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“Tive Covid 2 vezes e fiquei 51 dias na UTI após meu pai morrer da doença”

Claudia Pixu não reagiu a diversos tratamentos e precisou fazer uma traqueostomia. Depois de voltar para casa, seguiu com a fisioterapia

Por Isabella D'Ercole Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 23 out 2021, 13h24 - Publicado em 21 out 2021, 16h00
Claudia Pixu
 (Foto/Acervo pessoal)
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Foram 51 dias na UTI. Quando cheguei no hospital, já era minha segunda vez com Covid-19. Eu tinha tomado oxigênio antes e tinha melhorado. Mas, de repente, ouvi o médico falar para minha filha: ‘Sua mãe vai ter que ficar na UTI’. Tudo muda quando você ouve isso. Minha filha foi embora chorando, desesperada.

É uma doença muito cruel. Além de desgastar o corpo, deixa você numa solidão profunda. Você vê os enfermeiros, eles estão todos paramentados. Você não fala com família, com filhos.

Assim que a minha filha saiu, o médico falou para mim: ‘Não quis falar na frente dela, porque ela parece muito nova e estava sozinha, mas a sua situação é gravíssima e vamos ter que intubar. Seu pulmão está totalmente fibrosado’.

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Por incrível que pareça, não fiquei nervosa essa hora. Só perguntei se ia doer. Fiquei lá esperando liberar um leito, porque mesmo sendo um hospital particular, estava lotado. Hoje acho que não tinha mais oxigênio nem pra entender o que estava acontecendo.

Fiquei intubada só 18 horas. Era para ver se melhorava o imediato. Quando me extubaram, aí começou meu desespero. Eu não sabia quem era, como tinha chegado ali, onde estava. Eu não estava de óculos, não enxergava nada. No lençol, em vez de Rede D’Or, eu lia Rede Globo. Eu chorava achando que tinha sido sequestrada. Joguei coisas pra cima, pirei mesmo. Tiveram que me amarrar na cama.

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As drogas eram muito pesadas. Tomava muito corticoide, outros remédios. Mas não reagia a nada. Logo me intubaram de novo. O máximo que eu poderia ficar intubada era 15 dias, aí o risco de infecção aumenta e eles mudam a técnica. No 13º dia, resolveram testar uma droga nova, um remédio pra reumatismo. É uma dose única, custava 6 mil reais. Nada.

Os médicos me deixaram em coma induzido. É uma sensação louquíssima, porque eu parecia um drone, eu me via. É uma experiência. E eu escutava tudo que eles falavam. Eu via meu corpo de cima, as pessoas entrando e saindo. Quando os médicos entravam, eu pensava: ‘Me deixa sedada que quero morrer em paz’. Foram uns 10, 12 dias assim até que resolveram testar uma terapia nova.

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Eram três doses cavalares de corticoide, o que chamam de pulsoterapia. Essa custava mais 2 mil reais. Foi a primeira reação. Ligaram para as minhas filhas e disseram que iam reduzir a sedação, mas que era bom alguém estar lá comigo no quarto para eu não ter a mesma reação da outra vez. Só que, dessa vez, eu entendi tudo. Acordei e pensei: ‘Estou com Covid, no hospital, essa é a minha família comigo’.

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As doses resolveram bastante o problema. Eu tinha ficado com 90% do pulmão com fibrose. Não conseguia nem ir no banheiro andando, era carregada pra tudo. Meu corpo não aguentava. Eu me alimentava por sonda, porque não conseguia comer. Foram muitos dias assim até que consegui comer gelatina. Era um mal estar terrível, dor no peito, parecia que tinha uma bigorna em cima de mim. Também tive uma inflamação no pericárdio durante a estadia no hospital, e meu coração disparava de repente. Aquilo me deixava agitada.

