Rosa Avilla: “Como cantora estou me saindo uma excelente anestesista”
Conheça a trajetória da médica ítalo-brasileira que hoje concilia a carreira com as atividades de cantora, uma paixão que aflorou depois dos 50
Médica, anestesista, autônoma, prestadora de atividade assistencial, coordenadora de um curso de pós-graduação em anestesia no Hospital de São Paulo, condutora de uma atividade de pesquisa pessoal e cantora. Para ela não existem quimeras.
“Meu nome é Rosa Marina Avilla, artisticamente Rosa Avilla, tenho 56 anos. Sou médica há quase 33, mas nasci cantora. Na certidão de nascimento está escrito ‘cantora’, não tem jeito”, diz com um sorriso esperançoso no rosto.
Ela, que despertou seu lado artístico tempos antes da pandemia, usou a música como refúgio para os dias corridos e pavorosos que a Covid-19 tem nos apresentado.
Filha de imigrantes italianos, Rosa sempre teve uma relação estreita com a música, ainda que não houvesse nenhum músico profissional na família. “Meus pais viviam cantando em casa, pois para o povo italiano, cantar é uma coisa muito comum. Tem sempre muito barulho e falação”, diz.
Exercendo o seu dom desde os 9 anos, a “médica-cantora” conta que era cercada por uma vizinha religiosa, que gozava da missão de levar todas as crianças da vizinhança para cantar em uma igreja católica perto de onde moravam. “Meu pai tinha uma kombi em que ele levava todas essas crianças para o templo, sobretudo no mês de maio, dedicado à Nossa Senhora de Aparecida, quando determinadas músicas eram escolhidas e as crianças aprendiam. Só que quem cantava as músicas sozinha era eu, enquanto os outros faziam coroação e jogavam pétalas.”
“Naquela época, o padre já dizia: ‘Fala para sua mãe que você canta muito direitinho’, mas isso não tinha um significado muito importante para a minha família, porque todo mundo cantava. Além do mais, meus pais eram imigrantes que chegaram aqui na década de 50, oito anos depois de a Itália ter perdido a guerra. Eles eram simplesmente pessoas que buscavam oportunidade de vida”, aponta.
Ainda jovem, a paulista viu o sonho de ser cantora passar perto após um conhecido se oferecer para empresariá-la, mas acabou direcionando os estudos para outra área. “Ele me ofereceu uma carreira, mas um pouco por timidez e por incapacidade dos meus pais gerenciarem esta situação, eu desisti e fui fazer cursinho para seguir na área da medicina”, relembra.
Durante toda a vida Rosa estudou em escola pública, e mesmo com todas as barreiras conseguiu entrar na Escola Paulista de Medicina [UNIFESP], formando-se médica com 24 anos.
“Eu nunca larguei a música, sempre frequentei vários conservatórios. Após os 30 anos, quando tive meus filhos, me dediquei durante 10 anos ao canto erudito. Mas também deixei de lado e continuei como médica, trabalhando, porque a vida é assim”, expressa.
“A gente precisa pagar as contas. Vem filho, divórcio, e a gente acaba tendo que dar conta de tudo. Mulher é assim mesmo.”
Mesmo quando o sonho parecia perdido, sua vida sofreu uma nova reviravolta: “Há dois anos eu conheci meu produtor musical, David Pasqua, e esse foi o ponto da virada. A música entrou na minha vida como um tsunami positivo. Ela estava lá, sublimada, mas surgiu ao acaso e ganhou proporções maravilhosas.”
“Comecei a me apresentar em algumas casas de São Paulo há dois anos, dentre elas o All of Jazz, um dos bares mais tradicionais de jazz da cidade, onde eu caí nas graças do dono que achou muito curioso uma médica sair direto do hospital para ir cantar no bar dele, com os rolinhos na cabeça.”
“Após um ano dessa vida de apresentações, eu fui convidada pelo mesmo produtor musical para gravar um vídeo com uma canção autoral em italiano. Foi então que eu lancei o meu primeiro clipe e canção single, ao final de fevereiro de 2020. Em seguida veio a pandemia.”
