Após 90 anos de direito ao voto, mulheres ainda são minoria na política
Mais de 77 milhões de brasileiras votarão nas eleições de outubro, mas apenas 15% delas ocupam cadeiras no Congresso Nacional
Mais de 77 milhões de brasileiras estão inscritas para votar nas eleições que acontecerão em outubro deste ano, de acordo com a Justiça Eleitoral. Rita Gonçalves, estudante paulistana de 17 anos, o fará pela primeira vez. “É uma alegria, mas também uma responsabilidade. Quero me informar bem sobre o panorama de candidatos e propostas antes de chegar na cabine de votação”, diz ela, que acompanha grupos e debates sobre direitos e igualdade de gênero nas redes sociais. Foi justamente o trabalho organizado de coletivos feministas que permitiu, há 90 anos, que Rita e outras cidadãs conquistassem o direito de participar na escolha dos rumos políticos do país. No dia 24 de fevereiro de 1932, foi publicado no Código Eleitoral: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”. Essa foi a primeira determinação na legislação nacional brasileira de que as mulheres têm direito ao sufrágio, considerada a maior inovação desse documento, que também completa nove décadas, tendo estabelecido o voto secreto e criado a Justiça Eleitoral.
Depois de uma luta de pelo menos 100 anos -já em 1831, ainda no Império, a proposta de permitir o voto de mulheres em eleições locais foi recusada pela Assembleia Geral Legislativa, formada só por homens- figuras como a professora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz, que fundaram, na década de 1920, a Liga para a Emancipação Internacional da Mulher, foram fundamentais para a conquista do sufrágio feminino no Brasil. O texto inicial tornado público em 1931 previa que só votariam mulheres viúvas e solteiras com renda própria, enquanto as casadas (mesmo que tivessem seu próprio dinheiro) necessitariam autorização dos maridos, o que gerou críticas e reações de grupos feministas como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino contra o Governo de Getúlio Vargas, que mudou a decisão. É importante ressaltar que, apesar desse marco histórico, grande parte da população negra e pobre (constituída majoritariamente de mulheres) ficou excluída desse direito, que só foi ampliado aos analfabetos em 1985.
A conquista do voto serviu não apenas para que as mulheres participassem na eleição dos que ditariam os rumos do país, mas também para que elas próprias pudessem concorrer a cargos na administração pública. A primeira a fazê-lo foi Almerinda Farias Gama, advogada negra e única a se candidatar para a Assembleia Constituinte de 1933 nas eleições dos deputados da classe trabalhadora. Ela também foi a primeira mulher a depositar um voto numa cabine eleitoral no Brasil: “Minhas impressões? Sinto-me muito bem aqui. Que culpa tenho eu de estar sozinha?”, disse Almerinda a uma jornalista na ocasião, minutos antes de eternizar o momento numa foto em preto e branco na qual aparece colocando sua cédula com um amplo sorriso no rosto. Ela não foi eleita. A paulista Carlota de Queirós foi a única mulher a formar parte da Assembleia Constituinte em 1933, com Bertha Lutz na suplência.
Quase um século depois, a representação feminina em cargos políticos continua sendo um desafio no Brasil. Um exemplo disso é o fato de que, até o momento, há apenas uma pré-candidata para as eleições presidenciais de outubro: a senadora Simone Tebet, do MDB, que também foi a primeira mulher a se candidatar à presidência do Senado em 130 anos de história da Casa do Povo no Brasil, e isso só aconteceu em 2021.
Representação política
O Brasil ocupa o 152º lugar no ranking internacional da Inter-Parliamentary Union sobre a presença feminina nos parlamentos, ficando atrás não só dos vizinhos México e Argentina, como também de países como a Somália e até o Afeganistão, antes da volta dos talibãs ao poder. As mulheres representam 54% do eleitorado nacional, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, mas ocupam apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional. No Senado, elas são 1% e, em âmbito municipal, 900 municípios não tiveram sequer uma vereadora eleita no pleito de 2020.
Para a cientista política Carolina Botelho, esse cenário é reflexo da desigualdade de gênero estrutural no país. “É um panorama que só vai mudar quando mais mulheres ocuparem postos de liderança em mais organizações públicas e privadas, quando passemos a ganhar o mesmo que os homens. Por consequência, isso fomentaria maior participação política”, avalia ela, que ainda vê “pouco interesse dos partidos em inflar candidaturas femininas”.
Há algumas propostas em tramitação no Congresso para tentar mudar esse quadro. Uma delas, o Projeto de Lei 1951/21, determina uma porcentagem mínima de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas dos estados, a Câmara Legislativa do Distrito Federal e as câmaras municipais (com convocação de suplentes caso não haja eleitas em número suficiente para alcançar o percentual mínimo). Se aprovada, a regra deve valer já este ano, de forma gradual, para atingir 18% das vagas proporcionais nas diferentes instâncias do Poder Legislativo em 2022 e 2024. Daí em diante, serão 20% nos pleitos de 2026 e 2028; 22% em 2030 e 2032; 26% em 2034 e 2036; e 30% em 2038 e 2040.
Carolina considera que tais políticas são importantes, mas não se sustentam sozinhas e devem ser acompanhadas por políticas públicas em todas as esferas sociais e culturais para fomentar a igualdade de gênero. A cientista política cita como exemplo a profusão das chamadas “candidaturas laranja”, nas quais mulheres são usadas por alguns partidos para preencher a cota mínima de 30% de candidaturas femininas prevista na Lei 9.504/97. O que acontece é que elas se candidatam formalmente, mas não fazem campanha nem se lançam ao conhecimento público, uma prática considerada fraude ao pleito eleitoral. “Deve-se investir mais na formação política das mulheres, os partidos devem olhar para aquelas que estão liderando movimentos sociais importantes… Só assim avançamos. Essa é uma mudança que não se faz na caneta”, conclui.