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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Felicidade em tempos de pandemia

Juliana narra a descoberta da felicidade nos detalhes, na relação com alguém que só encontra pontualmente, na compra de um objeto com significado afetivo

Por Juliana Borges
Atualizado em 5 ago 2020, 21h14 - Publicado em 2 Maio 2020, 20h22

São Paulo, 02 de maio de 2020

 

Por séculos discutida, a felicidade tem diversas concepções. Para o filósofo clássico Platão, a felicidade caminhava junto a ética; já para Aristóteles, felicidade significava encontrar o equilíbrio, o harmonioso para o bem. Para Nietzsche, a felicidade era um objetivo; enquanto que para Santo Agostinho, só seria conquistada pela relação com o divino e por sua sabedoria. Mais próximos a nós, o filósofo Mario Sérgio Cortella apresenta a felicidade a partir de uma fórmula filosófica como algo igual a realidade e com menos expectativa, um sentimento de “vitalidade exuberante” e que é episódica, mas que pode acontecer com certa constância em nossas vidas. Já a filósofa Marcia Tiburi apresentará a felicidade como presente nas coisas simples e que ter uma vida feliz não significa que ela também não enfrente tristezas. O que une a formulação de ambos é de buscarmos a felicidade na simplicidade, desatrelarmos este sentimento do consumo, de uma felicidade “como potência a partir da justiça”, como afirma Tiburi.

Mas, hoje, nessa coluna, a felicidade não ganhará contornos filosóficos, ou vai no sentido prático, já que a filosofia permeia todas as nossas vidas, queiramos ou não.

Os tempos de pandemia estão nos fazendo refletir sobre muitas coisas, são tempos em que temos que lidar com sentidos e sentimentos que evitávamos e jogávamos na conta do cotidiano corrido. E temos reinventado, também, muito sobre estes sentimentos e expectativas. Eu passei a ler algumas coisas sobre essa busca da felicidade em coisas simples, até banais. Por exemplo, eu me sinto feliz quando estou no meu quarto e escuto as risadas gostosas de minhas irmãs da sala de casa. Eu me sinto feliz quando rego minhas plantas e as vejo mais alegrinhas, e até reencontrei o sentido de feliz ao retomar meus estudos de espanhol.

E, hoje, uma felicidade, até engraçada, me tomou de um jeito inesperado. Porque as inseguranças cotidianas são muitas. E, felicidade de adulto, também, é ver boleto pago. Certo, com essa última afirmativa, eu meio que deixei de lado a atenção chamada pelos filósofos em não atrelar felicidade ao consumo. Mas não se trata de consumismo, nesse caso. Mas de se sentir feliz com a paz, a calma e o alívio de uma conta paga.

Há alguns meses, eu comprei um sofá retrátil. Era um sonho de minha mãe e do meu padrasto. Em longas e suaves dez prestações. E se muita gente está descobrindo o que é comprar e receber coisas na porta de casa, é porque não conhecem a dinâmica de um bairro periférico. No meu bairro, da ponte pra lá na zona sul, eu compro ovos, laranja, produtos de limpeza, sofá, fogão, geladeira, armário de cozinha, lençol, panelas e muito mais coisas sem sair de casa. São os trabalhadores, em sua maioria, informais, que batem de porta em porta, estabelecem relação com a vizinhança e vendem produtos com facilidades de crediário. Esses tempos de só comprar yakult na porta já passou. Agora é de yakult até uma nova geladeira.

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Sempre odiei comprar coisas em prestação. Gosto de ser objetiva, pagar à vista, com desconto de preferência. Mas, sobre o sofá, não teve muito jeito. E daí que o pagamento das prestações já eram feitos no piloto automático, chegava quinto dia útil, transferência. Pumba!

O vendedor daqui, que eu vou chamar de Edmilson, já se tornou até figura amiga da família. Eu “o ganhei” como “herança” de minha mãe, porque ela que tinha essa mania de comprar sempre com vendedores que passam de porta em porta. Sabe aqueles versos do Belchior, de que “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”? Eu sigo bem esses versos e me vejo em minha mãe com uma frequência maior do que eu suporia. O Edmilson gostava tanto de minha mãe que chorou no portão de casa quando eu disse que ela havia falecido. Só para vocês terem um pouquinho da dimensão desse cara, em relações para além de uma venda na nossa porta.

E então que ele tentou me ligar e eu não vi. Meu piloto automático foi acionado e já logo respondi que faria a transferência na próxima semana. Mas daí que Edmilson trouxe as boas novas em forma de áudio do whatsapp para uma pessoa como eu, que já está reorganizando contas, dívidas, nesse caos pandêmico: “Oi Juliana, beleza? Então, você já terminou de pagar na transferência do início do mês passado. Eu tô ligando pra ver se você quer que eu leve alguma outra coisa.” Ah, a felicidade! Quem achava que mensagem e áudio por whatsapp eram sinônimo de frieza nas relações, nunca recebeu um áudio como esse: de dívida paga!

Aos meus ouvidos, a mensagem do Edmilson é compatível a um “eu te amo”, a um equilíbrio harmônico pelo bem, se fosse Aristóteles quem a recebesse; como um encontro com o divino, se ele a tivesse enviado a Santo Agostinho; como uma meta alcançada, se Nietzsche a tivesse escutado! O áudio da felicidade pela paz que aquela mensagem carregava. A felicidade caminhando com o amor, com a paz, com a calmaria. No ato de riscar uma das dívidas da minha lista de dívidas, eu encontrei a simplicidade presente na felicidade em tempos de pandemia.

Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:

01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”

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02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener

03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa

06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?

07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia

08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia

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09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos

10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!

11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19

12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos

13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!

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14/04- E aí, quais são as lives da semana?

15/04 – Como praticar autocuidado radical?

16/04 – #TBT da saudade do mar 

17/04 – Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres

18/04 – Mulheres na política fazem a diferença também no combate à pandemia

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19/04 – Quem cuida de quem cuida?

20/04 – Tempos difíceis

21/04 – Viva Hilda Hilst!

22/04 – Dia da Terra e o futuro da humanidade

23/04 – Dia do Livro e a menina que amava livros

24/04 – O País está de  ponta-cabeça

25/04 – A louca da cozinha

27/04 – Diário de uma “Cristinder”

28/04 – A saudade que o BBB vai deixar

29/04 – E daí? O que você vai fazer com esse desdém?

30/04 – O que você comeu hoje?

01/04 – Dia do TrabalhADOR

 

Em tempos de isolamento, não se cobre tanto a ser produtiva

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