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O inspirador trabalho de Adriana Salay e Rodrigo Oliveira contra a fome

Junto, o casal toca o projeto Quebrada Alimentada e busca fazer do Mocotó o melhor restaurante para o mundo

Por Marina Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 dez 2023, 15h22 - Publicado em 11 dez 2023, 08h43

“Juntamos, literalmente, a fome com a vontade de comer.” É assim, com bom humor, que Adriana Salay gosta de definir sua união com Rodrigo Oliveira. Foram essas as palavras que escolheu nos seus votos de casamento, e também as que usa quando perguntam sobre esse encontro de almas.

A vida da historiadora sempre foi guiada pela pesquisa sobre a alimentação, mas, ao unir as escovas de dente com o chef do tradicional restaurante Mocotó, suas motivações e pesquisas ganharam outros significados grandiosos.

Quando conheceu Rodrigo, a intenção era saber mais sobre o cenário alimentar brasileiro, num grupo de estudos entre pesquisadores e cozinheiros. Anos depois, a relação profissional virou namoro e o início de muitos planos — incluindo filhos e, também, ações sociais.

A historiadora Adriana Salay é esposa de Rodrigo Oliveira e coordena o projeto Quebrada Alimentada
A historiadora Adriana Salay é esposa de Rodrigo Oliveira e coordena o projeto Quebrada Alimentada (Julia Mataruna/CLAUDIA)

“Trabalhamos o mesmo objeto, que é a alimentação, mas de óticas distintas. Apresentei para ele muitas coisas que lia. Vejo que ele mudou o discurso, e temos um afinamento de visão de mundo. A generosidade, o jeito como ele trata as pessoas, como ele divide e compartilha o mundo, ele me ensinou sobre isso também”, declara.

Receber Adriana Salay e Rodrigo Oliveira
O chef Rodrigo Oliveira, do restaurante Mocotó, idealizou o Quebrada Alimentada junto a sua esposa, Adriana Salay (Julia Mataruna/CLAUDIA)

Por muitos anos, Adriana se debruçou em pesquisas sobre a fome, temática do seu doutorado, que levou seis anos para ser concluído. “Analisei a fome até 1946, fim da Segunda Guerra Mundial, e havia relatos horrorosos de mães que mataram os filhos e casos de canibalismo. Fiquei muito impressionada. Quando começou a pandemia, apesar de não ser uma guerra, enxerguei como uma catástrofe que também mexeria com a sociedade na mesma proporção. Sabíamos que as pessoas vulnerabilizadas seriam as mais atingidas”, recorda.

Numa dessas noites sem dormir, sem saber como seria o dia seguinte, Rodrigo deu a ideia de distribuir marmitas, e assim surgiu o Quebrada Alimentada. “Fomos simplesmente fazendo e a coisa ganhou complexidade”, explica Adriana sobre a iniciativa que já ofereceu cerca de 120 mil marmitas, com cardápio pensado por Rodrigo.

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Adriana Salay com os filhos, Alice e Pedro, e o marido, o chef Rodrigo Oliveira,
Adriana Salay com os filhos, Alice e Pedro, e o marido, o chef Rodrigo Oliveira, no Mocotó (Julia Mataruna/CLAUDIA)

Parte dessa ideia surgiu em 2018, numa pesquisa feita pelo casal comparando práticas do Mocotó ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da Vila Medeiros, bairro que abriga o restaurante na Zona Norte de São Paulo. Descobriram que o salário médio dos funcionários é quase o dobro dos salários da região. À época, 65% dos funcionários do Mocotó eram residentes do próprio bairro.

“Para mim, foi uma fuga para aquela dor que eu sentia. Os relatos de fome são muito pesados, mas o que você faz com isso? Eu poderia definhar ou transformar isso numa ação.” Adriana passou a coordenar o projeto e hoje toma conta da comunicação, mapeamento, relacionamento com as famílias e captação de recursos.

“Temos que dividir o que é bom para que as pessoas se sintam amparadas, acolhidas e bem acostumadas a receber afeto.”

Adriana Salay

O próximo passo é a construção de uma nova cozinha-escola no bairro, dentro de uma ocupação que abriga 860 famílias, despejadas durante a pandemia. “É um lugar não só para distribuir refeições, mas que cria um núcleo de transformação. Os trabalhadores da obra são pessoas da própria comunidade”, explica sobre o projeto que viabiliza ainda cestas básicas para 250 famílias e tem parceria com uma Unidade Básica de Saúde, identificando famílias em vulnerabilidade. “Uma coisa que nos perguntam muito é se distribuímos as sobras do Mocotó, mas somos contra isso. Temos que dividir o que é bom para que as pessoas se sintam amparadas, acolhidas e bem acostumadas a receber afeto.”

Fã dos pratos ao estilo <em>comfort food</em>, Adriana adora preparar um tradicional nhoque aos domingos
Fã dos pratos ao estilo comfort food, Adriana adora preparar um tradicional nhoque aos domingos (Julia Mataruna/CLAUDIA)

Contudo, a relação de Adriana com a comida não se limita à teoria. Habituada a estar nesse local, a historiadora foi criada por uma família de origem croata e italiana — ou seja, era na cozinha que as histórias aconteciam. “Cozinhava domesticamente, mas depois que comecei a andar com cozinheiros, falei: ah, eu não cozinho, não”, brinca.

