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Estupro: projeto de lei quer dificultar o acesso de vítimas ao aborto e a medicamentos

Proposta para modificar a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual é um enorme retrocesso à saúde física e mental de mulheres que foram abusadas. Entenda!

Por Carol Patrocínio (colaborador)
Atualizado em 12 abr 2024, 10h24 - Publicado em 27 Maio 2016, 15h11
ruigsantos/Thinkstock/Getty Images (/)
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Na última semana, 30 homens se uniram por uma causa. Não, não era nada bonito ou nobre, mas o estupro de uma menor de idade desacordada. O crime aconteceu no Rio de Janeiro e chocou o país. Ao mesmo tempo, outra jovem de 17 anos era estuprada grupalmente no Piauí. E esses são apenas os casos que chegaram até a mídia.

Não há dúvidas em relação à barbárie que esses crimes representam. Também não deveria haver questionamentos em relação ao direito das vítimas ao seu corpo, dignidade e vida. Porém não é isso que o Projeto de Lei 5069/13, do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), propõe. A ideia é o retrocesso ao modificar a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Lei 12.845/13).

>>> Leia também: Cultura do estupro: antes de dizer que não existe, entenda o que significa 

O que a lei diz hoje? O atendimento imediato às vítimas é obrigatório em todos os hospitais integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS), com profilaxia da gravidez, antibióticos e antirretrovirais para evitar o HIV, fornecimento de informações sobre os direitos legais e sobre todos os serviços sanitários disponíveis, incluindo a pílula do dia seguinte, a permissão do aborto e demais alternativas.

O que o projeto visa? Profissionais de saúde poderão se negar a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considerem abortivos. A pílulado dia seguinte poderá passar a ser ignorada caso isso ofenda as crenças pessoas do médico. A explicação sobre aborto legal também deixaria de existir. Além disso, a lei mudaria o que entendemos como estupro: hoje é qualquer forma de atividade sexual não consentida, mas se a lei for aprovada será necessário comprovar, por meio de exames, danos físicos e psicológicos. Os tratamentos emergenciais oferecidos à essas mulheres deixarão de existir e isso custará a vida e a saúde das vítimas.

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Estupros são crimes de poder. Junto com o poder está a coerção. Mulheres são ensinadas, por especialistas, a não reagirem ao crime de estupro. Ficar quieta e deixar o estuprador terminar o que começou é uma das dicas para sobrevivência. Portanto, em grande parte dos casos entre adultas, não há danos físicos. Os danos psicológicos podem demorar anos até serem comprovados, já que nossa cultura, enquanto sociedade, reprime a mulher vítima de estupro e questiona seu valor. Mulheres não denunciam crimes de estupro, mas vão atrás de cuidados médicos. Nem isso teríamos mais acesso.

O risco de contrair uma DST bacteriana é de 30%, o de HIV e de hepatites virais é de 0,8%, além dos riscos de danos genitais ou físicos. Com a aprovação da nova lei esses números cresceriam.

Mais grave ainda são os dados apontados pelo médico Jefferson Drezett – responsável pelo serviço de aborto legal do hospital Pérola Byington, em São Paulo -, em entrevista à revista Galileu. “Hoje, mais da metade dos casos que o hospital atende são estupros de crianças. Só não há uma taxa de gravidez maior, portanto, porque a maior parte das crianças não possui capacidade fisiológica de ter uma gravidez”.

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Ele ainda explica que se uma mulher busca tratamento nas primeiras doze horas após o estupro e receber anticoncepção de emergência ela tem 99,5% de chances de não precisar carregar um bebê que a lembrará da violência que sofreu. Nas segundas doze horas do primeiro dia esse número cai para 95%. E assim consequentemente. A burocratização do acesso a cuidados após um estupro aumentaria o número de mulheres grávidas por causa do crime. E os resultados disso ainda são desconhecidos, mas depressão, aborto ilegal e abandono do bebê certamente estariam na lista.

“Não é saudável, não é humano, não é concebível, não é justificável que qualquer medida burocrática ou administrativa seja colocada como uma imposição antes do tratamento médico. É evidente que é mais importante ir ao hospital que ir à polícia. Nem um bandido baleado tem que passar por isso”, completa. A vida feminina vale menos.

Em apenas 15 dias de governo interino, Michel Temer já demonstrou por meio de suas escolhas ministeriais, incluindo a não-escolha de nomes femininos, que a integridade da mulher não é seu foco:

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– O ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), quer incluir a igreja (evangélica, vamos deixar claro) no debate: “Vou ver com o governo qual será nossa diretriz para agir nessa direção. Essa é uma decisão de governo. Não de um ministério, algo que possa ser decidido individualmente. Mas a maneira como vamos abordar isso vai depender de discussões. Vamos ter de conversar com a Igreja”, disse em coletiva. Além de “diminuir” o tamanho do SUS – o uso de aspas é para deixar claro que fala-se em diminuir porque não seria aceitável dizer acabar, mas o projeto real é outro.

– A Secretaria das Mulheres é comandanda pela ex-deputada federal pelo Amapá, Fátima Pelaes (PMDB), que se diz “uma defensora da família e da vida desde a concepção”. Ela é contra o aborto em qualquer caso.

– O líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), também ao lado do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quer criminalizar quem “induzir ou instigar a gestante” a praticar o aborto ou lhe auxiliar a fazer. Isso quer dizer que falar sobre opções com uma mulher já tornaria o profissional de saúde criminoso.

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– Talvez a secretária de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, fosse uma esperança, já que defende uma revisão da legislação do aborto no país para livrar mulheres de punições por causa da prática. Mas ela mesma afirmou que “não sabe se essa é a posição do governo do presidente Michel Temer” – educada e esperta, não quis apontar dedos -, mas seu cargo está abaixo do Ministério da Justiça, comandado por Alexandre de Moraes, que liderou o crescimento do genocídio negro e jovem no estado de São Paulo – os dados sobre isso podem ser encontrados no Atlas da Violência de 2016.

Se o problema fosse apenas uma lei, poderíamos respirar aliviadas. Estamos lidando com um governo inteiro contra a autonomia dos corpos femininos. São diversas leis e projetos que se complementam e conversam discretamente, mas que chegam ao mesmo objetivo: a privatização da saúde, o fim da laicidade no governo e a submissão da mulher.

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