telefone.

Mas o mundo não pára porque você não está bem. Para alguns, a síndrome de burnout pareceu, na época, um grande engodo, e eu, uma farsante. Era acionada pela empresa, constantemente. Vinte dias depois do desmaio, tive que forçosamente ir a uma reunião. Entregar relatórios, inúmeros relatórios. Ah! Esse foi um trauma que fiquei por muito tempo. O telefone não podia tocar, que eu caia no choro.

Todo esse cenário me causou mais recaídas, stress pós-traumático, e me afundava em depressão. Ímpetos de suicídio. Não conseguia melhorar. Queria paz, queria só descansar.

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Minha família interviu seriamente. Ainda mais depois que souberam de tudo que estava, como posso dizer… dentro dos muros. A psiquiatra conduziu-me a um relato levantando minhas queixas, traumas, pesadelos.  Todos eram relacionados ao cotidiano corporativo. Essa constatação deixou-me envergonhada! Senti-me igual às mulheres que sofrem violência doméstica e acham que é normal, não conseguem encontrar uma saída, têm vergonha de contar para alguém, passam maquiagem para esconder os hematomas.

Assim era eu, escondendo minhas dores com um sorriso no rosto, com fala firme, sempre achando que, entregando resultados, uma hora chegaria o reconhecimento, mas o que me aconteceu, na realidade, foram sucessivas situações abusivas.

Algumas vezes, a pressão do trabalho vem mascarada com agressão. Alguns episódios narrados na minha consulta:

Uma vez, num evento em Orlando, um executivo me sacudiu pelo braço, na presença de outras pessoas, em pleno jantar, porque foi contrariado. Levei um susto. Não sabia como reagir. Lógico que impus limites e não saí do salto. Toquei o evento até o fim, mas desabei ao chegar ao meu quarto. Sozinha. Era um jantar de final de ano. Todos acompanhados com seus devidos parceiros. No dia seguinte, morri de vergonha de sair do quarto, de voltar no mesmo avião. Fazia cara de que nada tinha acontecido, que eu era forte e elegante, mas estava profundamente machucada.

Ao realizar um evento, fui enviada a uma viagem ao exterior junto com outros executivos. Todos foram de classe executiva. Eu, a única mulher, fui de classe econômica. Não tenho nenhum problema em viajar de econômica, mas a discriminação tão explícita me deixou bem humilhada.

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Em outra ocasião, tive que parar o show dos Titãs, pois o vice-presidente estrangeiro não conhecia a banda e veio aos berros pedindo para parar. Não deu tempo nem de ir nos bastidores. Precisei pedir para interromper na frente de 400 pessoas. Situação humilhante para a banda e absurdamente constrangedora e estressante pra mim.

Tem mais e mais.

Já fui xingada de vaca pela esposa de um diretor e ficou por isso mesmo. O motivo? Na volta da viagem deles de férias, estavam com problemas de assento no voo. Como não conseguiram falar com a agência de viagens, resolveram ligar pra mim. E eu cometi o crime de não atender. Na minha caixa postal tinha tudo quanto era desaforo.

Ganhei prêmios de trabalhos que realizei e não pude participar.

E aqui, nesta narrativa, minha intenção é despertar o sinal amarelo piscante! E bem forte! Pois vamos superando situações como essas e amordaçando nossas dores. Mas o corpo não aguenta para sempre.

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E depois? Depois, você é só um número riscado. Se a empresa te vira as costas e desclassifica a sua doença, a maioria segue o rumo. A maledicência é o diagnóstico para as doenças invisíveis. Nesse coma que vivi, também enxerguei meus erros, o quanto estava contaminada com vícios que repetia, sem reflexão.

A fase clínica demorou muito a passar. Os remédios são muitos e bem caros. E sigo tomando. Por ficar sem emprego, enfrentei muitas dificuldades, mas como só dormia, foram os amigos (aqueles de verdade) e minha família que me supriram de tudo. Dormia por dias e noites, os sintomas são muitos. E, apesar das melhoras, vinham as recaídas. A fibromialgia passou a ser outra companheira assídua.

Hoje, consigo falar a respeito… e quantos não tiveram essa oportunidade? Quantos foram incompreendidos pela falta de informação ou por não saber como lidar? Quero dar voz a tantos que precisam externar para tratarmos disso abertamente.

Como o próprio termo explica, burnout é derivado de um jargão inglês que significa “aquilo que deixou de funcionar por absoluta falta de energia”. Os primeiros estudos foram feitos em 1953, mas somente na década de 80 foram se intensificando e apenas em 2019 a OMS reconheceu a síndrome como um fenômeno ocupacional. Isso foi um passo muito importante, abrindo as portas para o entendimento sobre a doença. Mesmo assim, existe um abismo entre a necessidade das pessoas e a falta de preparo dos profissionais em todas as frentes, diante de doenças psicossociais.

Recursos Humanos, Jurídicos e até mesmo médicos. O início do tratamento adequado começa com um diagnóstico correto. Até amigos e familiares bem intencionados erram. A piores coisas que ouvia:

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  • Você é forte, precisa reagir.
  • Vamos, vida que segue.
  • Você vai superar.

Outro sinal amarelo piscante: ninguém cura por torcida. Serão necessários remédios. Nem sempre se acerta da primeira vez. Terapia é tempo e isso será de acordo com a gravidade do caso. Aí vem o lado bom da vida: a clareza, o desapego, os novos filtros. Dar um control+Del  e começar a escolher o que faz sentido, o que te faz esquecer os traumas. Comecei a plantar, a fazer arranjos. Também me envolver mais em causas sociais.

Vivia numa bolha, nunca tinha andado de CPTM, por exemplo, não tinha tempo para conversar com uma vizinha. Saía com a minha mãe sempre apressada, e a coitadinha que tem dificuldade de andar.

Outro dia, conheci Dona Guiomar no metrô. 91 anos. Estava indo pra Santos, logo pra minha terra! Toda pequeninha, delicadinha e muito saudável. Uma moça estava explicando como ela deveria fazer a baldeação. Logo me ofereci para ajudar. Fomos batendo um papo tão gostoso. Mas percebi que levei Dona Guiomar para o lado errado. Fomos parar na Sé. Rimos muito, mas o papo estava tão bom… Não teve nenhum stress, acertamos o rumo e eu já tinha uma coisa para contar em casa.

E assim vem sendo minha recuperação, um dia de cada vez. Procurando prazer e leveza e dando muito valor e propósito à vida.”

A executiva CLÁUDIA CAMPOS é autora do livro “Não Sou Mulher Maravilha“.

+ Podcast: A jornalista Izabella Camargo conta sua história no podcast Senta Lá, CLAUDIA

 

 

 

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