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Ultramaratonistas na 3ª idade: elas deram a largada pelos sonhos

Elas têm mais de 60 anos, colocam o tênis e correm pelos seus sonhos nas grandes maratonas e ultramaratonas do mundo

Por Adriana Marruffo
18 out 2023, 08h36
Conheça a história de três maratonistas e ultramaratonistas que deram a largada nos seus sonhos durante a terceira idade (la minna/CLAUDIA)
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Entrar na terceira idade está longe de ser sinônimo de fragilidade. Com determinação, muitas mulheres colocam os tênis e dão a largada nos seus sonhos justamente nessa fase. Mas nem sempre foi assim. A participação feminina em provas era proibida, sendo liberada apenas em 1967, depois que a tradicional Maratona de Boston teve uma das primeiras corredoras participando, de forma escondida. 

Se a inserção das mulheres no esporte foi tão demorada e conturbada, a normalização de competidoras acima dos 60 anos ainda caminha com obstáculos. Muitos temem pela saúde das esportistas nessa faixa etária, mas será que a preocupação é válida? 

“Fazer um exercício de impacto na terceira idade – que nem uma academia, uma corrida, um crossfit – é muito importante, porque ele incita o estresse no osso, estimulando-o a continuar forte”, explica Tamires Ribeiro, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte. 

Conversamos com três mulheres que desafiam estereótipos e se jogam nas maratonas e ultramaratonas. Inspire-se nas histórias para, quem sabe, acelerar suas próprias aspirações.

Carminha

65 anos, Alagoas

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A corrida entrou na vida de Carminha aos 60 anos, e deu início a uma grande paixão (Carminha/Arquivo pessoal)

“A prática só me trouxe benefícios. Pego meu tênis e saio: Esqueço o mundo. Naquele momento, sou única, não tenho obstáculo e não tenho dificuldade”

Carminha

“A corrida entrou na minha vida aos meus 60 anos, quando o Colégio Sagrada Família, em Arapiraca, promoveu uma prova. Até aí, eu não fazia nem caminhada. Vi aquela multidão, o movimento me chamou a atenção, aí eu disse: ‘Vou atrás’. Só que dava um trotezinho e cansava. Mesmo assim, me identifiquei. O pessoal se preocupava porque eu era idosa e hipertensa, só que consegui fazer 2 km. Lentamente e no meu ritmo, mas consegui.

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Eu ainda estava trabalhando na enfermagem, mas a corrida veio para modificar tudo. Na minha cidade tem um pessoal que dava um treino, eles me chamaram. Diante das minhas dificuldades, me disseram: ‘Olha, vá treinar três vezes por semana, depois a senhora vai aumentando e conseguindo’.

Fiz a minha primeira maratona com um ano e seis meses de treino, em 2020, e já foi uma grande emoção. Gastei cinco horas para fazer o percurso completo, e sete horas para minha primeira ultramaratona, em 2022.  Uma ultramaratona tem que ter mais que 42 km, essa foram 50.

No início, não fazia fortalecimento, então eu tive uma fratura da patela. Fiquei muito aperreada porque estava muito apaixonada pela corrida. O ortopedista pediu para ficar sem correr por um ano, mas eu o surpreendi e voltei a correr antes disso! 

Competi em Bogotá, no Sul-Americano de Atletismo Máster, em 2022. Nunca tinha saído do meu país e tive um desgosto grande porque, sem experiência, não sabia que precisaria de um uniforme oficial do Brasil. Fiz meus primeiros 10 km, estava liderando a prova, mas fui desclassificada. Só que consegui ir para o revezamento e ganhei!

A prática só me trouxe benefícios, meu humor melhorou, eu durmo bem mais, interajo mais com as pessoas e consigo sair do meu estado. Hoje eu sou campeã do Nordeste, campeã do Brasil, bi-campeã da Copa do Brasil e campeã sul-americana. Eu pego meu tênis e saio: esqueço o mundo. Naquele momento, sou única, não tenho obstáculo e não tenho dificuldade.”

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Monica Otero

67 anos, São Paulo

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Monica Otero entro na corrida por acaso, aos 50 anos (Monica Otero/Arquivo pessoal)

“Tinha 60 horas para fazer essa prova, e no final de 54 horas, cruzei a linha de chegada… Era minha terceira corrida na vida “

Monica Otero

“Eu entrei na corrida por acaso. Até os 50 anos, trabalhava em uma cafeteria e só ia para a academia para levar meus filhos. Então eu me separei. Um dia, eu tinha tudo, no outro, vendi o comércio e me tornei uma pessoa muito triste, quase entrei em depressão.

