Dia da Terra e o futuro da humanidade
A partir de várias mobilizações, falamos neste "Dia da Terra": Por que chegamos até aqui, nesta situação?
“Proteger a floresta é proteger também os outros, que não estão na floresta”
Aílton Krenak
Hoje seria um dia bem ordinário de aulas e reuniões de trabalho. Mas, lá pelo meio da tarde, recebi um link de um amigo. Ao clicar, abriu-se o novo livro de Aílton Krenak, líder indígena e escritor, que luta pelos povos da floresta e pelo nosso planeta desde os anos 1970. Krenak se notorizou pela manifestação que fez durante a Constituinte, em 1987, em que gritava contra a ignorância sobre o que significa ser indígena, defendendo a Emenda Popular da União das Nações Indígenas e pelo gesto de pintar o rosto de preto como manifestação do espírito de luto.
Em princípio, houve certa relutância de minha parte. Não porque recuso a formulação e escrita de Krenak. Pelo contrário, a curiosidade diante daqueles outros e novos escritos era imensa. O que sentia estava intimamente ligado ao quão verdadeiras e profundas vejo as palavras proferidas pelos encantados. Também me nego a uma ideia romantizada sobre isso. Mas, no último período, mais especificamente há cerca de 10 meses, venho me conectando mais a uma outra perspectiva sobre o planeta, sobre o que é o humano e sobre como pretendo me relacionar e me compreender no cosmos. Esse processo tem impactos diversos e mais intensos a cada nova leitura e palestra que assisto.
A curiosidade e a certeza de que aquela leitura seria uma boa jornada venceram. E isso se conectou ao fato de hoje ser 22 de abril, quando, há 50 anos, se fala em Dia da Terra. A partir de várias mobilizações, que envolveram milhões de pessoas, falamos neste dia que ganha uma importância tremenda nestes tempos de pandemia. Por que chegamos até aqui, nesta situação? Quando sairemos dessa crise? Mas a pergunta mais importante: como sairemos dessa crise?
Daí me vem Krenak, que com o seu “Ideias para adiar o fim do mundo” já havia me inspirado e seu novo “O amanhã não está à venda” fazendo a relação que tanto precisamos escutar entre esse momento que vivemos e a intervenção humana no planeta ao dizer: “Hoje, estamos diante da iminência da Terra não suportar a nossa demanda. (…) Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade. (…) E temos agora esse vírus, um organismo do planeta, respondendo a esse pensamento doentio dos humanos com um ataque à forma de vida insustentável que adotamos por livre escolha, essa fantástica liberdade que todos adoram reivindicar, mas ninguém se pergunta qual o seu preço”.
Um dos meus textos aqui foi da relação sobre o que comemos e as pandemias. Há quem diga que isso é uma bobagem. Mas acho mais absurda a ideia de teoria conspiratória em vez de uma constatação por simples observação do que estamos fazendo no planeta há séculos, mas que se acentua com a tal “revolução industrial”. A gente trata a Terra como se ela aqui estivesse para nos servir, nos descolando da ideia de que viemos dela, para ela voltamos no encerramento do nosso ciclo de vida, que somos tão parte dela quanto qualquer outro organismo vivo. Aílton Krenak não mede palavras ao chamar a nossa atenção, o “vírus está discriminando a humanidade. O melão-de-são-caetano continua a crescer aqui do lado de casa. A natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos”. Pode parecer romântico ou meio fora do lugar falar nas reflexões que devemos fazer nesse momento. Mas é necessário, já que não tem como voltar atrás. E retomar determinadas coisas pode nos levar a ser uma das espécies parte da lista de extinção. O antropocentrismo já era uma ideia difícil, hoje se mostra insustentável.
A reflexão desse Dia da Terra é que a gente tem que apontar para outras direções, já que a pandemia prova uma coisa, a qual Krenak também chama atenção: a gente achava que era impossível fazer mudanças radicais porque o mundo não podia parar, mas “e o mundo parou”. A criatividade humana pode ser usada para saídas de reorganização da cadeia produtiva de alimentos – que já está em alerta com os casos monitorados de gripe aviária, principalmente em granjas de perus; como a de pouco mais de dois dias nos Estados Unidos com alto risco patogênico –; para a gente usar da tecnologia para estabelecer processos de produção limpos, que não sejam em escala global, mas com foco na pequena produção, incentivando o sentido comunitário e do comum; para que a gente não foque mais em combustíveis fosseis; não permita o avanço sobre nossas florestas porque elas são, também, parte de nós. Que nesse dia da Terra, em meio ao caos pandêmico, a gente se entenda parte disso tudo. A Terra segue. A gente precisa definir se também quer seguir com ela.
Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:
01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”
02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener
03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa
06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?
07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia
08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia
09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos
10/04 – Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!
11/04 – 3 filmes para refletir sobre a pandemia da Covid-19
12/04 – Nesta Páscoa, carrego muitas saudades. Hoje, minha mãe completaria 54 anos
13/04 – Obrigada, Moraes Moreira!
14/04- E aí, quais são as lives da semana?
15/04 – Como praticar autocuidado radical?
16/04 – #TBT da saudade do mar
17/04 – Precisamos falar sobre a pandemia e violência contra as mulheres
18/04 – Mulheres na política fazem a diferença também no combate à pandemia
19/04 – Quem cuida de quem cuida?