Amor próprio ou egoísmo? Saiba como separar os dois
Discursos na internet sobre autocuidado podem estimular o comportamento individualista, que privilegia o "eu" a qualquer custo em detrimento do outro
Basta rolar o feed por alguns segundos para encontrar algum vídeo sobre autocuidado. Antes responsáveis por popularizar a importância do amor próprio, agora muitos desses conteúdos são passíveis de questionamentos: essas indicações são um estímulo à priorização de si, mas considerando o outro, ou apenas uma ferramenta para induzir as pessoas ao individualismo? Entre o que deve ser colocado em prática ou não, há um dilema à beira do abismo.
O termo “autocuidado” foi popularizado por volta da década de 1960, quando médicos o descreviam como uma forma dos pacientes com pouca autonomia sobre seus corpos cuidarem de si e manterem hábitos saudáveis, preferencialmente sob a orientação de um profissional de saúde. Foi só com o movimento das mulheres e dos direitos civis que o autocuidado passou a ser encarado como trabalhar pela “preservação” de si mesmo independente da sua condição médica.
A quarta onda do feminismo ganhou força por volta de 2012, principalmente como resposta a questões contemporâneas às quais as mulheres estavam sujeitas, encapsulando conceitos amplos como body shaming – agressão verbal sobre a aparência física de alguém –, cultura do estupro, assédio sexual e autonomia corporal. Assim, o movimento de contracultura procurou libertar as mulheres dos ideais patriarcais e, por extensão, dos padrões de beleza inalcançáveis, influenciando o autocuidado.
A internet tornou-se uma ferramenta de mobilização para atingir este objetivo. O trampolim fornecido pelas redes sociais permitiu uma livre troca de ideias, transformando as interações que ocorreram na internet entre as pessoas, criando um ciclo de feedback social. Com o passar do tempo, porém, os discursos passaram a influenciar o pensamento sobre si acima de quaisquer outros fatores.
Como diferenciar?
“O autocuidado é o ato de cuidar de si. Basicamente, é um conjunto de práticas e hábitos que uma pessoa adota para promover o seu bem-estar físico, mental e emocional, reforçando a autoestima, autovalorização, por exemplo”, explica a psicóloga Helena Alvim.
Ter claro o conceito ajuda a diferenciar esse cuidado consigo mesmo do individualismo. Mas o que separa esses dois pólos? “Os discursos de autocuidado podem influenciar o egoísmo quando feitos e interpretados de maneira inadequada ou exagerada. Se alguém usa a ideia de autocuidado como desculpa para agir de forma egoísta e negligenciar as necessidades e sentimentos dos outros, isso pode prejudicar as relações interpessoais e criar um ambiente egoísta”, afirma a especialista.
De acordo com ela, o autocuidado se concentra na autossuficiência e no bem-estar físico e emocional, onde você deve se auto priorizar, sem abandonar a ideia do outro. O contrário disso acarreta no isolamento e também pode ser considerado uma falta de responsabilidade, fatores perigosos por sermos seres sociais que precisam de relações interpessoais.
“Considerar as outras pessoas em suas decisões é fundamental para manter relacionamentos saudáveis e uma sociedade harmoniosa. O equilíbrio entre o autocuidado e a consideração pelos outros é importante por várias razões, como empatia e cooperação”, acrescenta Helena.
O verdadeiro autocuidado não é egoísta
Do outro lado da moeda, há quem considere qualquer atitude de priorização um ato individualista, algo também negativo. “Há um equivoco de que colocar o outro em primeiro lugar, sacrificando-se para atender as outras pessoas, é uma atitude nobre. Cada vez que você não se prioriza para atender ao outro, está praticando uma violência contra si mesmo”, esclarece a profissional.
O verdadeiro autocuidado permite que você tenha tempo de qualidade, escuta e entendimento para si, segundo ela, e isso ajuda quem está ao redor. “Assim, você disponibiliza tempo de qualidade e atenção, com menos necessidade de cobrar as pessoas e mais possibilidade de entrega e dedicação ao outro a partir da sua melhor versão.”