Caracolla: um menu vegetariano de sabores surpreendentemente potentes
As chefs Patricia Helú e Thainá Andrade dividem o comando do recém-inaugurado Caracolla, um verdadeiro oásis em meio ao caos da capital paulista
Passar pelas portas do Caracolla é como se teletransportar para o litoral. A balbúrdia do trânsito caótico da Vila Nova Conceição, bairro em São Paulo, parece ficar distante dentro do espaço criado por Patricia Helú e Thainá Andrade, onde cada detalhe foi pensado pelas chefs e sócias.
No chão, o granilite em tons claros dá a sensação de areia da praia; nas mesas e paredes, a cerâmica produzida por Gisele Gandolfi, do @atelier_muriqui, vem de um trabalho manual personalizado e traz as cores terrosas e os formatos inspirados na dança das águas-vivas.
No cardápio, não seria diferente: os pratos apresentados pela dupla reforçam essa sensação de frescor e calmaria, mas que passam longe do monótono. É uma comida de traços potentes.
O menu vegetariano — farto também em opções veganas — é um resumo nítido da longa jornada de Patricia Helú como cozinheira e estudiosa da culinária sustentável. Durante sua carreira, passou por grandes cozinhas internacionais, se especializou em raw food (aquela vertente de alimentação crua) e macrobiótica, deu diversos workshops e, agora, finalmente tem um espaço para traduzir toda essa bagagem.
“Eu brinco que tenho rodinha nos pés, pois amo estar em lugares diferentes. Morei um tempo na Bahia, visitei aldeias no Acre… Mas, há um ano e oito meses, engravidei de meu filho, Chico, e isso me trouxe essa vontade de aterrar e de estar perto da família. Hoje, se você me disser para ir sei lá onde dar um curso, eu não consigo nem me imaginar num lugar que não seja neste salão. Eu gosto de mudanças e acho que essa fase é mais um desafio”, comenta a chef e autora do Divina Alquimia (Companhia de Mesa), livro que traz dicas de preparos para uma rotina leve e sustentável mesmo em casa.
Ao seu lado, administrando o dia a dia, está Thainá, uma jovem chef com passagens por casas como D.O.M. e Dalva e Dito, ambos de Alex Atala, e que encontrou em Patricia a parceira perfeita para colocar em prática o desejo efervescente de comandar uma cozinha.
“Sempre gostei do movimento que a gastronomia proporciona, cair na rotina nunca foi algo que me atraiu. Minha vontade era trabalhar com uma comida que fizesse mais sentido, algo que fosse além de um prato saboroso. Foi aí que entrei nesse mundo e conheci a Pati, minha grande mentora”, conta ela, que há cerca de cinco anos é braço direito de Patricia em seus treinamentos culinários.
TEMPEROS DESPERTOS
Adepta do ayurveda, Patricia costuma dizer que a prática abriu seus olhos e coração para um novo universo. “Eu já fui do mercado financeiro, tive uma marca de roupas e fiz tantas outras coisas… Como sempre trabalhei fora, meu marido assumiu o posto de cozinheiro e fiquei distante de colocar as mãos na comida, que era uma paixão de criança. Quando encerrei minha marca de moda, em 2011, eu não estava bem e comecei a querer olhar mais para dentro. Fui viajar sozinha e ‘caí de paraquedas’ num retiro, onde conheci a medicina ayurvédica. Desde então, não saí mais da cozinha.”
“O essencial é conhecer o caminho de volta para a casa. Depois de fazer trinta vezes uma receita, você pode achar que já sabe tudo, mas as coisas sempre podem desandar. Por isso é importante saber retornar.”
Patricia Helú
Apesar de não ter inserido conscientemente os preceitos do ayurveda em seu cardápio, as práticas são intrínsecas da chef, e, por isso, podem ser observadas em suas criações autorais. “Acredito que a comida aqui seja saborosa porque a gente ‘acorda’ os temperos. Você não deve pegar uma especiaria e jogar direto no quibe. Ela está seca, sem aromas, por isso a importância de acordar os ingredientes”, explica a chef sobre o processo de aquecer e mexer os temperos com a intenção de potencializá-los.
O tartar da casa, por exemplo, é feito com cenoura defumada, mostarda em grãos e ervas frescas com toque picante. O que poderia resultar num preparo insosso, nas mãos das chefs se transforma em uma receita intensa, daquelas que dá vontade de brincar de adivinhar cada ingrediente presente nas garfadas.
Ainda mais curioso é o risoto com molho de tomate e manjericão: no lugar do arroz arbóreo, apenas couve-flor bem picada. O resultado é um prato com textura que parece explodir na boca. “O que me surpreendeu ao trabalhar com a Pati foi ver que ela entendeu a estrutura da comida e do paladar. Então, um prato dela nunca vai ser só salgado ou só um pouco mais ácido, vai ter sempre um traço de todos os elementos. Por isso, quando você coloca na boca, é uma experiência de diferentes sentidos e texturas”, define Thainá.
Um olhar para o passado, incluindo almoços em família e viagens especiais, também se converte em pratos no cardápio. O quibe era uma receita corriqueira na família de Patricia, que tem origem libanesa, mas na versão do Caracolla, a carne vermelha é substituída por quinoa, abóbora, especiarias e um suculento recheio de cebola caramelizada.
Já a Appeltaart, delicada torta de maçã, veio da vontade de recriar um gosto que Patricia provou em uma viagem para Amsterdã. Thainá arregaçou as mangas e trabalhou incansavelmente até chegar no resultado: uma sobremesa que equilibra o dulçor dos ingredientes e destaca o cítrico da maçã.
Para as sócias, o Caracolla é uma espécie de concha: um lugar acolhedor para cultivar bons frutos. Para nós, visitantes, é refúgio para uma pausa apetitosa.