Estes livros recém-lançados nos convidam a buscar novos olhares
É preciso abrir espaço para narrativas e autores que, por muito tempo, estiveram fora das prateleiras de bibliotecas e livrarias
Se as bibliotecas e livrarias acomodassem os títulos de acordo com o gênero e a raça dos autores, os de mulheres e negros ocupariam um número significativamente menor de prateleiras. Publicar um livro é uma conquista mais acessível a homens brancos no Brasil. Já o acesso à leitura é facilitado aos grupos com alto poder aquisitivo. Apenas metade dos brasileiros diz manter o hábito e 4,6 milhões afirmam tê-lo abandonado entre 2015 e 2019 – aliás, a maior queda foi entre os mais ricos. Os números são dos Institutos Pró-Livro e Itaú Cultural, divulgados em setembro em meio a manifestações contra a proposta do Ministério da Economia de pôr fim à isenção tributária a que os livros têm direito constitucional.
O argumento é de que a medida deixaria o item ainda mais caro, prejudicando o leitor e o setor livreiro. É o mais recente campo cultural em disputa, de muitos outros nos últimos anos. Historicamente, ler e escrever são formas de resistência e libertação que representam ecos de diferentes realidades. Isso não pode parar. É preciso, cada vez mais, abrir espaço em nossas estantes para corpos, pensamentos e histórias que não estão nas bibliotecas.
Pluralidade
O Brexit, um dos episódios recentes de polarização social que culminou na saída do Reino Unido da União Europeia, permeia o romance Garota, Mulher, Outras* (Companhia das Letras), da londrina de origem nigeriana Bernardine Evaristo. As personagens são 12 mulheres de diferentes vivências, idades e relações com a sexualidade e o racismo naquele país. O título chega ao Brasil neste mês após ter sido recomendado pelo ex-presidente americano Barack Obama e a feminista Roxane Gay. Rendeu à autora, no ano passado, o Booker Prize, mais importante honraria da literatura britânica, pela primeira vez concedida a uma mulher negra.
Biografias ocultas
A participação das mulheres na Segunda Guerra Mundial ficou, por muito tempo, de fora das narrativas. Quem primeiro retirou esse véu foi a escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch, vencedora do Nobel de Literatura em 2015, ao contar as histórias das mulheres soviéticas que foram para o front. Lançado neste momento de recuperação de figuras femininas pioneiras, Libertação* (Planeta), de Imogen Kealey, é a biografia da neozelandesa Nancy Wake, que atuou como espiã britânica e na resistência francesa durante o conflito. Ela morreu em 2011, aos 98 anos. Os direitos para levar a trama para o cinema foram adquiridos pela atriz Anne Hathaway.
Ampliando a busca
Além de escritora, a francesa Léonor de Récondo é violinista profissional. Em certa medida, essa musicalidade transparece em seus romances, que começam a chegar agora ao Brasil. Ponto Cardeal (Dublinense), que está em pré-venda, acompanha as angústias da transição de Laurent, que é casado e tem duas filhas, para Mathilda – persona encarnada por ele, inicialmente uma vez por semana. A inadequação ao gênero a que foi designado divide espaço com a necessidade de se abrir com a família para que possa viver como deseja. Publicado na França em 2017, o livro será lançado no final do mês no Brasil por uma editora independente. Esse tipo de selo é um dos que mais poderiam sofrer com um eventual fim da isenção tributária para o mercado.
Resgate de referências
Durante a recente explosão de movimentos antirracistas neste ano, falou-se muito da necessidade de se aprofundar em conhecimentos sobre raça. Entre as intelectuais que produziram bagagem falando do tema no Brasil está a antropóloga feminista Lélia Gonzalez, que morreu em 1994, aos 59 anos. A autora é reverenciada inclusive pela filósofa americana Angela Davis. Há tempos que seus escritos – sempre em linguagem pouco academicista – não eram encontrados em uma compilação. Essa lacuna é preenchida com Por um Feminismo Afro-Latino-Americano* (Zahar), organizado por Flavia Rios e Márcia Lima. Outro ícone do feminismo brasileiro, a escritora Patrícia Galvão, conhecida como Pagu, que viveu apenas até os 52 anos, tem diversas camadas de sua trajetória contadas em Autobiografia Precoce* (Companhia das Letras).
Não é a mesma história
Filho de um antigo membro do Panteras Negras, grupo atuante contra a violência policial nos Estados Unidos, o jornalista Ta-Nehisi Coates tem no currículo o cargo de roteirista de quadrinhos do herói Pantera Negra. A Dança da Água* (Intrínseca), seu primeiro romance, exigiu quase uma década de trabalho. Nele, o autor introduz o tema da escravidão, fator marcante na história de seu país, por meio de uma narrativa mágica e comovente sobre um jovem escravizado.
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