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Autora do sucesso "Primeiro Eu Tive que Morrer", Lorena Portela é cearense, escritora e jornalista. Vive em Londres, mas a cabeça mora aqui, no Brasil.
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O dia em que a gentileza me manteve de pé e minha lista de um só desejo

Não consigo desejar outra coisa para 2024 além de um mundo mais gentil

Por Lorena Portela
6 jan 2024, 08h54

Listas de desejos e metas de fim de ano são um negócio que vai diminuindo com o passar da idade, e os motivos são muitos: a queda drástica do romantismo com a data, o cansaço precoce com o ano que se inicia, o autoconhecimento que te encosta na frente do espelho e te exige um choque de autocrítica ou apenas a benção da praticidade que o passar do tempo nos traz. 

Eis que, juntando tudo isso num balaio, me dei conta que sobrou apenas um desejo na lista do que eu quero pra 2024, coletivamente falando, mas antes de dizer o que é, preciso contar uma história. 

Pois bem.

Em 2021 dei uma entrevista para o Bom dia, Obvious, podcast da grandona Marcela Ceribelli, que foi ao ar no dia 08 de Março, Dia Internacional da Mulher – a data foi pura coincidência e me deixou muito feliz.

O episódio foi um sucesso e um dos eventos mais frutíferos para o que eu chamo de segunda onda do meu 1º livro. Até hoje muita gente me aborda por conta do programa. Acontece que, pra quem não sabe, eu publiquei o Primeiro Eu Tive Que Morrer inicialmente de forma independente, no esquema: eu resolvendo tudo – gráfica, financeiro, divulgação – daqui de Londres, onde moro, e Rafaela, em Fortaleza, aprovando impressão e despachando caixas de livros nos Correios.

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Estava dando tudo certo até então, mas nos dias que se seguiram ao ep da Obvious, meu sistema (vulgo, eu e Rafaela) colapsou. Eram muitos pedidos, muitas compras, muita demanda (ainda bem!). Só alegria, ou quase.

Meu pai morreu exatamente uma semana depois do podcast ir ao ar, sete dias cravados. E eu não sei se perder um pai é igual pra todo mundo, mas pra mim foi assim: eu não levantei da cama por três dias, literalmente, a não ser para ir ao banheiro.

Era meu marido quem me trazia água, comida (pouca) e que um dia abriu a janela do quarto porque nem isso eu queria ver: o céu de um mundo sem o meu pai. Matt também me trazia remédios para dormir, porque o choro constante me causava muita dor de cabeça, e, para além disso, eu lutava contra o sono por medo de adormecer, esquecer que meu pai havia morrido, acordar e ter que reviver tudo de novo. E mesmo sob efeitos de remédio, eu não conseguia dormir mais de 2h seguidas, acordando aos sobressaltos. 

Era esse o meu estado, só que pior.

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E então, obviamente, eu e Rafaela paramos de trabalhar. Os pedidos de livro já acumulados se embolaram, gráfica atrasada, entrega atrasada. Eu sem checar mensagens no Whatsapp ou no Instagram.

Tudo parado até o dia em que, ainda longe de estar pronta, levantei pra tomar banho, trabalhar, retomar a rotina de autora independente que vende seu livro sozinha, se divulga, atende cliente.

Diante do computador, eu tremia diante de um medo muito específico: lidar com reclamações grosseiras sobre os prazos perdidos, os pedidos não confirmados, os pagamentos que não deram certo, os livros que não chegavam. Porque não sei como meu cérebro, engenhosamente, projetou que eu havia fracassado, que eu era fraca demais por não ter levantado da cama e não ter dado conta das minhas obrigações, apesar de estar toda esburacada.

Que eu havia sonhado uma vida inteira com um livro que muita gente quisesse ler e que aquele sonho estava finalmente acontecendo e eu estava deitada na cama chorando e as leitoras não tinham nada com isso e, sim, se quisessem me xingar, eu teria que aguentar, sendo que eu não aguentava nem a água caindo no meu corpo enquanto eu tomava banho. 

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Comecei a abrir os e-mails, as mensagens de Instagram, no WhatsApp, taquicardia muita e o que eu vi foi uma sequência de gente muito educada, pessoas me cobrando o pedido com certa brandura, perguntas corteses, muita compreensão.

“Oi, tudo bem, fiz um pedido do livro faz 7 dias e ainda não recebi confirmação, tem como conferir?” e coisas do tipo. Quando comecei a responder, um por um, dizendo que as ordens levariam um pouco mais de tempo do que o normal, recebia de volta: “Sem problemas, sem pressa, fica tranquila”.

Um detalhe importantíssimo: ninguém sabia que estava falando diretamente comigo, nem muito menos que meu pai tinha morrido – um assunto que eu só consegui falar nas redes sociais 1 ano depois.

A onda de gentileza que veio de graça quando abri meus e-mails foi determinante para que eu continuasse fazendo o que fiz. Na absoluta fragilidade de um estado psicológico que jamais teria volta, o do luto, acredito que não eu continuaria o que eu estava fazendo se tivesse que ter lidado com o oposto: xingamentos, cobranças raivosas e reclamações grosseiras, ainda que tivessem suas razões.

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Foi o trabalho que me fez levantar da cama, mas foi a gentileza das clientes que me empurrou pra frente.

Daí que, com isso em mente, não consigo desejar outra coisa para 2024 além de um mundo mais gentil e aqui eu me incluo. Só isso. Gentileza no trato, na fala, nos gestos, nas mensagens.

Gente grosseira é a coisa mais cafona que existe, pode reparar. A gente sabe que dá pra cobrar direitos sendo cortês. Dá pra ser assertivo sendo educada. Dá pra reclamar sem ser uma boçal, até brigar sem ser um bosta tem como. Dá pra discutir sem humilhar.

Também lembrar que ser gentil não é ser otário ou besta como querem enfiar na nossa cabeça. Sempre que precisar endurecer, não ter medo de fazê-lo, ser corajosa, sempre, fazer um estrondo se precisar, pero sin perder la ternura

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O mundo tá uma bagunça generalizada, as redes sociais são um cartão verde em neon para a baixaria, um convite tentador para a escrotidão impune, somos uma sociedade em que todo mundo pode ser agressivo à vontade, até sem motivo.

Mas a gentileza importa e transforma, custa pouco e rende muito.

Delicadeza, cortesia, atenção, afabilidade, use o sinônimo que quiser e vamos nessa. Um 2024 menos cafona e mais legal pra gente.

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