“Mesmo com a pandemia eu tinha um inquietude. Havia esperado 40 anos para cantar e iria parar naquele momento? Não!”
Foi então que, quase como uma resposta do universo, uma vizinha deu a ideia da cantora ítalo-brasileira sair na varanda e cantar para todos os vizinhos. E assim foi feito. “Abri a minha janela, as vizinhas abriram as delas e nós cantamos. A partir de então não parei mais. Tanto que comecei a fazer lives musicais no Instagram, algo ainda inédito”, conta.
Iniciante na área, a cantora ainda não possuía tecnologia suficiente para fazer suas lives em plataformas diferentes, então precisou recorrer às famosas “gambiarras”. “Eu colocava um celular num tripé, mas o outro celular não tinha onde por, então em uma das primeiras vezes, eu o amarrei na haste da cadeira com durex. Assim, pude transmitir simultaneamente o mesmo show por duas plataformas”, revela.
“A médica que saiu do hospital agora tem uma playlist nas plataformas digitais. Isso para mim é uma coisa maravilhosa e inusitada, sem que eu deixe de fazer as coisas que eu faço.”
O que era esperado não demorou de acontecer. A médica começou a ganhar conhecimento na mídia e, com o desejo de sempre fazer o melhor, investiu em marketing digital e estudou mais sobre as novas tecnologias.
“Eu continuo fazendo anestesia, vou ao hospital, continuo dando aula, deixando o almoço pronto e tantas outras tarefas. O canto foi só uma coisa a mais, que hoje, efetivamente, é uma carreira adicional harmônica dentro do que é possível dentro da medicina. Inclusive, eu já estou sendo notada e contratada pelos meus pares médicos para cantar”, conta orgulhosa sobre sua recente experiência de produzir um jingle para a Sociedade Brasileira de Anestesia, em homenagem aos profissionais da saúde.
“O mais legal é que, ao final de 40 lives – 40 semanas coincidentes de uma gestação – eu tive meu bebê, que foi o meu primeiro disco de canções ítalo-brasileiras, lançado recentemente e que muito me orgulha.”
“A ideia é abraçar as pessoas através da telinha e da música. Isto é o que eu posso oferecer. A vida está me dando um presente que é cantar, então eu preciso cantar. Eu saí da casinha já com 55 anos e preciso fazer isso agora. A vida é muito curta. Eu tive Covid-19 e sei o que é isso. Então me organizo, mantenho a disciplina e a paixão pela vida, pois assim eu faço bem pra mim e faço o bem para outras pessoas”, diz.
Um pouco de quem cuida
“Certa vez eu precisei fazer uma anestesia geral em uma criança que iria fazer uma ressonância, pois tinha nascido com um tumor na região do osso sacro [final da coluna]. Ela tinha 8 meses e foi entregue pela mãe chorando. Para confortá-la, eu a abracei e comecei a cantar, como eu fazia com meus filhos, e essa criança foi se acalmando até que dormiu. Esta foi a anestesia mais deliciosa que já dei.”
“Eu costumo dizer que, como cantora, eu estou me saindo uma excelente anestesista, porque quando eu canto, ofereço para as pessoas um conforto que habitualmente elas não têm, porque a rotina é corrida. Se você precisar de mim como anestesista, é porque você está muito doente, mas cantar com a alegria que eu transmito, é um ato de fazer o bem. A música serve como terapia.”
“Eu acabei adquirindo coisas que eu não sabia que existiam, que são fãs, porque ser fã de médico é uma outra coisa. Se você é fã de médico, é porque você ficou doente. Mas médico anestesista? Quem é que lembra do anestesista?”, brinca.
Próximos passos
“Eu tenho um sonho ainda que está prestes a se realizar, que é cantar em Roma, na final do concurso do qual eu estou participando, o que ainda não é possível por conta da pandemia. Também gostaria muito de cantar eventualmente na terra em que meu pai nasceu, onde todo mundo me conhece”, conta Rosa Avilla.
“Pode ser que eu não consiga cantar presencialmente na Itália, mas talvez eu cante pela tela aqui do Brasil. Embora pareça muito pequena, é ela quem permite nos abrir para o mundo”, finaliza.