Samela Sateré Mawé nasceu e cresceu no Amazonas, dentro da Associação de Mulheres Sateré Mawé, que foi fundada pela sua avó. Amanda Costa, nascida e criada na Brasilândia, periferia na zona norte de São Paulo, já viajou meio mundo, mas nunca foi à floresta. Com origens e vidas tão diferentes, as jovens têm pelo menos uma coisa em comum, além dos 25 anos: ambas são duas das mulheres mais influentes na luta contra a emergência climática no Brasil.
Samela diz que sempre foi ativista, antes mesmo de saber o que a palavra significava. Participando desde a infância das reuniões e atos das mulheres de sua etnia indígena, ela conheceu o movimento Fridays for Future, liderado por Greta Thunberg, em 2019, e, desde então, a estudante de Biologia passou a se engajar ainda mais na luta pelo meio ambiente. “Nos territórios indígenas é onde existe mais preservação da biodiversidade. Preservar o meio ambiente tem tudo a ver com preservar as vidas dos nossos povos”, afirma Samela, que hoje é comunicadora na APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) apresentadora no Canal Reload e integra as ONS NOSSAS e Uma Concertação pela Amazônia.
Já Amanda iniciou seu ativismo no primeiro ano da faculdade de Relações Públicas, quando estudava os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas) e ganhou uma bolsa para representar a juventude brasileira na Cúpula do Clima em 2017 (COP23), na Alemanha. “Lá, eu percebi que as pessoas jovens e pretas de comunidades não estavam inseridas nesse tema, apesar de já estarem sofrendo os principais impactos dessa crise climática“, conta. Quando voltou ao Brasil, ela entrou em contato com outros jovens de todo o país para “territorializar” os debates sobre essa emergência ambiental. Hoje, é jovem conselheira da ONU, delegada do Brasil no G20 Youth Summit e fundadora o Instituto Perifa Sustentável, tendo sido reconhecida como #Under30 na revista Forbes, além de atuar como vice-curadora no Global Shapers, a comunidade de jovens do Fórum Econômico Mundial.
As histórias de Samela e Amanda estão entre as de 10 mulheres que participam do Nat Geo Podcast, da National Geographic. Ao longo dos episódios, nomes como Tamara Klink, Natály Neri e Giovanna Nader dão verdadeiras aulas de como se engajar na luta pela preservação do meio ambiente e no combate à emergência climática.
Tanto nos episódios do qual participam quanto na conversa com CLAUDIA, as duas jovens falaram de um tema que, muitas vezes, ainda fica em segundo plano nos debates sobre a proteção da natureza: o racismo ambiental. “Nas minhas viagens à COP e outros eventos internacionais, vi que indígenas, populações periféricas, quilombolas e ribeirinhas, que são mais afetadas pela mudança climática, não estavam nesses espaços. Muito pelo contrário, esse debate e as decisões sobre ele sempre foram pautadas por homens brancos e ricos, que dizem a crise ambiental impactará o futuro da humanidade, sem se dar conta que esse impacto, para muito de nós, já chegou”, reclama Amanda. Essa insatisfação foi o que a motivou a criar o Instituto Perifa Sustentável, para falar de emergência climática nas comunidades e incentivar jovens periféricos a tonar seu entorno mais sustentável, por meio da mobilização local.
Presente oficialmente na Brasilândia e no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, o Perifa Sustentável trabalha com educomunicação, com campanhas de informação sobre meio ambiente e clima nas redes sociais; missões comunitárias, com ações práticas de sustentabilidade nas periferias; e advocacy, pressionando autoridades públicas para aprovar projetos de lei relacionados com a emergência climática. “Assim, conseguimos prevenir catástrofes ambientais e proteger quem mais sofre com elas. Se conseguimos destinar mais recursos públicos para áreas com enchentes, por exemplo, podemos criar um plano de contenção de riscos e, assim, aquele território não alagará mais”, explica Amanda. Este ano, no Rio Grande do Norte, um projeto de lei de emergência climática foi protocolado graças ao Perifa Sustentável e aguarda os próximos passos de tramitação.
Na Maré, um dos projetos do qual a jovem mais se orgulha é a horta comunitária orgânica, que fornece alimentos para duas creches do complexo e faz um trabalho de educação ambiental com crianças. “Isso significa quebrar um paradigma e mostrar que a quebrada pode ser sustentável, sim. E entender de onde vem nossa comida e a importância de uma alimentação livre de agrotóxicos é uma forma de aproximar o debate ambiental das comunidades. Porque, para quem está no corre por trampo para colocar pão em cima da mesa, essa história pode parecer uma coisa muito distante, que fica só lá na camada de ozônio”, diz Amanda, que acrescenta: “É preciso trazer o debate climático para o dia a dia. O fato de que o quilo de cenoura está custando R$ 18 reais na Brasilândia tem a ver com a emergência climática.“
Para Samela, cuja história de vida e luta de seu povo é essencialmente a história de preservação do meio ambiente, os desafios são outros. O que ela quer é que os seus assumam o protagonismo devido nos debates e decisões sobre essa questão. “Precisamos lembrar que não fomos exterminados com a invasão dos colonizadores. Estamos aqui e não paramos no tempo, usamos as redes sociais, computadores e celulares como ferramentas de resistência. A luta pelos direitos dos povos originários é uma luta de todos, não estamos lutando por terra, mas por um território que, consequentemente, será preservado, em benefício de todo o mundo”, afirma.
Ela lamenta que as pessoas das grandes cidades “só lembram da importância de lutar contra a emergência climática e preservar o meio ambiente quando o céu de São Paulo fica preto por horas, coberto pela fuligem dos incêndios na Amazônia e no Pantanal”, quando os povos originários sofrem as consequências dessa destruição todos os dias. “Não tem como falar sobre justiça ambiental sem contar com os povos que são os mais afetados pela emergência climática”, insiste.