Em uma caminhada de peregrinação, no caminho do Sol, eu conheci o Comandante Mário Lacerda. Em 2005, ele me ligou e falou: ‘Monica, eu vou montar uma ultramaratona no Brasil e eu gostaria que você participasse’. Eu nem sabia o que era uma ultramaratona, não sabia nada, mas eram 217 km no Caminho da Fé. Como estava nessa passagem conturbada, pensei: ‘Alguma coisa tem que acontecer na minha vida’. 

Chegou o dia, todo mundo começou a correr, e eu andava — aliás, como faço até hoje. Quando deu 36 horas de prova, minha equipe desistiu. Parei nos 160km. Em 2007, o Lacerda me convidou a participar novamente da corrida, mas para ajudá-lo a organizar. Quando chegou o dia da largada, havia grandes atletas mas não tinha nenhuma mulher, então o Comandante falou que gostaria que eu corresse um pouco para sair na foto, mas ele não mandou ninguém me buscar. 

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No final de 67 horas, eu concluí os 217 km andando. Fui a primeira mulher no Brasil a concluir uma prova de 135 milhas. Depois, o Comandante viu que nenhuma mulher tinha participado da prova do deserto de BadWater, na Califórnia, e eu cumpria — meio torto — esses requisitos. E não é que eu fui aceita?  

É uma prova muito difícil, eu treinava chorando e me perguntava: ‘Por que eu tô fazendo isso?’. Eu tinha 60 horas para fazer essa prova, e no final de 54 horas, eu cruzei a linha de chegada… Era minha terceira corrida na vida. Naquele mesmo ano, fiquei sabendo que existia uma corrida no Deserto do Saara de 250 km em sete dias. Eu fui a primeira atleta brasileira a correr no deserto do Saara e concluir, a primeira medalha brasileira do deserto do Saara é minha. Eu já fui operada duas vezes no intestino porque eu tive câncer e, em 2023, eu operei uma terceira vez por uma aderência. Fiquei 17 dias em coma no hospital, mas agora estou voltando. Sou voluntária em todas as grandes provas de ultramaratona.” 

Vanessa de Figueiredo Protasio

70 anos, Rio de Janeiro

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A corrida entrou na vida de Vanessa ao levar o filha para a natação, mas ela não parou (Vanessa Figueiredo/Arquivo pessoal)

“A maratona é uma prova que exige muito do corpo, e ali descobri que exigia muito da cabeça”

Vanessa de Figueiredo Protasio

“Eu entrei na corrida quando tinha 28 anos, em 1982. Eu me motivei sozinha, na prática de levar o meu filho para a aula de natação no clube na Lagoa Rodrigo Freitas. Todos os dias eu o levava e ficava vendo, aí um dia falei: ‘Ah, enquanto ele está na aula de natação, acho que vou correr’.

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Resolvi fazer isso para poder aproveitar o meu tempo. Dei uma volta e depois, no dia seguinte, pedi para o professor do meu filho marcar no cronômetro. Isso cada vez foi me empolgando mais. Em 1981, eu me inscrevi em uma maratona e resolvi ver como era. Não sabia o quanto tinha que treinar, como devia treinar, mas resolvi. Fiz em três horas, quase quatro, mas foi muito difícil, foi uma coisa que me impactou com muito esforço. 

A maratona, em si, já é uma prova que exige muito do corpo, e ali descobri que exigia muito da cabeça, então eu comecei a treinar com mais frequência. Treinei tanto que eu ganhei essa maratona em 1982, e de lá para cá, nunca mais parei de correr. São 43 anos. 

A minha maior conquista foi a que eu tive mais dificuldade e mais lutei. Foi quando representei o Brasil na maratona de Nova York de 1982. Quase parei nos últimos 195 metros, mas consegui terminar, foi glorioso para mim. Na mesma época em que eu comecei a correr, estava me formando na faculdade, e aí eu comecei a criar trabalhos de treinamento mental. Todas essas ferramentas mentais eu usava em mim desde que comecei a treinar. 

Um dia, posso talvez diminuir a velocidade, talvez não competir tanto, mas não abro mão. Minha ideia é correr uma maratona por ano. Qualquer lugar que eu tenha acesso, vou gostar de estar lá. A corrida me faz sentir forte, e eu acho que nessa vida a gente tem que ser forte e corajoso. Ela me dá coragem, quando eu comecei a correr tudo começou a ficar em um outro plano. Eu luto numa maratona, e essa força que a gente cria é que me torna capaz.”

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