Nomofobia: o que é e como se livrar da ansiedade digital
Psicólogas estudam a Nomofobia, compulsão por estar conectado em telas, e recomendam limitar os momentos do dia para usar o celular e as redes sociais
Metade da população brasileira aumentou o tempo de uso do celular e, em consequência, das redes sociais durante a pandemia de Covid-19 e chegam a passar até seis horas por dia em aplicativos como Instagram, Facebook, Twitter, YouTube ou TikTok, mostra um estudo elaborado pela Kaspersky, no ano passado. Esse fenômeno global de uso massivo das telas e do ambiente digital, embora ainda não seja uma patologia catalogada, já tem nome: Nomofobia, termo usado por psicólogos e outros pesquisadores. “Embora a dependência tecnológica já esteja catalogada na CID [Classificação Internacional de Doenças], a Nomofobia designa a compulsão por estar conectado à telas. No caso do celular, é como se o dispositivo fosse uma extensão do próprio corpo”, explica a psicóloga Edwiges Parra.
Quando ficamos sem celular, é natural uma certa ansiedade a respeito de questões profissionais e pessoais, afinal, quase toda a nossa vida está nos smartphones. O sinal de alerta se acende quando isso passa de uma chateação e paralisa nosso dia. “Quando há um medo exacerbado de ficar sem se comunicar ou sem conexão com a internet, gerando reações até mesmo irracionais, significa que a pessoa não tem uma relação saudável com o aparelho e as redes”, diz Edwiges.
Nos casos mais extremos, algumas pessoas têm taquicardia, sudorese e até tremores. E, embora nos adolescentes esses sintomas sejam mais explícitos, os adultos não estão imunes a esse problema, apenas aprenderam a disfarçá-lo, diz a especialista. “Tem gente que não consegue ficar uma reunião ou uma aula inteira sem o celular não mão. Não desgrudam do aparelho nem mesmo na hora do almoço ou de outro momento de descanso.”
“Se alguém perde a noção do tempo a ponto de interferir em sua rotina, deixando de fazer coisas importantes na vida, como priorizar o contato social e familiar, por estar fixado no uso de telas, está no caminho de desenvolver uma compulsão digital“, alerta Monica Machado, também psicóloga.
Segundo as especialistas, a prontidão é o pretexto mais usado por quem não consegue parar de dar scroll no feed do Instagram e de outras plataformas, sem se desgrudar do smartphone. Paira sempre o receio de que alguém precise se comunicar conosco a todo e qualquer instante. Quando o trabalho entra na equação, isso piora. Uma pesquisa da Mobile Time apontou, por exemplo, que o volume de mensagens trocadas entre clientes e empresas pelo WhatsApp no primeiro trimestre de 2021 cresceu 251% se comparado ao mesmo período de 2020. Essa [falsa] necessidade de estar sempre conectado à vida profissional é outra armadilha.
Vanessa ressalta que os recursos de mensagens em áudio, agora com possibilidade de acelerar a velocidade de reprodução, podem ser gatilhos para a ansiedade, além de prejudicar a comunicação. “A busca pela cultura de urgência pode desencadear sintomas de ansiedade e também pode causar perdas nas interações. Acaba tendo uma diferença no ritmo, entonação, nas pausas e até na respiração do locutor. O resultado é que a comunicação se torna fria, distante e se perde a qualidade dos relacionamentos. Isso pode acabar gerando um padrão em que passamos a nos ver sempre correndo. Acelera as relações, a intimidade e tudo pode ficar mais superficial.” Além disso, cada vez que uma conversa é checada, a atenção do usuário é desviada. Um estudo da Universidade da Califórnia indica que, a cada interrupção diária, levamos, em média, 23 minutos para recuperar o foco.
O que fazer?
“Já existem aplicativos para separar mensagens pessoais de profissionais”, comenta a psicóloga Vanessa Gebrim. “O ideal é limitar o uso, reservando alguns horários durante o dia para checar as mensagens. Estabelecer limites nos horários das refeições e também na hora de dormir. Se possível, desativar notificações e silenciar também os grupos. Evitar o uso automático, e principalmente, quando não tiver um objetivo naquele momento, prejudicando coisas importantes, como uma conversa em família, estudo e descanso”, acrescenta.
Abaixo, as especialistas ouvidas por CLAUDIA dão dicas para um uso saudável dos celulares e das redes:
Delimite o tempo de uso
Edwiges Parra diz que é preciso tornar essa prática um hábito. Embora a necessidade ter o celular em mãos e ficar conectada às redes depende, inclusive, do trabalho de cada pessoa, é possível estipular um período máximo para o consumo de cada plataforma e de uso do aparelho, em si. “Se você for usar para entretenimento, separe 10 ou 20 minutos. Esse já é um tempo bastante razoável“, diz a psicóloga. E lembre que não precisa fazer as refeições ou a pausa para o café com o smartphone na mão.
Identifique gatilhos
A cultura do imediatismo faz com que, por vezes, queiramos controlar o tempo de resposta dos outros às nossas necessidades. Por isso, abrimos o Instagram a cada minuto para conferir se reagiram à nossa publicação ou se chegou aquela mensagem esperada no WhatsApp. “Aprenda a identificar e controlar esses gatilhos. Se eu checo meu e-mail a cada segundo, provavelmente vou abrir também o LinkedIn, depois o Twitter e por aí vai… Faça o exercício de pegar o celular para realizar uma atividade específica, e só uma de cada vez”, recomenda Edwiges.
Desligue ou silencie o celular à noite
Sim, por mais difícil que pareça realizá-la, essa dica é unânime entre as especialistas consultadas pela reportagem. É preciso desligar o aparelho à noite, de preferência, horas antes de ir para a cama ou, no mínimo, silenciá-lo. “Deixe as pessoas mais próximas cientes de que você não estará disponível à noite para responder mensagens e, em caso de urgência, diga que elas devem ligar”, orienta Edwiges.
A recomendação de se afastar do aparelho também vale para determinados momentos do dia, quando se está preparando uma apresentação ou reunião importante, ou realizando qualquer atividade de trabalho ou estudo. “As notificações constantes atrapalham muito a concentração e aumentam os níveis de ansiedade e irritação” diz a psicóloga.
Uma ajudinha da tecnologia
Pode parecer estranho indicar a tecnologia para te ajudar a fugir dela, mas, acredite, algumas ferramentas podem sim ajudar. Hoje, já existem aplicativos para celular e computador que bloqueiam o acesso aos apps e sites que o usuário escolhe durante intervalos determinados, como Bem-estar digital (Android), Tempo de Uso (iOS e macOS), BlockSite (Chrome, Firefox e Edge) e Focus To-Do (Android, iOS, Chrome, macOS e Windows).
Experimente sair sem o smartphone
Por fim, uma dica mais ousada: que tal sair de casa sem o celular? “Experimente ir à padaria, sair para correr ou ir à academia sem o aparelho. Observe como você se sente”, diz Edwiges. Segundo ela, quem consegue fazer isso está num bom caminho de equilíbrio entre vida real e digital e pode abrir mão de um eventual detox tecnológico mais radical.