Sou uma pessoa muito ansiosa, tomo ansiolítico diariamente. E tive que ficar sozinha. Eu estava exausta. Tive todos os sintomas descritos. Era um cansaço que cada perna parecia pesar 100 quilos quando eu tentava andar. O psiquiatra teve que me atender no hospital e mudar todos os remédios. Eu tive uma crise de pânico por causa da máscara de oxigênio. Acho que o psicológico foi o que mais pegou para mim.

No hospital, também fazia fisioterapia duas vezes por dia. Isso me ajudou a conseguir andar. Mas saí do hospital na maca, na ambulância. E fiquei recebendo oxigênio por mais tempo. Aí parei de usar durante o dia e só ficava com o oxigênio para dormir. É muito lenta a recuperação. E sei que tive acesso a um tratamento de ponta, com custos altíssimos. É revoltante, quantos brasileiros poderiam arcar com esses custos?

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Eu tive medo de morrer. Perdi minha mãe quando eu tinha 29 anos, ela ficou 15 dias na UTI também. Achava que era a minha hora, que eu morreria como ela. Ficava pensando nas minhas filhas, que tem 26 e 23. Não queria que elas ficassem sem mãe. Um dia, no hospital, mandei todas as minhas senhas e contas pro meu ex-marido, caso eu morresse.

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Meu pai morreu de Covid um pouco antes de eu pegar. Meu primo, de 58 anos, a mesma idade que eu, também. Morreu no dia seguinte da intubação. É uma doença maldita, que reage diferentemente em cada corpo.

No hospital, você repensa toda a sua vida. Resolvi muita coisa que estava enrolada. Deitada naquela cama, pensei em tudo que queria mudar. E muita coisa eu já mudei.

Eu já tinha tido Covid-19 em 2020, mas com sintomas mais leves, como uma gripe. Fiquei em casa sozinha, mandei minhas filhas para a casa do pai, e melhorei. A rede de apoio é fundamental nessas horas. Não só da família. Os médicos, agradeço todos os dias pelo trabalho deles. Não sei o que faríamos sem médicos tão dedicados e competentes no país. Os números estariam muito piores não fosse o trabalho deles. E também tem meus amigos, que são maravilhosos. Eles me mandavam comida quando eu estava em casa, fizeram uma rede de orações quando eu precisei.

Um amigo que é ortopedista estava cobrando todos os dias notícias, pedia a minha saturação. Eu tinha comprado um oxímetro e acompanhava com frequência. Um dia, deu 84% de oxigênio. O mínimo deveria ser 95%. Ele me mandou ir para o hospital.

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Peguei meu carro e dirigi até lá. Não tinha opção. Não queria que alguém me levasse, não ia pegar um carro de aplicativo. Fiquei algumas horas na ala Covid recebendo oxigênio. Voltei para casa e parecia estar melhor. Mas três dias depois a saturação caiu para 80%. Dessa vez, meu amigo falou: “Liga para sua filha e pede para ela te levar”. Notei que já era mais sério.

Enquanto esperava minha filha chegar, a saturação caiu para 71%. Até ali, não sentia dificuldade para respirar, só muito cansaço. De repente, as unhas ficaram roxas, os lábios. Minha filha correu comigo para o hospital. Foi quando fui intubada.

Não sei o que eu faria sem essas pessoas, elas me salvaram. E é por isso que é tão dolorido ficar longe, não poder falar: ‘Eu vou melhorar, não chora, não sinta medo’. Agradeço por estar viva, porque sei que bati os pés no fundo do poço e empurrei pra cima. Não gosto da palavra gratidão, mas é o que eu sinto por não fazer parte dessa horrível estatística de mortos no Brasil. Agora, precisamos seguir fazendo a nossa parte. Temos que completar a vacinação, continuar evitando aglomerações, usar máscara. Não vejo a hora de sairmos disso, também estou cansada, mas não desejo que ninguém passe pelo que passei.”

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Claudia Pixu é produtora fotográfica e influenciadora digital. Eu seu Instagram, @chezpixu, dá dicas para montar mesas, decorar a casa e receber amigos. Com seu relato, quer conscientizar as pessoas sobre os riscos da Covid e a importância da prevenção.

 

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