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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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A saudade que o BBB vai deixar

Quantas de nós acabamos conversando sobre masculinidades tóxicas?

Por Juliana Borges
Atualizado em 28 abr 2020, 21h20 - Publicado em 28 abr 2020, 21h13
 (GloboPlay/Reprodução)
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São Paulo, 28 de abril de 2020

 

Não tem como não falar da final do BBB20 hoje. Primeiro, porque eu não nego que assisto o Big Brother Brasil desde a primeira edição. Tá certo que esse acompanhamento passou por altos e baixos. Houve temporadas que não me animaram muito. Outras, me fizeram torcer e votar como se não houvesse amanhã.

Já adianto: não entrarei no mérito e discussão se o programa é ou não um entretenimento alienante. Acho que há muitas discussões que podemos fazer por aqui sobre entretenimento de massa e popular. E eu também amo novela. Não tem jeito e faz parte do meu processo de criação, eu gosto das narrativas, eu torço pelas personagens, eu odeio outras e acho que muitas são as discussões mais intelectualizadas que podemos fazer e reflexões para compreender aspectos da sociedade por esses programas. Importante pontuar que quando eu falo de discussões intelectualizadas, eu não estou falando de discussões que, necessariamente, verão de modo negativo os programas de entretenimento de massa. Não me atrai qualquer processo de discussão sobre qualquer aspecto das sociedades que parta de premissas preconcebidas e/ou hierarquizadas sobre o que seja bom ou de qualidade. Então, vamos ao BBB.

Essa temporada foi interessante em vários aspectos, mas a gente também precisa assumir que o fato de estarmos em isolamento social fez com que o BBB ganhasse outras proporções. Concordo com Tiago Leifert quando ele apresenta que projetamos muito nas personagens participantes do reality show. Ou seja, se não podemos nos abraçar, fazia sentido que nos interessássemos por quem ainda poderia exercer esse ato humano. Se não podemos ir em festas, a gente aproveitava a tevê ligada e curtia aquela festa com uma aglomeração, que sentimos tanta falta, ainda possível no programa e cada vez mais rarefeita.

E foram muitas as discussões que o programa colocou nas salas brasileiras. Quantas de nós acabamos conversando sobre masculinidades tóxicas e comportamentos masculinos violentos com nossas mães, avós, irmãs, irmãos? Acho que conseguir ter a ideia do que é um comportamento violento e que a agressão física é um ponto máximo para isso, mas que a violência tem diversas dimensões, é uma compreensão importante para a gente ter na dinâmica familiar. Quantas de nós aprendemos sobre sororidade? E quantas de nós aprendemos o que é um “macho escroto”? Ou mesmo aprendemos que há aqueles homens todos alternativos, de cabelão, paz e amor, mas que acabam reproduzindo em seus cotidianos práticas que contradizem o discurso? E uma discussão que mais me interessou foi a de que laços podem ser construídos, a despeito das pessoas estarem sempre juntas no programa, porque “há coisas muito maiores do que esse programa” para que essas relações sejam estabelecidas, como já dizia o Paizão. Ah, me entreguei!

Babu Santana não é um nome para ficar na história. Minha identificação com a figura foi de cara. Me lembrava meu tio Pedro, já falecido. Um cara marrudão, “casca grossa” e que, por muitas vezes, foi mal interpretado, foi tido como homem agressivo, descrito sob todos os preconceitos e estereótipos sociais de homens negros na sociedade. Mas, meu tio Pedro, assim como Babu, era aquele cara que amava cozinhar, escutar e dançar soul music. A identidade com o Paizão se estabelecia pela favela, pela negritude e também de modo afetivo.

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E eu confesso aqui que essa final me surpreendeu positivamente. O BBB19 deixou muitas questões e desconfianças para nós, principalmente mulheres negras. Apenas no momento que Leifert anunciou Manu Gavassi em 3º lugar é que eu tive alguma esperança de que meus votos da noite anterior poderiam ter ajudado para que Thelma Assis, uma mulher negra retinta, ganhasse a edição. Meus sentimentos foram e voltaram em velocidades extremas durante toda a semifinal e final. Mas, com a saída do paizão, não tinha nem discussão: mutirão para o voto em Thelma. A minha surpresa positiva se deu pelo racismo tão presente em nosso país. E se pensarmos de modo interseccional, ou seja, que as opressões de classe, raça e gênero, caminham juntas e grudadas, eu logo pensei que lutaríamos uma luta perdida por Thelma.

Mas eu queimei a língua. E eu estou imensamente feliz por ter queimado a língua. Acho que essa final, além de ter uma vencedora representativa de tantas brasileiras e brasileiros, foi também a prova de que há mobilizações que a gente não deve desistir logo de saída. A gente tem que teimar o quanto pode. Uma final que mobilizou gente teimosa, gente que projetou sonhos como irmandade. E tem bastante a se comemorar.

Um parágrafo breve: a gente só não pode se perder, achando que mudanças estruturais podem partir de uma final de programa. O que temos, hoje, é uma mulher negra que poderá construir seus sonhos, viver algumas vantagens sociais, mas jamais privilégios. Porque estes últimos são construídos a partir de muitos outros elementos que R$ 1,5 milhão não resolvem. Questões ainda tão arraigadas em nossa sociedade, que a gente ainda tem muito o que caminhar.

Ter que caminhar não significa que a gente não pode querer alegrias no percurso, muito menos que a representatividade não seja importante. Ela é. Imagine só as crianças, principalmente as meninas, negras hoje. Vendo que é possível ser médica, que é possível construir com outras mulheres, que é possível viver o amor (já que Thelma Assis vive um relacionamento consolidado e feliz), que é possível buscar seus sonhos. Isso é imensurável. E isso deve ser celebrado.

Um pouco egoísta de minha parte, mas depois do grito de alegria e alívio com o resultado, também fiquei um pouco paralisada, pensando no que eu assistiria hoje, com quem eu choraria e riria (Babu, você foi fundamental para muitos dos meus choros e risos aqui), com quem faria festa, com quem eu vibraria nas “tretas” (sim, o isolamento me faz sentir saudade até de tretas).

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A gente ainda vai discutir muita coisa sobre esse BBB, não tenho dúvidas. A gente ainda vai discutir bastante sobre programas de entretenimento de massa. Mas, hoje, só hoje, vamos viver essa alegria e essa saudade.

Parabéns, Thelma! Você nos fez vibrar como em final de Copa do Mundo.

Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:

01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”

02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener

03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa

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06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?

07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia

08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia

09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos

10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!

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11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19

12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos

13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!

14/04- E aí, quais são as lives da semana?

15/04 – Como praticar autocuidado radical?

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16/04 – #TBT da saudade do mar 

17/04 – Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres

18/04 – Mulheres na política fazem a diferença também no combate à pandemia

19/04 – Quem cuida de quem cuida?

20/04 – Tempos difíceis

21/04 – Viva Hilda Hilst!

22/04 – Dia da Terra e o futuro da humanidade

23/04 – Dia do Livro e a menina que amava livros

24/04 – O País está de  ponta-cabeça

25/04 – A louca da cozinha

26/07 – Diário de uma “Cristinder”

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