Refúgio de sorte: a casa-amuleto da designer Guta Virtuoso
Neste apartamento, a jornada com a moda e as crenças se fazem presentes numa decoração cheia de personalidade e histórias boas para relembrar e compartilhar
A intensidade sempre foi uma característica que permeou a vida de Guta Virtuoso. Decidida de seus objetivos, foi assim que optou por sair de Santos, cidade litorânea onde nasceu e viveu com sua família até os 18 anos, para realizar o sonho de estudar moda em São Paulo.
O pai era contra a sua partida, queria a filha por perto e até vibrou quando uma universidade local inaugurou um curso nessa área. Acabou escolhendo desenho industrial, que não estava disponível por lá, e assim não teria desculpas. Convencida de suas vontades, a jovem fez as malas e foi para a capital traçar a sua jornada.
Formou-se em desenho de moda, marketing e design de interiores, e teve passagens por escritórios de grandes marcas, como Restoque (agora, Veste), Bo.Bô e Pedro Lourenço. Essa bagagem foi o impulso que precisava para realizar outro sonho, o de ter sua própria coleção.
A Cine 732, primeira marca própria com a sócia Luciana Conde, foi criada em 2014 e trouxe a oportunidade de imprimir seu DNA nas criações, que seguiam uma linha mais pop, com portfólio de acessórios feitos em metal e resina.
Uma das coleções de verão, por exemplo, foi inspirada na manifestação e representação da palavra Afoxé, que vai ao encontro da sua fé e inspira, até hoje, muitos dos seus trabalhos.
“Se você não está muito segura de si, ainda mais quando está exposta nas redes, acaba se perdendo do que, de fato, você é.”
Guta Virtuoso, designer
Com o encerramento da marca e alguns desgastes com o universo fashion, Guta chegou num momento profissional em que precisou recalcular a rota. “Dei um tempo nas redes sociais, porque entrei em depressão. Agora, estou voltando aos poucos, tenho feito collabs de moda e decoração, e consultoria para marcas”, detalha a designer, que tem a internet como ferramenta de divulgação de suas coleções de acessórios, como a que lança neste mês em parceria com a Santonína (usadas neste editorial).
“Hoje, prefiro fazer essa parte mais de análise, de voltar meu olhar para coisas que amo, que são marcas menores, de processos manuais, e vê-las crescendo. Acho que é isso que carrego tanto aqui para dentro de casa, quanto para meu estilo de vida.”
ELA NÃO ANDA SÓ
Foi durante o período de instabilidade emocional que Guta mais se apegou à sua fé, algo tão visível na sua morada. “Na pandemia, a casa de umbanda que frequento estava fechada, e concluí que precisava resgatar essa conexão dentro de mim. Se você não está muito segura de si, ainda mais quando está exposta nas redes, acaba se perdendo do que, de fato, você é. Cheguei a me questionar: ‘Será que sou isso? Ou será que é apenas o que estão falando? Quem sou eu na fila do pão?’ Acho que a fé foi importante para mim e é um processo de retomada ainda.”
Figas, pencas, amuletos, livros de espiritualidade e desenhos carregados de significado transformam a casa de 110m2 no santuário particular de Guta. No teto, a moradora pediu ao artista Estéfano Hornhardt uma pintura que a representasse.
“Não mexe comigo, que eu não ando só” (em referência às canções “Carta de Amor”, de Maria Bethânia, e “Tempo Rei”, de Gilberto Gil) foram os dizeres escolhidos para acompanhar a figura de uma onça na parede — animal que estampa uma de suas tatuagens.
“Quando voltei para este apartamento, me veio um sentimento de andar para trás, não queria isso. Era algo que precisava ressignificar.”
Guta Virtuoso, designer
Outro símbolo de sua crença, que pertence a ela desde antes do nascimento, é uma figura de Cosme e Damião. “Eu nasci no dia 28 de setembro e, antes disso, uma moça falou para minha mãe que eu nasceria no dia desses santos, que seria no dia 27, acabei atrasando um pouco (risos). Mas minha mãe saiu contando esse fato para todo mundo, e ganhou a imagem, ou seja, ela tem mais de 37 anos”, conta a designer.
Com a vontade de dar uma casa à altura de Cosme e Damião, Guta recorreu à artista niteroiense Lorena Moreira, que escolheu uma das peças únicas da linha “Super Barroco”, com relicários pintados à mão em tinta acrílica. É também Lorena a criadora do painel monocromático em azul, localizado na sala, colorindo o cantinho do escritório.
O apartamento em São Paulo já presenciou diversos momentos da vida de Guta. No espaço, ela viveu sozinha, com os irmãos e, mais recentemente, foi seu local de retomada após um noivado desfeito.
“Quando voltei para cá, me veio esse sentimento de andar para trás, e eu não queria isso. Era algo que precisava ressignificar”, conta a moradora.
Foi na busca por esse novo significado que pincelou pedaços de suas vivências no espaço. “Resolvi mudar toda a configuração: abri a cozinha, a sala, o quarto… Como meus irmãos não são apegados à decoração, a casa sempre teve minha cara, mas eu era jovem, tinha uma parede verde Tiffany (risos), então busquei coisas que faziam sentido para este momento da vida.”
Na falta de uma varanda ou vista (tomada pelo paredão do prédio vizinho), Guta buscou vivacidade por meio de outros elementos. “Achei que deveria trazer isso aqui para dentro de outra forma: uma cor no teto, uma alegria nos objetos e em tudo aquilo que representasse meu estilo — e eu não paro nunca.” Se depender das boas energias, novos projetos não vão faltar por aí.