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Como a masculinidade tóxica pode ser prejudicial para mulheres e homens

Depois de identificar traumas e gatilhos, é a vez deles procurarem superar o machismo nos relacionamentos e amadurecer

Por Denise Bonfim
4 fev 2022, 09h00

Você precisa ser homem”. “Engole o choro.” “Ah, agora vai ficar bancando a garotinha.” Frases como essas rondam o imaginário dos meninos e homens, convidando-os a nunca existir fora de uma caixinha estabelecida. Claro, o patriarcado é a fonte primária da opressão das mulheres. Mas não há razão para excluir o quanto essa construção social também atinge a visão que temos do masculino.

“As masculinidades de dominação se impõem esmagando as outras masculinidades. A demonstração de força, a agressividade, a imposição de um papel, a obrigação de sucesso e a cultura da proeza são armadilhas que a sociedade prepara para os homens (…). No fim das contas, o imperativo de virilidade é um fardo”, escreve o professor de história contemporânea Ivan Jablonka no livro Homens Justos.

Veja também: Cancelando Mr. Big, o exemplo de um homem tóxico

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Foi a partir dessa visão e de relatos nas redes sociais que a dita “masculinidade tóxica” ganhou espaço nas conversas. Apesar de não ser cunhado academicamente, enquanto um conceito, o termo levanta discussões sobre o quanto a imposição de determinados comportamentos resultam numa cadeia de situações que atingem a todos.

“A noção de masculinidade tóxica pode ter a vantagem de lembrar que há efeitos da masculinidade que seriam nocivos para os próprios homens, não só para mulheres. No entanto, ainda não conseguimos debater a essência disso pelas complexidades que a temática carrega”, explica Pedro Ambra, psicanalista, doutor em psicologia social pela USP e autor do livro “O Que É um Homem – Psicanálise e História da Masculinidade no Ocidente”.

Divulgação
(|Divulgação/Divulgação)

Mesmo com tantas camadas, é possível vislumbrar os efeitos que noções rígidas a respeito do papel masculino podem causar na vida deles, principalmente nas relações afetivas. Foi o caso do empresário carioca João Marceo Antunes, que usava o álcool para afugentar a insegurança e se aproximar do sexo oposto. A pressão pela performance, segundo ele, piorou depois de perder a ereção pela primeira vez, aos 26 anos, quando passou a recorrer a remédios.

“Eu queria impressionar. Não tinha a ver com a mulher, não tomava para satisfazê-la. Era para minha imagem”, explica. Nessa época, misturava o estimulante com antidepressivos e maconha. Em um ano, ele ficou doente, perdeu a vontade de estar com a namorada e se questionou sobre a sua sexualidade. Uma saída para superar a tentativa de suicídio foi a análise — a outra foi procurar grupos de estudos sobre masculinidade. João conheceu Fábio Manzoli, do projeto de mentoria Masculinidade Saudável. No início, resistiu. Mas dividindo experiências com homens na mesma situação, se transformou.

“O processo ainda é gradual, mas está começando a cair a ficha que também precisamos de ajuda”, diz Manzoli. Uma questão de saúde. O discurso de que homens são mais fortes traz consigo a ideia de que eles não precisam de ajuda para lidar com a saúde mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde, no Brasil, a taxa de suicídios entre eles pode ser três vezes maior do que entre as mulheres. E são eles os que menos
buscam ajuda profissional.

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Na última Pesquisa Nacional da Saúde, do IBGE, 69,4% dos homens afirmaram ter passado por consultas, contra 82,3% das mulheres. “Passei muitos anos em um processo de autoconhecimento e percebi que ainda tinha dificuldade em relacionamentos amorosos, para ter uma sexualidade não corrompida pela pornografia. Entendi que essa história de não poder chorar e sentir medo é a raiz de grande parte do sofrimento do homem”, relata Manzoli.

Para ele, a ideia impacta desde a baixa autoestima até o temperamento explosivo em relações afetivas. Foi o alerta de uma namorada que fez com que Gustavo Tanaka também questionasse o que conhecia por masculinidade. “Ela disse que eu tinha sido machista. Aquilo para mim foi um absurdo. Como assim, machista? Mas a minha ideia de machismo era muito limitada, achava que o machista era o agressor, o estuprador”, conta.

O escritor e empreendedor fez uma imersão no assunto e fundou o projeto Brotherhood, um espaço seguro para que homens conversem sobre diversos assuntos.  Ele convidou amigos para um encontro e se surpreendeu com a recepção da pauta. “Foi um momento de vulnerabilidade como eu nunca vi na vida: ‘Com trinta homens, eu vou falar sobre isso e ninguém vai me sacanear?’”, diz ele, que aponta o bullying como base da amizade masculina. “Homens se sacaneiam o tempo todo. Um homem se afeiçoa a outro porque o cara é engraçado, gente boa. Não tem espaço para demonstrar sentimentos”, aponta.

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Após a criação do Brotherhood, ele desenvolveu outros projetos para auxiliar na jornada, entre eles, o livro-caixinha Vamos Falar de Masculinidade, em parceria com Maurício Oliveira, com 100 perguntas que convidam seus pares à reflexão.

“Ela disse que eu tinha sido machista. Aquilo para mim foi um absurdo. como assim, machista? mas a minha ideia de machismo era muito limitada”
Gustavo Tanaka, fundador do projeto Brotherhood.

Abraçar os sentimentos

“Ensinados a acreditar que o lugar do aprendizado é a mente, e não o coração, muitos de nós pensamos que o ato de falar de amor com qualquer intensidade emocional será percebido como fraqueza e irracionalidade”, escreveu a pensadora feminista bell hooks no livro “Tudo Sobre o Amor
– Novas Perspectivas”. Uma vez em contato com os próprios sentimentos, com um olhar crítico e em constante evolução, todos precisam também enxergar o quanto isso afeta ou não as trocas amorosas.

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Se por um lado temos a problemática do poder e da dominação, de outro ainda existe a cultura de que o homem tem que ser “o pegador”. “Ele não pode dizer não para uma mulher, é ensinado a ser aberto para relacionamento, mas em uma perspectiva sexualizada. Aí surge o ghosting: em geral, é mais difícil para os homens falarem ‘não estou a fim de você’ porque se espera que eles estejam afim de todo mundo”, argumenta Pedro Ambra.

“Para quem é ensinado desde criança que é ‘a última bolacha do pacote’, é um game over de poder fazer o que quer.” Para o acadêmico, a melhor forma de falar sobre comportamentos machistas que partem de um conceito equivocado de masculinidade é ser crítico, mas não afastar o indivíduo do debate. “Do ponto de vista estratégico, ‘cancelar’ pode acabar afastando alguém que se identifica com nosso campo. Temos que demonstrar o que há de crítico, mas sem reduzir a pessoa a um vilão – claro, a depender de que tipo de machismo estamos falando. E o mais importante: separar o que é comportamento e o que é a pessoa, e criticar os comportamentos”, conclui o psicanalista.

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