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Ana Claudia Paixão

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A jornalista Ana Claudia Paixão (@anaclaudia.paixao21) fala de filmes, séries e histórias de Hollywood

A honra das mulheres, o tapa e a grande questão da festa do Oscar

O tapa era previsível em vários aspectos, metaforicamente desejado por muitos e muitas, mas errado por ser uma agressão física

Por Ana Claudia Paixão
1 abr 2022, 09h57
Will Smith e Jada Pinkett Smith vivem relacionamento aberto.
Will Smith e Jada Pinkett Smith.  (Lionel Hahn/Getty Images)
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Para quem assistiu ao vivo a cerimônia do Oscar esse ano provavelmente ficou na dúvida quando Will Smith subiu ao palco para interromper Chris Rock. Pensamos que era algo ensaiado entre eles, mas minha irmã logo gritou ao meu lado: “Xi!, o Will vai bater no Chris!”, retruquei um “Imagina!” ao mesmo tempo que ouvimos o inegável áudio de um tapa na cara. Todos odeiam Chris, mas ficamos tão atônitos como o comediante. Aconteceu mesmo, e os palavrões que se seguiram, gritados pelo ator já sentado na primeira fila, comprovaram que a cena era real. (E depois não entendem o apelo e vício da TV ao vivo).

O drama que presenciamos, e que marcou a trajetória de quase 95 anos de premiação, reflete tantos problemas atuais que seria impossível chegar a um consenso. No coração de tudo estava uma mulher, Jada Pinkett Smith, esposa de Will, cujos problemas de saúde foram compartilhados com milhões ao assumir que optou por raspar o cabelo por sofrer de Alopecia. Aparentemente, Chris Rock era uma das raras pessoas que “não sabia” disso e fez a grosseria de chamá-la de “G.I. Jane” (papel de Demi Moore em Até o Limite da Honra). Chris estava absurdamente errado na sua “piada” (mais sobre isso mais à frente), mas Will inverteu a situação ao perder a cabeça e decidir defender a esposa com uma agressão física. Baixaria que nem reality show conseguiria antecipar em uma noite de gala.

Diferentemente de Will Smith, em Hollywood, Jada não é uma estrela unânime. Surgiu como uma grande promessa de atriz dramática, trabalhou como coadjuvante em comédias e filmes de aventura, mas ficou mais reconhecida como ativista e uma celebridade autêntica, que compartilha opiniões e intimidades sem receio da repercussão. É frequentemente zoada por comediantes por causa disso e ficou ainda mais exposta depois que defendeu o casamento aberto com o marido. O assunto tem sido usado como pauta para piadas há anos e, por causa do reconhecimento de Will Smith por King Richard: Criando Campeãs, só piorou. Laverne Cox fez brincadeira com os dois no tapete vermelho e, na noite do Oscar, a própria Regina Hall, uma das apresentadoras da noite e que é amiga de Jada, cutucou o casal com o assunto apenas poucas horas antes de Chris Rock fazer a inaceitável grosseria sobre o cabelo da atriz. Certamente a paciência de ser tema de piada ultrapassou o limite para ambos.

Ainda assim, o tapa, na verdade, desencadeou questões muito mais controversas e maiores do que problemas pessoais entre o casal e Chris Rock. Os três já estão envolvidos com trocas de farpas há muitos anos, mas, até então, os Smiths estavam adotando a regra do silêncio como resposta. O tapa era previsível em vários aspectos, metaforicamente desejado por muitos e muitas, mas errado por ser uma agressão física. Em sociedade concordamos que não podemos fazer exceção quanto a isso. O que não isenta em nada o outro problema, que é o desafio dos humoristas em um mundo em que não mais se tolera abuso psicológico, bullying ou insensibilidade. G.I. Jane foi uma grande soldado no filme e Chris Rock quis se esquivar como se a referência fosse elogiosa, mas ninguém se enganou que ele, um produtor de um grande documentário sobre o drama de mulheres negras e seus cabelos, fez uma gozação da atriz por estar careca. Inaceitável.

Ouvimos as queixas, em especial dos comediantes que deram apoio à Chris, de que o mundo “ficou sem graça” e que a comédia está ameaçada, mas fazer os outros rirem da dor alheia nunca foi correto, só não era controlado. O que demonstra que o tapa, na verdade, desencadeou questões muito mais controversas. Os atores que aplaudiram, parecem apoiar Will por ter dado um basta. Mas a reação mundial não foi unânime. Will pediu desculpas e Chris seguiu em silêncio. Raramente comediantes se retratam sobre piadas (a série A Maravilhosa Sra. Maisel mostra os problemas que a personagem sofre com isso) e está perdendo uma chance de trazer positividade para uma questão tão dolorosa.

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O que me leva de volta à minha irmã e um questionamento que ela faz há anos: por que trazer comediantes de stand-up para uma festa que em tese deveria homenagear as estrelas e o cinema? Por que Ridley Scott, um diretor renomado que, aos 85 anos, ainda está empenhado em nos trazer bons conteúdos no cinema e na TV precisa ser zoado, por exemplo, sobre O Último Duelo? Um filme, nas palavras de Regina Hall, “tão ruim que ninguém queria nem o Blu-ray gratuito”? Vale lembrar que O Último Duelo fala sobre um homem que desafiou outro para defender a honra da mulher que foi violentada e ousou denunciar o agressor. Nada irônico que tenha antecipado o drama da noite, não acham? Aliás, é preciso mencionar que Até o Limite da Honra, de 1997, também é um filme de Ridley Scott. Ridley Scott foi um dos mais ofendidos na noite, se pararmos para pensar bem.

Se você acha graça em stand-up, ou em “roast” (Fritar), que é uma forma de humor que só fica humilhando o convidado, tudo bem, não julgo. Há lugar para assistir a esse conteúdo que sempre esbarra com o incorreto, como as plataformas de streaming, e onde quem está lá sabe das regras do jogo. O que não combina é trazer o stand-up para as premiações em geral, porque as estrelas, milionárias ou não, se dedicam a nos trazer horas de escapismo, de reflexão e de Arte, movimentando um mercado de milhões de profissionais e não precisam concordar em se expor ao ridículo em nome da audiência do evento. Se é para ser um momento de celebração, temos que ter respeito. Não há nada de errado em ter uma festa organizada, conduzida com leveza, mas respeito. E, por favor, sem humilhação pública. Se não vai refletir em audiência, bom, isso é outro reflexo do consumidor, mas não podemos adotar a dor alheia como meio de combater algoritmos ou fazer dinheiro. Fica a reflexão.

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