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Ricardo Darín: o ator argentino que diz não a Hollywood

Ele conquistou uma legião de fãs pelo mundo mesmo mantendo-se fiel ao cinema da Argentina, recusando convites e preferindo o convívio com a família

Por Mariane Morisawa (colaboradora)
Atualizado em 19 jan 2023, 16h53 - Publicado em 16 jan 2015, 11h26
Daniel Garcia
Daniel Garcia (/)
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Ricardo Darín é daquelas pessoas que deixam qualquer um à vontade já à primeira vista. Talvez porque não se comporte como um galã de cinema, título que o ator, de 58 anos, rejeita, declarando-se velho para isso. Em um dos muitos clubes de praia de Cannes, cidade da Riviera Francesa que sedia a conversa com CLAUDIA, a garçonete parece não concordar. Ela é toda sorrisos quando Darín pede que seja colocado um tiquinho (“un petit peu”) de leite em seu café. Se ele tivesse pedido um balde de leite, seria com o mesmo charme e arrancaria da moça igual reação de encantamento. Esse argentino de Buenos Aires conquistou os brasileiros com filmes como “Nove Rainhas”, de Fabián Bielinsky, “O Filho da Noiva” e “O Segredo dos Seus Olho”s, ambos de Juan José Campanella, todos badalados por aqui. O belo par de olhos azuis e a boa forma, apesar do flerte com os 60, complementam o talento evidente, que lhe permite encarnar com desenvoltura um homem apaixonado, um padre ou um vigarista.

Darín credita sua fama em toda a América Latina à sorte de ter feito trabalhos no cinema que se conectaram com o público. Mas os fãs ainda o surpreendem. Outro dia, uma senhora o abordou na saída de um teatro em Buenos Aires, onde estava em cartaz com “Cenas de um Casamento”, de Ingmar Bergman. Tinha os olhos cheios de lágrimas e contou ter voado de São Paulo para lá unicamente para ver a peça. No dia seguinte regressaria à capital paulista. Darín mal podia acreditar em tanto esforço para vê-lo. “É fabuloso!”

A transformação do ator portenho em ídolo latino-americano é mantida à custa de muito trabalho: além dos palcos, nos quais ele faz questão de continuar pisando de tempos em tempos, Darín participa anualmente de dois filmes em média. Parece incansável. No ano passado, já esteve em cartaz no Brasil com a comédia “O Que os Homens Falam”, do espanhol Cesc Gay. Em breve, volta às telas por aqui em mais dois novos trabalhos, ainda sem data confirmada de estreia. No thriller “Séptimo”, de Patxi Amezcua, é um pai que procura seus filhos, desaparecidos misteriosamente no edifício onde moravam. Já na comédia em episódios “Relatos Salvajes”, de Damián Szifron, recebida com entusiasmo no último Festival de Cannes, vive um engenheiro bem-sucedido que se revolta com a burocracia ao recorrer de uma multa por estacionamento que considera injusta. Ambos os longas-metragens são feitos para entreter, mas retratam a sociedade em crise. Ricardo Darín é do tipo que não tem medo de se posicionar politicamente e até faz questão disso. Mas é um otimista. “A melhora virá do contato com os outros, de trabalhar as diferenças: raciais, religiosas, de classe, sexuais. Precisamos aprender a tolerar as pessoas que pensam e sentem de outro modo.”

Ainda que seja sensível às grandes questões do mundo, Darín não é adepto apenas do cinema superengajado. “Posso fazer tranquilamente um romance, desde que com roteiro bem escrito”, afirma. “No fundo, qualquer história de seres humanos tem uma representatividade social, comunitária, universal.” Está na cara que Darín chegou exatamente aonde queria estar e, louco pelo que faz, se mantém ávido por desafios. Até por isso, rechaça a pecha de ser anti-Hollywood, que grudou nele depois de uma entrevista dada à TV e compartilhada repetidas vezes na internet, vista e revista. Nela, explica por que ainda não cedeu à meca do cinema. Sim, o ator já recebeu propostas hollywoodianas. Só não foram tantas assim – segundo o próprio, umas três ou quatro -, e ele sempre declinou. É que o papel, o roteiro, o projeto não interessaram. O argentino não gosta de ver que, com frequência, as produções americanas reservam para atores latino-americanos papéis muito específicos, como o do traficante de drogas ou o de trabalhador braçal (faxineiro, jardineiro…). Em uma das vezes em que não aceitou o convite, havia uma contrariedade a mais: teria de voar diretamente de Madri, onde terminava uma temporada de meses no teatro, para Los Angeles. “Eu precisava voltar para casa, fazia muito tempo que não via minha mulher e meus filhos.”

Darín fala da psicanalista Florencia Bas, com quem está casado há 27 anos – entre altos e baixos, separações e reencontros, como vários outros casais -, de Ricardo, mais conhecido como Chino Darín, 25 anos, ator como o pai, e Clara, 20, estudante de artes e maquiadora profissional. No dia da entrevista, estava mais empolgado com o sucesso “Morte em Buenos Aires”, filme de Natalia Meta estrelado por Chino e o mexicano Demián Bichir, ator indicado ao Oscar por “Uma Vida Melhor”, do que com a repercussão de seu “Relatos Salvajes” em Cannes. “Eu e meu filho somos muito amigos. Não dou conselhos a ele. Trocamos visões, opiniões e conceitos de vida”, conta.

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Seguir uma carreira nas artes é quase uma sina para os Darín. Os avós do ator enveredaram por esse caminho. Ele mesmo estreou no teatro, ainda menino, ao lado do pai, o primeiro Ricardo Darín, e da mãe, Renée Roxana. Quando jovem, virou galã de novela. Só em 2000, na pele do trapaceiro de Nove Rainhas, passou a ser reconhecido pela crítica e pelo público como um dos grandes. Nada veio exatamente fácil, e ele diz que nunca achou que seria assim.

Faço o que gosto, ganho bem, tenho muito trabalho. As pessoas me admiram, me beijam, me abraçam, me pedem fotos. Mas sei que isso não é tudo.” Na vida real, afirma, há muita dor, insegurança e humilhação na carreira. “Por ter crescido entre artistas, não posso fingir desconhecer esse lado.

Darín acredita que o bom humor é a chave para lidar com os celulares sempre apontados e prontos para tirar foto e os constantes pedidos de autógrafos. “Quando realmente não posso, peço perdão e digo que não dá. Se a pessoa se irrita, paciência”, conta, acrescentando que, em geral, não se importa, pois, afinal, os artistas buscam reconhecimento. “Mas sei que tudo é efêmero e que hoje as pessoas nos festejam, mas, amanhã, abre-se o fosso dos crocodilos e elas nos comem, porque, aí, é a vez de Brad Pitt brilhar”, analisa, com um sorriso e aquele ar de quem está revelando um segredo, em um misto irresistível de modéstia e simpatia. Basta meia hora de conversa para se cogitar que deve passar por algumas cabeças justamente o contrário: quem precisa de Brad Pitt quando se tem Ricardo Darín? Em favor da diversidade, no entanto, melhor é poder se deleitar com os dois.

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