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Pela primeira vez em 66 anos, Nova York não terá O Quebra-Nozes no Natal

O prejuízo com o cancelamento da temporada é de milhões de dólares, impactando também o turismo da cidade. No Brasil, o efeito também será grande

Por Ana Claudia Paixão e Flavia Viana
Atualizado em 20 out 2022, 13h30 - Publicado em 2 ago 2020, 10h00

Em agosto de 1892, o coreógrafo francês, Marius Petipa, começou a trabalhar em um novo balé para o corpo de baile do Teatro Imperial Mariinsky de São Petersburgo, na Rússia, hoje, Kirov. Seria o seu último. O francês ficou doente antes de terminar o trabalho e a obra foi finalizada (alguns argumentam que mais que isso, totalmente feita) por seu assistente, Lev Ivanov. Depois de criar o que muitos consideram sua obra-prima, o balé “A Bela Adormecida”, Petipa encomendou ao compositor Piotr Tchaikovsky a música para uma produção de dois atos e um prólogo. O melodioso compositor criou alguns dos temas mais conhecidos de todos os tempos para o que veio a ser chamado de “O Quebra-Nozes”.

A história é baseada na versão de Alexandre Dumas, pai, de um conto infantil de E. T. A. Hoffmann, “O Quebra-Nozes e o Rei dos Camundongos”. Por ser passado em uma noite de Natal, nasceu assim a tradição de montagem dessa obra para finalizar o ano. A personagem principal, Clara, é uma menina de 12 anos e por isso muitos bailarinos contam “O Quebra-Nozes” como o primeiro balé que dançaram em suas carreiras. Certamente a relação com a produção é relevante.

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Montagem do Theatro Municipal do Rio de Janeiro de “O Quebra-Nozes” (Claudia Mota/Divulgação)

Por isso, quando o New York City Ballet anunciou em junho que, pela primeira vez em 66 anos, não vai apresentar o balé, virou notícia.  “O que é a temporada de fim-de-ano sem uma visita da Fada Açucarada?”, perguntou o New York Times em choque.

O cancelamento de “O Quebra-Nozes”, em decorrência da pandemia e a impossibilidade de voltar a ter um público em ambiente fechado, é muito maior do que a quebra de uma tradição secular.  Apenas no New York City Ballet, a média de apresentações girava em torno de 47 noites, todo ano, envolvendo mais de 150 bailarinos e músicos, 40 pessoas da equipe técnica e 125 alunos da escola do American Ballet.  Isso quer dizer que não apenas significa a redução de uma apresentação, que é o que todo artista quer, como também tem forte impacto econômico.

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A produção do New York City Ballet, de Georges Balanchine, é uma das maiores atrações turísticas da cidade. Em 2019, rendeu mais de 15 milhões de dólares apenas com as vendas de ingressos, algo em torno de mais de 77 milhões de reais. Estima-se que “O Quebra-Nozes” tenha alcançado um marco de 35 milhões de dólares no total, mais de 180 milhões de reais. As novas regras de distanciamento social poderiam demandar que a venda dos ingressos fosse reduzida a 20% da capacidade total do teatro, tornando a produção inviável pelos custos envolvidos. O NYC Ballet decidiu simplesmente cancelar a apresentação, optando por exibir online a temporada de 2019. Outras companhias americanas seguiram o exemplo.

Para bailarinos e músicos, “O Quebra- Nozes” também significava um trabalho assegurado para ajudar (e muito) nas finanças. Todas as companhias ao redor do mundo, fora as escolas, têm sua versão do balé, o que gera uma oportunidade de trabalho perdida por causa da Covid-19.

“É uma indústria. Às vezes os bailarinos fazem mais dinheiro com o “Quebra-Nozes” do que o ano todo. Dá muito dinheiro, porque no mês inteiro de dezembro, tem apresentações literalmente todos os dias” explica a bailarina Ingrid Silva. “Muitas escolas conseguem se manter por causa do “Quebra-Nozes”, esse ano será de extrema dificuldade para muitos por causa dos cancelamentos”, lamenta.

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(Jody Rogação/Acervo pessoal)

“Eu dancei o “Quebra-Nozes” por 10 anos seguidos, por coincidência foi o último ballet que eu dancei na Escola Bolshoi também, diz Jovani Furlan, solista do New York City Ballet. “Nos Estados Unidos o “Quebra-Nozes” faz tanto parte da tradição natalina das pessoas quanto o carnaval faz no verão dos brasileiros. É muito triste de não poder trazer isso pra vida das pessoas esse ano”, diz.

