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Quando a superconexão se torna dependência digital?

Não é fácil desgrudar das redes sociais? Parece impossível viver um dia sem e-mails, WhatsApp e games? As crianças também estão nessa?

Por Cristina Nabuco (colaboradora)
Atualizado em 28 out 2016, 14h39 - Publicado em 1 dez 2014, 07h07
Tara Moore / Getty Images
Tara Moore / Getty Images (/)
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Há bem pouco tempo, o primeiro pedido no restaurante era algo para beber. Agora, pergunta-se: “Qual é a senha do wi-fi?” As pessoas falam pouco entre si, ocupam-se das mensagens no celular, fazem o “check-in” revelando onde estão, publicam fotos, figuras, opiniões. As crianças vão no mesmo ritmo, fixadas em jogos eletrônicos e vídeos dos seus personagens favoritos. Saindo da mesa, o frenesi continua. A onipresença da tecnologia se confirma na infinidade de aplicativos para tudo. Tem ferramentas online para fugir do trânsito e do bafômetro, controlar gastos, pagar contas, malhar, estudar e até se proteger da enorme interação com a parafernália digital. Os apps Stayfocused e Concentrate socorrem quando o usuário está vagando, de rede em rede, com foco cada vez mais disperso. Se por um lado a atenção é errante, por outro é preciso reconhecer no ambiente digital um espaço para exercitar a identidade, que hoje está totalmente atrelada a essas mídias. Somos o que postamos. E os outros nos decodificam pelos posts.

O contágio, no maravilhoso mundo de conectados, se disseminou rapidamente. No Brasil, o número de celulares ultrapassou o de habitantes em 2010, nas contas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em março, as linhas ativas bateram em 273,5 milhões, com 30% da população acessando a internet via telefone móvel. E não vai parar aí, já que a venda de smartphones deixou longe a de aparelhos convencionais. Tudo isso amplia a comunicação e a interação geográfica, econômica e cultural. Mas há dúvida sobre o risco de se tornar um hábito nocivo e os prejuízos para o aprendizado das crianças.

Duas psiquiatras decidiram estudar três tipos de dependência digital – de internet, games e celular. Renata Cruz Soares de Azevedo, professora do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Bruna Ximenes Pereira, doutoranda na instituição, são autoras de O Desafio da Nova Era: Prevenção das Dependências Não Químicas, um capítulo do guia dirigido a pais e educadores intitulado Prevenção ao Uso de Álcool e Drogas: O Que Cada Um de Nós Pode e Deve Fazer? (Artmed). A dupla explica que ainda não há um diagnóstico formal da doença, mantida fora da versão de 2013 do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), considerado a bíblia da psiquiatria.

Sem critérios universais, cada grupo de pesquisadores estabelece os próprios parâmetros. A Associação Americana de Psicologia classifica como compulsão a impossibilidade de desgrudar do Facebook, Instagram, WhatsApp e dos games. A isso, a entidade chama de internet addiction disorder ou transtorno do vício de internet. Entre os estudiosos, porém, há denominadores comuns. Um deles diz respeito à fase anterior à dependência: o uso problemático. “Nela, a pessoa ainda não vive em função do virtual, mas já começa a sofrer danos”, diz Bruna. Passa a ser alvo de comentários como “Você não sai do Facebook” ou “A gente não conversa porque você só olha para o tablet”. A dependência surge à medida que o tempo de envolvimento cresce, aparecem sintomas físicos e alterações de comportamento. Bruna e Renata ainda afirmam no livro que a atitude do adulto influencia a relação que a criança estabelece com o mundo high-tech: “O uso não problemático dos recursos digitais, sobretudo entre crianças e adolescentes, requer a participação da família tanto no monitoramento qualitativo e quantitativo quanto no modelo de utilização adequado, educativo e compartilhado”. Aqui, elas dão pistas de como reconhecer a intoxicação digital dos três tipos pesquisados e quais as formas de intervir antes que a doença se instale.

Internet

A dependência afeta cerca de 10% dos internautas, causa sonolência diurna, dor de cabeça, maior incidência de depressão. As relações interpessoais e presenciais perdem peso, ocorre solidão e fadiga. No adolescente, a lista ainda inclui baixo rendimento escolar, sedentarismo, obesidade e relações familiares pobres. O uso problemático da web se desenvolve em curto período de tempo.

Sinais de alerta

Preocupação excessiva em estar conectado o tempo todo; necessidade de conferir mensagens sem parar; perda de controle sobre o tempo de exposição; baixa concentração no trabalho. Embora ativa e popular nas redes, a pessoa deixa de fazer novos amigos reais.

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Prevenção

  • Respeite a rotina de refeições e não reduza o tempo de exercícios físicos, leitura e cinema para ficar online.
  • Deixe o computador em um cômodo onde toda a família circula. Assim, o equipamento é socializado.
  • Defina o tempo de permanência na web para você e seus filhos. Incentive neles atividades presenciais e de grupo (esporte, dança, pintura, aula de música). E faça o mesmo.
  • Acione o bloqueio de sites para impedir o acesso a áreas inadequadas para crianças. Oriente sobre conversas no WhatsApp e no inbox do Facebook: a postura deve ser sempre de reserva e cuidado com os estranhos.
  • Evite expor menores de 2 anos às novas mídias. O contato precoce não os prepara para competir no mundo digital. As pesquisadoras lembram, aliás, que as atuais tecnologias estarão obsoletas em dois anos e não capacitam para as que virão. “Investir em preparo acadêmico e relações sociais e familiares possibilita um repertório suficiente para aprender na idade em que isso for necessário.”

