Mateus Solano fala de Félix: “Até pessoas preconceituosas torceram por ele e por um final feliz”
Depois de 221 capítulos, o ator se despede do personagem amoral que ele fez o Brasil amar
Simpático, Mateus Solano faz graça e comemora o sucesso de Félix
Foto: Rodrigo Lopes
Durante quase dez meses, o ator Mateus Solano, 32 anos, reinou soberano no horário nobre, ao representar o preconceituoso e afetadíssimo Félix em Amor à Vida. Cruel, amoral e sem escrúpulos, o personagem tinha todos os elementos para ser odiado pelo público: logo nos primeiros capítulos, ele joga um bebê – a própria sobrinha recém-nascida! – em uma caçamba de lixo. Mas Mateus, com uma interpretação única, conseguiu o efeito contrário e fez o patife Félix ser amado pelos brasileiros. Suas expressões politicamente incorretas caíram no gosto popular, e o personagem saiu da novela para as páginas do Facebook, com milhões de curtidas. O ator acredita que o papel, de alguma forma, serviu para discutir os preconceitos da sociedade, principalmente em relação aos homossexuais. “Muito mais triste que um gay no armário é ver os outros não aceitando a pessoa como ela é”, diz. E vê na torcida por Félix (inclusive por um final amoroso feliz) um avanço. Agora, Mateus só quer descansar da maratona de 221 capítulos, ao lado da mulher, Paula Braun, 34, e da filha, Flora, 3. E, em breve, sair às ruas com mais tranquilidade. “Eu brinco quando sou abordado, mas não fico falando como o Félix. Para fazer as piadas dele, só pagando mesmo. E pagando bem (risos)”, afirma. A fala fez você se lembrar de alguém?
No começo, você sentiu receio de fazer um gay mau-caráter e ficar rotulado de alguma forma?
Jamais. Não tive medo. Acho que se o público ficasse com raiva por ele ser gay ou coisa parecida, seria um problema da sociedade, que ainda está muito atrasada em relação a isso. Na cena em que Edith (Bárbara Paz, 39) revela a homossexualidade do Félix para a família, quem estava no armário não era ele, mas as pessoas em volta dele. Era mais do que claro que Félix era gay, com todos aqueles jargões, mas todos fingiam não ver, para não ter de conviver com aquilo. “Filho meu não é gay”, dizia o pai. No hospital, ele era o presidente, então não ‘podia’ ser gay. Mas todos sabiam. Tanto que a reação não foi de surpresa quando Edith fez a revelação, foi de silêncio. Como se pensassem: “Agora a gente vai ter de tocar nesse vespeiro”. Achei isso riquíssimo, mas, por outro lado, é reflexo da nossa sociedade, muito hipócrita. É inacreditável, mas as pessoas ainda têm preconceito. Muito mais triste que um gay no armário é ver os outros não aceitando a pessoa como ela é. Todo mundo está no armário. O preconceito está no armário.
Uma vez que ele foi acolhido, acha que, neste ponto, a sociedade avançou, ‘saiu do armário’?
Eu acho que, quando o Brasil pensa sobre seus preconceitos, de certa forma, é como se saísse um pouco do armário. Primeiro, precisamos confessar que existe esse preconceito e, a partir daí, nos dispor a pensar sobre isso. Esse é o trabalho do artista, fazer pensar sobre si e sobre seus preconceitos.
De alguma forma o papel ajudou a quebrar tabus na sociedade?
Quebrar tabu seria demais, mas certamente ajudamos a colocar um foco nessa questão. Walcyr (Carrasco, 62, autor) com o texto, toda a composição da direção e o carisma que consegui colocar na construção do personagem fizeram o público gostar dele e aceitá-lo. Diferentemente dos homossexuais só caricatos, Félix possui afeto. Até pessoas preconceituosas torceram por ele e por um final feliz com Niko (interpretado por Thiago Fragoso, 32).
O ator não consegue mais andar nas ruas
Foto: Rodrigo Lopes
A relação entre os dois personagens conquistou o Brasil, mas não acha que faltou um beijo?
O romance deles é baseado no afeto e a aceitação do público vem muito por causa disso, já que o lugar do gay ficava, muitas vezes, somente no plano da comédia. É muito bacana ver a aceitação e, principalmente, as pessoas respeitando os homossexuais. Existem diversas demonstrações de carinho entre os personagens e, por isso, acho que não faltou o beijo.
Marcelo Serrado admitiu ter quase virado o Crô em casa na época de Fina Estampa (2011)… Depois de tanto tempo vivendo o personagem, não o levou para sua vida?
Mas é que o Serrado, a gente sabe, ele se envolveu demais… (risos). Imagine, estou brincando! Mas é uma grande bobagem isso. Teve uma época em que estava em três peças ao mesmo tempo, e ainda fazia os gêmeos de Viver a Vida. Se eu fosse virar personagem, ficaria esquizofrênico. Por isso, se algum dia eu dou “pinta” e alguém diz que é o Félix, digo que não tem nada a ver. E não tem mesmo. Mateus também faz essas coisas (imitar gay), igual a todo mundo. Todo mundo faz, não é nada especial.