Furlan lamenta o cancelamento tanto do lado artístico quanto econômico. “Existem tantas camadas nesse cancelamento, são tempos difíceis, mas o mais importante é tomar as medidas certas pra que possamos ter um local de trabalho para retornar. Será um período de festas estranho esse ano, mas é só um ano, temos muitos pela frente”, diz.

No Brasil o cenário é ainda mais desolador.

Até a escola do Teatro Bolshoi, em Joinville, já cancelou a temporada de “O Quebra-Nozes” do final do ano, uma montagem aguardadíssima pelos 250 alunos e pelo público que ama esse balé. “Para a Escola Bolshoi esse balé é especial pois tem toda uma atenção de cenário, figurinos, participação das crianças, que somam magia e encanto ao espetáculo e pela presença marcante do corpo de baile. Um balé que envolve praticamente todas as séries da nossa Escola Bolshoi, desde o 1º Ano até o 8º Ano e os bailarinos da Cia. Jovem”, diz Pavel Kazarian, diretor da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil

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(Alinne Volpato/Divulgação)

Toda criança gosta de dançar este balé, mas não vamos tão cedo conseguir substituir a magia de estar no palco. A pandemia trouxe a necessidade urgente da inovação, exigindo que todos se reinventem, e o que nos move a seguir em frente, a se reinventar, e a buscar soluções para manter os alunos ativos e motivados é saber que a arte transforma vidas”, ele explica. “Por isso, estamos oferecendo conteúdo e aulas de manutenção aos nossos alunos, de forma on-line e para o nosso público, que sempre lotou nossos espetáculos, oferecemos a programação artística virtual no YouTube e nas redes sociais”, comenta.

“Eu já perdi as contas de quantas temporadas já dancei o “O Quebra Nozes” no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e pelo Brasil”, comentou a primeira bailarina da companhia carioca, Claudia Mota. “Foi o balé que mais dancei na minha carreira, porque fiz quase todos os personagens antes de protagonizar o papel da Fada Açucarada”, relembra.

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(Claudia Mota/Acervo pessoal)

A elogiadíssima versão que há mais de 30 anos é dançada no Rio de Janeiro é assinada por Dalal Achcar e, depois de quatro anos, estava prevista para voltar na programação de 2020. Agora é menos uma oportunidade na já escassa agenda do Municipal.  “O impacto é enorme e a frustração também”, lamenta Claudia.

“O público sempre espera o ano inteiro para assistir e cobra quando não tem. Para o Theatro é, sem dúvida, uma perda financeira muito grande, porque é uma das produções, se não a maior, em bilheteria”, comenta. “Artisticamente não tem um bailarino que não ame esse Ballet, fica um vazio por não estar em cena e pela representatividade nesta época do ano tão esperada por nós e pelo público. A saudade, no meu caso, é grande de dançar o Quebra Nozes”, admite.

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(Heloisa Hortz/ Cisne Negro Cia. de Dança/Divulgação)

Em São Paulo, a companhia Cisne Negro Cia de Dança que já montou “O Quebra-Nozes” mais de 500 vezes, ainda estuda uma alternativa para “salvar” a temporada. A diretora, Daniele Bittencourt Turzi, diz que os protocolos sanitários do momento, essenciais para todos, trouxe mais um desafio para a produção. “Mesmo que ocorram apresentações em 2020, será de uma forma totalmente inusitada devido à pandemia: com um número muito reduzido de apresentações, de elenco e de público presenciais e transmissão via streaming”, ela explica.

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(Reprodução/Divulgação)

 

Agosto era o mês das audições para selecionar o elenco para a montagem de fim-de-ano, uma época em que bailarinos de todo país participavam, mas a incerteza geral acrescentou dificuldades.  “Quase todos os anos absorvemos alguns dos bailarinos para o nosso elenco fixo. É uma oportunidade muito esperada por essa classe artística, dada a tradição deste espetáculo”, comenta Daniele. “O prejuízo econômico também é muito grande, pois a da arrecadação da bilheteria da temporada de “O Quebra-Nozes” é destinada à manutenção (ainda que parcial) de nosso corpo estável para o próximo ano. Além de ser uma perda para o público que nos prestigia todos os anos, ainda mais numa época como a que estamos vivendo em que a Arte é um alimento para a nossa alma”, lamenta ela.

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Montagem de “O Quebra-Nozes”pelo Bolshoi Brasil (Alinne Volpato/Divulgação)
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