Jogos Eletrônicos

Uma das atividades de recreação mais comuns no mundo, eles se popularizaram a partir dos anos 1970, conquistando crianças e adolescentes. Adultos recorrem mais a games acessados em tablets e celulares. Alguns ficam até 90 minutos por dia na frente das telas. O excesso, além de provocar dores musculares, pode levar a mudanças, como isolamento social. Crianças sofrem queda no rendimento escolar e os adultos deixam de crescer na profissão.

Sinais de Alerta

Abstinência: se ficar sem jogar, a pessoa torna-se ansiosa, irritada, não fixa a atenção em quase nada. Tolerância é outro sinal – o usuário que se satisfazia, no começo, com meia hora de jogo passa a precisar de duas horas para obter o mesmo prazer. O tempo vai aumentando. As psiquiatras sugerem, ainda, observar o controle (é possível ficar um dia longe do jogo sem sentir frustração extrema?), a saliência, termo para definir a relevância que ele passa a ter (o jogo é o centro da vida? Domina o pensamento?) e o conflito (entra-se em crise com familiares e amigos?).

Prevenção

  • Antes de comprar para os filhos, verifique a classificação etária na caixa do videogame ou, se a aquisição for online, na descrição do aplicativo.
  • Leia as informações e avalie o impacto do game. Confira a linguagem, o nível de violência, a presença de situações que envolvem sexo, álcool e outros psicoativos.
  • Estabeleça as regras para as crianças jogarem.
  • Defina o tempo que você pode se entreter com games.
  • Restabeleça o contato com amigos que não vê há muito tempo e matricule-se em aulas de dança ou de línguas para ter novos relacionamentos.
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Celular

Renata e Bruna dizem que o excesso de uso pode levar a transtornos do sono e aumento de stress – tanto pela compulsão na verificação de e-mails, mensagens e alertas quanto pelos envios que você faz. Entre as pessoas que se dizem dependentes, a maioria é formada por mulheres e jovens de 16 a 24 anos. Crianças pequenas sentem-se atraídas, o que leva a dupla a avaliar: “Os pais estão atribuindo aos aparelhos um grau de importância que poderá ser replicado pelos filhos”. Isso é observado em restaurantes: quando a criança pequena chora, primeiro oferecem o celular ou tablet. Só depois dão a chupeta e a mamadeira.

Sinais de alerta

Acreditar que “não vive sem” ou que, “se perder o celular, a vida acaba”. Outro sinal é interromper tudo, até o banho e a relação sexual, para atender uma chamada. Muitos relatam que entram em desespero quando não podem parar o carro no meio da rua assim que soa o sinal de mensagem chegando. Ou veem-se desamparados ao esquecer o aparelho em casa e sentem como se o mundo estivesse acontecendo e eles ficando para trás. Se não ocorrem ligações e mensagens no WhatsApp, a impressão é de rejeição total. Completam o quadro alterações de humor e sintomas de pânico (ansiedade e taquicardia) no caso de aparelho fora de área ou bateria descarregada. A materialidade desses sinais se dá na conta do celular, com um valor exorbitante, ou na constatação de que no quinto dia já foram gastos 80% do volume de dados contratados para o mês.

Prevenção

  • Para o uso proveitoso, avalie como está sua relação com o celular. Não deixe que ele roube os momentos com a família e os amigos. Faça as refeições sem interrupção, troque experiências para um convívio pleno. Desligue no cinema e evite o vibracall em reuniões.
  • Antes de pensar em dar um telefone a seu filho, pergunte por que quer e o que pretende fazer com ele.
  • Explique os pontos positivos (facilidade de comunicação entre pais e filhos, por exemplo) e negativos (direção imprudente, exposição a sexting – o envio de fotos e conteúdos eróticos e dependência).
  • Examine, em família, se vocês estão prontos para assumir a responsabilidade que o uso requer.
  • Deixe claro para as crianças quem está pagando por esse serviço e os limites de uso. Estabeleça, em conjunto, as consequências caso o combinado não seja cumprido.

E quando o vício se instala?

“O primeiro passo para vencer a dependência é aceitar que ela existe”, diz a psiquiatra Bruna Pereira. A psicoterapia ajuda muito, e é básica no tratamento. Uma das técnicas é a comportamental cognitiva, que leva à percepção do pensamento por trás do exagero – assim, é possível modificar o modo de agir. Às vezes, é necessário algo mais. Por exemplo, quando aparece um quadro maníaco, com visível agitação, em decorrência de algum transtorno mental. “Nesse caso, o uso compulsivo dos dispositivos foi a forma encontrada para canalizar a ansiedade”, afirma a médica. “O paciente é, então, encaminhado ao psiquiatra. Ele institui o tratamento adequado para o transtorno que desencadeou a dependência.” Podem ser prescritos antidepressivos, estabilizadores de humor, ansiolíticos ou estimulantes do sistema nervoso central. 

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