Félix foi criticado por ser muito caricato. Conseguiu diminuir isso?
Não! Acho que Félix foi ficando cada vez mais caricato mesmo, mas ele pode. Félix é teatral. Félix é muito extrovertido para poder convencer as pessoas e até se esconder de si mesmo, eu acho. A novela do Walcyr tem uma coisa de novelão, no melhor sentido. “Vida, vida, vida” (ele começa a cantar o tema de abertura).
E o que você acha de Félix fazer tanta piada preconceituosa? Foi difícil?
Não, isto é delicioso! Ele é uma válvula de escape na sociedade politicamente correta que vivemos. Já ouviu o novo “Atirei o pau no gato”? (Ele começa a cantar…) “Não atire o pau no gato, porque isso não se faz. O gatinho é nosso amigo, não devemos maltratar os animais. Jamais!” Não canto assim para minha filha (Flora, 3), mas é uma das versões que ela ouve. O mundo está muito politicamente correto, um saco.
Tem medo de que as pessoas não esqueçam o Félix e você nunca mais tenha um personagem tão bom?
Minha vida hoje é o Félix, mas amanhã vai ser o próximo personagem. Não tenho esse medo, mas sei que ele ainda vai ficar na cabeça das pessoas por um tempo. O que vai ser bom, porque quero tirar férias! Estou louco para viajar, sabe-se lá para onde.
Você seria capaz de perdoar o Félix se fosse irmão dele?
Perdoaria, sim, óbvio, depois de um tempo. Acredito que todo ser humano tem solução e você perdoa quando vê uma tentativa de mudança. Claro que é muito mais fácil você ser vingativo. Mas perdoar é fundamental. Principalmente porque, até onde a gente sabe, a vida é uma só. Mas é claro que não dá para esquecer as coisas que ele fez…
Com o fim da novela, Mateus vai tirar férias com a família
Foto: Rodrigo Lopes
Como fez para aguentar o ritmo das gravações?
Tomo vitamina C todo dia e às vezes um café para segurar. Não gosto de energético, porque essas coisas acabam viciando. Tenho tantos colegas tendo taquicardia… Quando falaram que iam alongar a novela, achei legal. Se as pessoas se divertem, podem ter certeza de que me divirto também.
Nos últimos meses, você fez algo além de ser o Félix?
Não! Como? Tenho lido Game of Thrones. São sete livros de 500, 700 páginas. Fora isso, mais nada, nem exercício. Deveriam inventar um aparelho para fazer abdominal dormindo (risos).
Imagino que, nas ruas, confundiram muitas vezes personagem e ator…
O reconhecimento é maravilhoso. Mas é engraçado: as pessoas me olham e querem que eu seja o Félix. Eu brinco quando sou abordado, mas não fico falando como o Félix. Para fazer as piadas dele, só pagando mesmo. E pagando bem (risos).
Você já disse que ser famoso é ruim…
A única coisa boa de ser famoso é ganhar presente. Não compro mais roupas, produtos, e ganha-se muito dinheiro e tal… Mas não poder viver a minha vida é muito ruim. Tem muita gente que quer e gosta de aparecer, mas eu não. Sou o Mateus, não o Félix.
“Já era fã dela”
Mateus Solano e Paula Braun começaram a namorar nos sets de filmagem do curta-metragem Marido, Amantes e Pisantes, em 2008. Os dois dividem o mesmo teto desde o início de 2009, tiveram uma filha, Flora, em 2010, e oficializaram a união em 2011, com celebração e festa. Hoje, atuam juntos em Amor à Vida, em que ela faz a médica-residente Rebeca. “É muito bom ter minha mulher no mesmo lugar que eu. Sempre que ela vem gravar, eu estou aqui. Daí, ela entende melhor as coisas que passo, e eu, as que ela passa. Mas não tem essa ilusão de que a gente se vê mais por causa disso, infelizmente”, contou o ator, que diz não ter sentido ciúme quando a mulher ficou conhecida como “a bunda” em O Cheiro do Ralo (no filme, o personagem de Selton Mello se apaixona pelo bumbum dela). “Só a conheci meses depois do filme e, digamos, eu já era fã dela”, lembrou aos risos. Hoje, os dois também estão juntos na peça Do Tamanho do Mundo, em que ele atua, e ela escreveu e produz. O espetáculo está em turnê pelo país e estreia em São Paulo, em abril, no Teatro Renaissance.
ESTA MATÉRIA FAZ PARTE DA EDIÇÃO 2002 DA CONTIGO!, NAS BANCAS EM 29/01/2014.
Mateus e Paula Braun estão juntos desde 2008
Foto: Francisco Cepeda/AgNews