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Ao meu pai

Ana Claudia Quintana Arantes, médica e autora, faz relato emocionante ao pai falecido

Por Da Redação
Atualizado em 17 fev 2020, 14h36 - Publicado em 11 ago 2019, 08h00
Pai e filha segurando as mãos
 (Heikki Takala/Getty Images)
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Faz nove anos que meu pai passou para o outro lado da vida, onde ela é eterna. Depois que ele ficou invisível aos olhos, se tornou ainda mais presente no meu coração, nos meus sonhos e no meu dia a dia. A primeira carta que escrevi foi para ele. Tinha acabado de ser alfabetizada.

Ele estava viajando a trabalho numa longa temporada e pedi ajuda para minha mãe. Quando ela morreu, há três anos, herdei uma caixa na qual ela guardava cartas e fotografias. Precisei de muitos dias para encontrar coragem e enfrentar aquelas lembranças.

Havia cartas do meu pai para ela – de amor, com pedidos de perdão, compartilhando alegrias. Ali também estava a minha primeira cartinha, presa a outras duas por um clipe enferrujado. Uma delas era a última que escrevi para ele. Eu demorei muito tempo para terminá-la e entreguei no dia da minha formatura da faculdade.

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Agradecia por ele ser meu exemplo e por demonstrar que suas fragilidades (que não eram poucas) eram também força. Nem preciso dizer quantas lágrimas chorei naquele dia. Agora, porém, as palavras seriam outras.

Se eu tivesse cinco minutos milagrosos que trouxessem meu pai de volta, diria que ainda tenho aprendido muito com as coisas que ele falava. Desde pequena, quando já aparecia minha personalidade forte, eu questionava algumas atitudes dele. E ele esbravejava: “Faça o que eu digo, não o que eu faço!”.

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Eu me lembro do dia em que ele me falou para não voltar para a faculdade de medicina, pois precisava que eu trabalhasse para ajudar nas despesas da casa. Desobedeci e voltei. E teve uma vez em que, durante uma briga difícil, ele afirmou: “Você morreu para mim”. Com isso, me libertou de querer ser a filha perfeita. E eu permaneci viva para mim e para ele também.

Agora eu entendo que a desobediência foi a coisa mais linda que ele me ensinou. Que por causa dele eu decidi aprender com os atos das pessoas, e não com suas palavras. Palavras às vezes são duras; às vezes, sedutoras. Mas a verdade mora na atitude, que silencia todas as palavras.

Hoje eu diria para o sr. Jacyr, encabulado e emocionado, bem aqui na minha frente:

– Pai, sou corajosa porque você me ensinou que a maior coragem é ser imperfeita e ainda assim ser amada.

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– Pai, sou determinada porque você me mostrou que a vida destrói a realidade incontáveis vezes, mas não tem o poder de destruir nossos sonhos.

– Pai, sei como ser feliz porque vi você sorrindo quando só se imaginava ser possível estar num vale de lágrimas.

– Pai, aprendi a fazer o que sei de melhor porque você me ensinou que o melhor jeito de aprender é vivendo.

– Pai, com você aprendi a amar todos os seres que passam pelo meu caminho e que enxergam minha capacidade de amar. Você sempre viu isso em mim. E eu sou quem você sabia que eu era…

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Pai, feliz dia aí, na vida eterna! Queria muito que você pudesse saber que aqui, na vida que passa, o que não passa é a saudade que sinto de me ver nos seus olhos. Amo você. Hoje estou aumentando seu espaço de moradia aqui no meu coração, que fica imenso quando penso em você.

Ana Claudia Quintana Arantes é médica formada em geriatria e cuidados paliativos e autora de A Morte É Um Dia Que Vale a Pena Viver (Sextante).

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