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Receber Adriana Salay e Rodrigo Oliveira - Tortilha
A tortilha é um preparo que vem do caderno de receitas de Adriana Salay (Julia Mataruna/CLAUDIA)

“Mas cozinhava bastante antes de casar, aliás, de ter filhos. Depois da chegada das crianças, fiquei mais com a função do lanche; sou eu quem monto as lancheiras e mando pra escola.”

Apesar da modéstia, era de Adriana a tarefa de cozinhar em família: “Fui criada com minha bisavó, que era croata. Ela era cozinheira e a impressão que tenho é que ela se juntou muito com a comunidade italiana. Então, cresci nesse tipo de cultura de macarrão com repolho e com batata — que a gente brinca que é o maior pleonasmo que existe [risos], mas era algo que comíamos”.

Num menu dividido com o marido para este editorial a quatro mãos, Adriana elegeu três receitas que exemplificam suas muitas versões. O nhoque e a tortilha são preparos que remetem às memórias distantes, de quando observava a bisavó cozinhar, e que passou para a rotina da família, principalmente aos domingos.

Receber Adriana Salay e Rodrigo Oliveira - Panqueca
Sucesso na lancheira dos filhos, as panquecas favoritas de Adriana são preparadas numa tapioqueira rendada (Julia Mataruna/CLAUDIA)

Já as panquecas estão sempre na lancheira das crianças, visto que Adriana é a responsável por prepará-las diariamente, garantindo algo que faça os olhos dos pequenos brilharem (as da página anterior, aliás, foram devoradas por Alice e Pedro, filhos do casal, logo após as fotos). Douradinhas e aromatizadas com cumaru (ou essência de baunilha), foram preparadas na tapioqueira rendada desenvolvida pela marca Mocotó — disponível na lojinha do restaurante.

Os pratos escolhidos por Rodrigo deixam sua marca registrada na gastronomia: uma culinária sertaneja e com o toque autêntico do chef. As receitas fazem parte de um menu que marca os 50 anos do estabelecimento criado por José de Almeida. O pai do chef fundou o Mocotó, que no início era uma Casa do Norte, em 1973.

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Foi nesse cenário que Rodrigo se desenvolveu e viu o lugar se transformar em restaurante, e, nas suas mãos, ganhar reconhecimento mundial. Hoje, na comemoração do aniversário, seu propósito é ser “um restaurante melhor para o mundo”.

Receber Adriana Salay e Rodrigo Oliveira - Dadinhos de Cereal
Os Dadinhos de Cereal, receita de Rodrigo Oliveira, celebram os 50 anos de Mocotó (Julia Mataruna/CLAUDIA)

Os dadinhos de tapioca, um símbolo de sua trajetória, ganham uma nova versão feita com cereais fermentados. “Foi uma maneira de tornar a nossa receita ainda mais inclusiva. Ela é vegana, supernutritiva e, ao mesmo tempo, rica e untuosa pela macadâmia”, explica Rodrigo.

Receber Adriana Salay e Rodrigo Oliveira - Carne de sol confit
A carne de sol confit com pirão de leite e pipoca de queijo coalho marca os 50 anos do Mocotó (Julia Mataruna/CLAUDIA)

A carne de sol guisada é feita à moda de suas tias: “É servida com pirão preparado com leite fresco, queijo coalho da fazenda Atalaia e farinha de mandioca da Fazenda Maniwa”, diz o chef em referência à fazenda em Socorro (PE), um de seus projetos agroflorestais.

O cajá-manga é preparado com purê de manga, sorbet de cajá e coco crocante
O cajá-manga é preparado com purê de manga, sorbet de cajá e coco crocante (Julia Mataruna/CLAUDIA)

“Aprendemos com a Adriana que se podemos restaurar um indivíduo, quem sabe, podemos restaurar também uma comunidade.”

Rodrigo Oliveira

Já do sítio Mulungu — outro espaço cuidado pela família, este em São José dos Campos (SP) —, vêm as mangas. O cardápio festivo traz de volta o cajá-manga, sobremesa célebre do Esquina Mocotó: “vegana, refrescante e feita de pura fruta, com um toque de baunilha da Bahia”, define o chef.

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Tão diferentes entre si, os pratos do casal representam bem a dualidade de seus universos, que acabam se complementando de tantas formas. “O Rodrigo tem muito da coisa sertaneja, inclusive nos hábitos domésticos. Ele queria fazer cuscuz de café da manhã e eu achava muito! Porque para mim era só pão. Mas daí a gente foi se encontrando; hoje acho o máximo comer cuscuz de manhã.”

Com doçura, Rodrigo não perde a oportunidade de exaltar a esposa: “A Adriana me disse que aprendeu com a nossa família a repartir o que temos e não simplesmente dar o que está sobrando. Mas a verdade é que aprendemos com ela que cozinhar é um ato político e que se podemos restaurar um indivíduo, quem sabe, podemos restaurar também uma comunidade”, finaliza o chef.

Confira aqui o passo a passo das receitas de Adriana Salay e Rodrigo Oliveira

CRÉDITOS DE EQUIPE

Texto Marina Marques
Fotos Julia Mataruna
Edição de Arte Catarina Moura

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